sábado, 5 de agosto de 2023

Um jornal com saúde pública

O SNS gasta milhões de euros a comprar serviços aos privados que podia não comprar, se usasse, na maior parte dos casos, meios próprios — já existentes ou de que se dotasse, mobilizando os milhões de euros da metade do Orçamento da Saúde que fica por executar. A fronteira que nunca foi transposta é a da compra de consultas e de internamentos às grandes instituições privadas. Na verdade, estas são sustentadas pela ADSE, porque os seguros privados e os «ricos» não chegam para as alimentar. Convém lembrar que muitos dos referidos meios auxiliares de diagnóstico são executados por serviços clínicos pertencentes às mesmas redes empresariais das grandes instituições hospitalares privadas. Transposta esta fronteira fariam o pleno, como tentaram durante a pandemia. 

No meio disto o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, é apenas o que aceitou dar a cara. Qualquer contrato ou base salarial depende directamente do ministro das Finanças e para gerir lá está, em pleno espírito empresarial, um «CEO da Saúde» que concentra todas as decisões organizacionais, com um estatuto que esmagou todas as direcções intermédias e está paralisado. Este panorama de sofrimento social é bem um retrato de um país e uma União Europeia cheios de contradições. 

Em 1974, o movimento revolucionário português fez-se em contraciclo com um neoliberalismo que, logo na década de 1980, começaria a varrer serviços públicos e conquistas sociais. Até quando?

Isabel do Carmo, Sofrimento social, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Agosto de 2023

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