quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Fugir a sete pés destes intelectuais públicos


Foram os anos de integração europeia que permitiram a recuperação económica do Reino Unido, agora a terceira economia, muito próxima da França, enquanto a posição de Londres como grande centro financeiro mundial beneficiou do apoio europeu (...) Será que Londres está disposta a sacrificar a sua posição cosmopolita dominante aos interesses do interior, ou seja, de camadas etárias idosas alheadas da nova realidade económica? (...) Ficou à vista que a dupla Corbyn/McDonnell não tinha preparação para afrontar e argumentar com os conservadores formados nas escolas privadas e nas melhores universidades.

O historiador Francisco Bethencourt, Professor no King's College de Londres, escreve sobre as eleições britânicas, em linha com outras intervenções suas, igualmente pretensiosas e de duvidosa utilidade, no Público. Se não existisse e dominasse em certos círculos, a versão caricatural do elitismo euro-liberal, que os excertos acima ilustram, tinha de ser inventada.

Tudo começa pela história recente da economia política. Na realidade, a duvidosa performance económica do Reino Unido das últimas décadas, centrada na City londrina, na financeirização, não pode ser desligada do retrocesso produtivo, do aumento do desemprego e da pobreza nos tempos de Thatcher, das brutais desigualdades, sociais e territoriais, que perduraram ou da crise de 2007-2008, a mais grave desde a Grande Depressão, e das suas múltiplas sequelas. Só quem vive num certo meio social e cultural da capital, centrado nos serviços qualificados, pode ter um diagnóstico tão complacente do ponto de vista socioeconómico. E, sim, a integração europeia, a do mercado único, foi fundamental para esta desastrosa economia política. De resto, esta elite quer aí manter os seus privilégios, a tal posição de Londres, disfarçando mal os seus interesses de classe com uma clivagem etária.

E que dizer do diagnóstico segundo o qual o problema de Corbyn/McDonnell foi o de não terem sido formados por professores como Bethencourt? É simplesmente confrangedor. Apetece lembrar, por exemplo, que o criador do Serviço Nacional de Saúde, logo a seguir à Segunda Guerra Mundial, foi o Ministro trabalhista Aneurin Bevan, que teve de abandonar a escola aos 13 anos para ir trabalhar nas minas.

O problema de Corbyn, entre 2017 e 2019, foi ter perdido de vista os valores da sua histórica base social de apoio; uma base social de resto prioritária para quem seja socialista. A ideia do segundo referendo resume todo um desacerto político, influenciado pela mobilização euro-liberal, entretanto derrotada.

Até a The Economist, na vanguarda da campanha contra Corbyn, reconhece agora que um Partido Trabalhista ameaçador é o que for capaz de articular patriotismo com a defesa das classes trabalhadoras. Que horror, dirão os elitistas, os tais passageiros frequentes, os vencedores da globalização, alguns dos quais se calhar ainda se julgam vagamente de esquerda. Na realidade, quanto mais insatisfeitos estiverem com a orientação dos partidos de esquerda, melhor.

5 comentários:

Álvaro disse...

Ia ler o artigo do F. Bettencourt e pousei os olhos nesse excerto, por acaso. Já não li o artigo. Não deixa de ser um mistério, pelo menos para mim, como é que gente deste calibre intelectual (e que reputo séria) produz coisas deste nível.

Geringonço disse...

Não deve levar muitos mais artigos de opinião para que o europeísta "cosmopolita" Francisco Bethencourt defenda que os velhos (e todos os críticos do europeísmo/ neoliberalismo) sejam depositados numa vala comum...

Paulo Marques disse...

O problema de Corbyn foi ter achado que os Blairistas são reformáveis. Estes cosmopolitas, que mal passam de mendigos a fazer favores ao capital, cada vez me metem mais nojo. Quanto mais não seja porque quando a alternativa vier (e está a vir) da direita, vamos todos de arrasto, enquanto esta gente continua a querer voltar a uma suposta belle epoque, ao fim da história, ou ao raio que os parta, provavelmente só porque ninguém os questionava.

Jose disse...

Que a velhada garantiu o Brexit é uma evidência.
O Corbyn deu-lhes tudo o mais dos velhos sonhos menos o Brexit musculado.
Já o Boris não se esqueçeu de lhes tratar da saúde...

Anónimo disse...

Uma análise desapaixonada sobre uma questão que é real e não se pode confundir com "os velhos (e todos os velhos sejam depositados numa vala comum..."

The Millennials-Versus-Boomers Fight Divides the Democratic Party
https://www.google.com/amp/s/amp.theatlantic.com/amp/article/603232/