quarta-feira, 29 de junho de 2016
Posição sobre o Brexit da Democracia Solidária
Desde o Tratado de Maastricht que os directórios burocrático-políticos de Bruxelas tudo fizeram para impedir que a decisão democrática dos povos tivesse a mínima influência sobre as etapas daquilo a que se chamou «construção europeia». Não se podia correr o risco de esclarecer democraticamente os cidadãos e de os auscultar quanto a uma agenda política que, na verdade, lhes iria negar alguns dos seus direitos mais elementares. Em especial neste Sul da Europa, onde a abdicação da soberania monetária e orçamental foi feita à revelia de qualquer referendo e conduziu à erosão do frágil Estado Social que fomos construindo.
Tudo isso aconteceu porque muitos cidadãos, hipnotizados pela ideologia europeísta e globalista, foram consentindo na entrega da soberania nacional a uma cúpula de serventuários de interesses, em nome de uma cada vez maior união política destinada a anular por completo a capacidade de autodeterminação dos povos. Aliás, se há mensagem a reter da bárbara punição infligida à Grécia, é a de que o discurso europeísta de reinvenção da União Europeia constitui hoje a pior das ilusões.
A maioria dos britânicos recusou a permanência num espaço institucional que se tornou uma prisão dos povos e da democracia, e isso impõe-nos a tarefa de avaliar muito bem que oportunidades essa recusa abre a uma política genuinamente democrática.
Em primeiro lugar, há uma forma superficial de analisar o “Brexit”, centrando-se apenas nas motivações primárias que determinaram o voto de uma parte importante do eleitorado britânico. É verdade que o voto do abandono pode ter sido decidido por muitos cidadãos sob a influência de ansiedades e impulsos instrumentalizados pela direita. Mas isso revela, antes de mais, que o mal-estar vivido por largos sectores da sociedade, em particular o descontentamento face à União Europeia, foi ignorado pelos partidos da esquerda. Tivesse a esquerda a clarividência de romper com o europeísmo neoliberal e não seria a direita a erguer a bandeira dos direitos espezinhados das populações. Tivesse a esquerda reconhecido as tensões identitárias associadas ao aumento da imigração, e formulado as propostas que a complexidade das diferentes situações exige, e não teríamos hoje a extrema-direita a crescer à custa de um eleitorado que, em percentagem significativa, antes votava à esquerda.
Muitos cenários são agora formulados. Os catastrofistas apontam para o fim do mundo: fragmentação do Reino Unido em nações independentes (como se isso fosse, por si só, um mal), a tomada do poder em vários países da UE pela extrema-direita, o aumento da violência devido a tensões inter-identitárias. Como se estas não estivessem já presentes entre nós, como se as políticas da UE não tivessem contribuído para a generalização do emprego com baixíssimos salários e precariedade, o brutal crescimento do desemprego, em particular dos jovens, e a consolidação de desigualdades obscenas, como se a UE não tivesse pesadas responsabilidades nos conflitos que propiciam o negócio das máfias com refugiados e imigrantes.
Mas outros cenários são concebíveis. Um deles é o reconhecimento do fracasso da UEM, acompanhado da decisão de dissolver/reconverter as suas instituições a fim de recuperarmos a Europa das nações soberanas e democráticas – a fórmula institucional do capitalismo que permitiu construir diversos modelos de Estado-social –, e o relançamento de uma genuína cooperação multilateral em vários domínios.
Sim, outra Europa é possível, mas primeiro é preciso enterrar a distopia do mercado e da moeda únicos, e o seu projecto de união política supranacional, a versão da ideologia neoliberal que hoje constitui a maior ameaça à paz na Europa e no mundo.
25 de Junho de 2016 A Direcção da DS
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10 comentários:
Estávamos tao fartos da ditadura fascista que ate´ o PCP retirou a “Ditadura do Proletariado” dos seus estatutos.
Passados uns anitos e fartos de liberdade alguns dirigentes entenderam amarrar-se a´ “ditadura neoliberal” e, e´ o que se vê.
Fizeram-se e desfizeram-se milhentos partidos e ainda hão-de fazer e desfazer mais. Pelos visto, ate´ que chegue outra ditadura.
Açaimem de vez essa ambição de poder, Porra!
Parece não quererem aprender com a Historia!
Outra Europa e‘ Possível como se a Europa tivesse deixado de o ser…
E as mentalidades dos dirigentes e dos povos, que como e´ natural levam seculos a se transformarem?
