Público, 21/8/2013 |
Há dez anos, continuava-se a cortar, cortar, em nome dos efeitos positivos que se julgava nascerem desse esforço de austeridade.
A intenção anunciada era reduzir o défice orçamental, porque desses esforço se atingiriam alguns fins, ainda que todos eles discutíveis: 1) reduzir o défice para reduzir a prazo a dívida pública (discutível porque se consegue reduzir mais a dívida pública, nomeadamente o seu peso no PIB, se houver um esforço articulado do Estado para a expansão da capacidade produtiva. Para isso, basta que a economia cresça mais do que a taxa de juro implícita no pagamento da dívida. Nota curiosa: este princípio torna ainda mais evidente os efeitos perversos das decisões do BCE em elevar as suas taxas de juro de referência (as economias tornam-se mais dependentes); 2) reduzir o défice orçamental para que o Estado liberte mais recursos para a esfera privada da sociedade (discutível porque, para reduzir o défice, é necessário - na verdade - retirar mais recursos da esfera privada, via impostos, ou reduzir a intervenção pública, o que corresponde a reduzir o rendimento implícito dos cidadãos, já que sem a despesa pública, os cidadãos terão de desembolsar mais do seu bolso.
Na verdade, e como já o dissemos de outras vezes, as intenções não correspondem aos verdadeiros objetivos da teoria neoliberal subjacente a estas ideias. Na realidade, o objectivo é reduzir, desarticular, desfazer a provisão colectiva do Estado (mesmo que funcione bem) para que, interesseiramente, se tranforme num nicho de mercado, do qual alguém - poucos, muitos poucos, os donos das empresas fornecedoras desse novo produto privado - possam beneficiar do valor acrescentado que essa actividade propicia. E se essa provisão colectivo não for rentável, então o sector privado tudo fará para o que seja, mesmo que se se aumente os preços, contenham ou baixem os salários dos trabalhadores, se retraia a provisão - em amplitude ou em dimensão - antes fornecida colectivamente.
O curioso é que, a meio dessa “aventura” interesseira, a realidade começou a fustigar os pressupostos da teoria.
Mesmo a direcção do Público que, como se nota até esteve de acordo com a redução do défice orçamental, percebia há dez anos que, aliviando a austeridade e a política do “Choque e Pavor” que Passos Coelho e Paulo Portas empreenderam desde 2011, a economia começava a respirar. Porque “austeridade a mais” implicava uma @espiral recessiva”... que, segundo a direcção do Público - se manifestava na Grécia em todo o seu horror. O caso grego era visto então como uma antecipação do que poderia ainda vir a acontecer a Portugal.
Recorde-se que nesta altura, a "espiral recessiva" já se manifestava igualmente em Portugal e de forma bem expressiva. O INE iria contabilizar em 2013 quase 1,5 milhões de
desempregados (em sentido lato), numa taxa de desemprego (em sentido lato) que rondaria os 25%! Mas o Público não os via. Apenas via a Grécia. E apenas a via as repercussões que a austeridade poderia ter na actividade dos nossos “empresários” e no nível de consumo dos nossos "consumidores". Como se a sociedade se dividisse nesses dois grupos: os que produzem (os donos das empresas) e os que consomem (todos).
É interessante verificar como a comunicação social absorve - tão facilmente - o ponto de vista dominante, precisamente aquele que se coloca nos sapatos dos empresários e que oblitera sempre da equação do pensamento a forma como o rendimento se reparte numa sociedade. E como se reparte, na maior parte das vezes, de forma desigual.
2 comentários:
Os portugueses têm de começar a pensar nada serve repetirem a desinformação da comunicação social como se isso fosse sinónimo de conhecimento ou sabedoria, a economia é regularmente tratada como ciência exata e serve para provar que a riqueza não é para ser repartida de igual modo, na verdade a economia na atualidade é o pretexto para a desumanidade, ninguém acharia aceitável que se diga que há pessoas que têm de ser exploradas, ou que há gente que não deve ter o que comer, ou que as pessoas não devem ter onde morar, ou que têm de passar mal para que tudo funcione bem, os indecentes que aparecem regularmente nos meios de comunicação social dizem estas barbaridades todos os dias e isto não choca ninguém, o que está em causa é uma total inversão de valores. Não existe dignidade sem consciência.
'aquele que se coloca nos sapatos dos empregados' - isso é que não. Existe o verbo pôr e a expressão portuguesa ' no lugar de'. Traduções à letra da língua inglesa são uma praga que devemos combater.
Parabéns pelo seu trabalho que sigo e muito admiro.
Teresa Biu
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