Talvez esteja errado, mas só um processo muito, muito radical – força das armas – poderá resolver a questão. Mas por pouco tempo, claro.
No entanto vamos la mudar essa europa…
Agora ate´ o Greenspan quer voltar ao padrão Ouro…vejam la´. de Adelino Silva
Durão Burroso foi e é um desses serventuários de interesses do capital, da guerra e do capital de guerra que não interessam para nada à maioria e ainda houve quem achasse interessante ter na presidência da CE um gajo destes. Ele há com cada tuga europeísta mais provinciano.
Regista-se o tratamento dado àqueles de quem politicamente se discorda, posição que não se distingue aliás de quem afirma que só são democratas os que desejam a saída de Portugal do Euro. Tais posições fazem-me lembrar uma frase de Orwell, em que este dizia que o Comunista e o Católico nunca conseguem assumir que o seu interlocutor num debate é simultaneamente inteligente e honesto. Regista-se ainda o simplismo de quem culpa a UE por todos os males, enquanto fala da 'complexidade das diferentes situações' noutro contexto. Regista-se a total ausência de programa político e económico para levar a cabo o desmantelamento da UEM. Finalmente, regista-se a leviandade de quem se esquece dos problemas que a fragmentação do RU pode trazer, a começar pelo romper do ainda frágil equilíbrio político na Irlanda do Norte, onde o acordo de Paz pôs fim a um conflito sangrento que fez milhares de mortos. Porque é destas questões concretas que os 'catastrofistas' falam. No entanto, espero que, pelo bem dos povos do RU e da Europa, os defensores do fim da UE tenham razão e que um processo de desmantelamento dessa UE seja possível, em vez de uma desagregação. Mas, pela parte que me toca, penso que estas alternativas não esgotam o reino das possibilidades, pelo que irei bater-me antes pela reforma da União...
Caro Jaime Santos
agrada-me conversar com interlocutores honestos e inteligentes. Mas a verdade é que, em algumas situações, as emoções deixam de ser um auxiliar da razão para se tornarem um sério obstáculo. E, pelo que temos visto, parece que a ideia de colapso do projecto federalista europeu é uma dessas situações.
Registo que, desde há muito, o Jaime vem exigindo aos defensores do fim da zona euro - e da UE, já que está umbilicalmente ligada à UEM - que apresentem um programa. Se entendermos a palavra 'programa' como um guião do processo de saída unilateral do Euro, ele já está disponível no texto que escrevi para o Congresso Democrático das Alternativas. Vários autores têm tratado disso, um dos quais Jacques Sapir que certamente conhece. Mas é assunto em aberto porque, com a UE em decomposição acelerada, não faz sentido agarrarmo-nos a planos muito detalhados. E não há uma forma única de o fazer. Se a palavra 'programa' quer dizer um programa de governo para o pós-saída do euro, em Portugal ainda é cedo (politicamente falando). Quando estiver criada uma Frente de Libertação do Euro, certamente esse programa será elaborado. Mas desde já lhe digo que muitos dos seus medos - hiperinflação, liquidez do Estado - não têm qualquer fundamento. Como é óbvio, não é a opinião dos economistas neoliberais. Mas não deve admirar-se porque na Física ou na Biologia também há diferentes paradigmas. Num post abordarei um dia destes essa história da hiperinflaçao que (julga) ser uma ameaça às suas poupanças.
Infelizmente Jaime Santos contribuiu e contribui para a doutrina do "só quem é democrata é quem votou no remain".Acusando os demais, todos os outros que votaram no Brexit, ou de serem fascistas, ou de serem xenófobos ou de terem permitido que o fascismo ganhasse.
Simplesmente execrável tal posição.
Caro Jorge Bateira, Agradeço o tempo investido a ler as minhas posições. Se se refere ao seu texto de 2012 que procurei agora, já o conhecia. O que eu espero mesmo é por um estudo detalhado de uma saída do Euro. O melhor texto que conheço é o dos Professores Louçã e Ferreira Amaral, e mesmo esse é só um esboço que passa mais tempo a enumerar os problemas existentes no pós-saída do que outra coisa (o que só abona a favor da honestidade intelectual dos seus autores, note-se). Percebo bem que uma desvalorização de 40% não corresponde a uma perda de poupanças neste montante, porque a inflação é determinada por um mix de produção interna (não afetada pela desvalorização) e pelo encarecimento das importações. O que eu não entendo (mas não sou Economista) é a sua fé que uma declaração de falência do País (e de muitas das suas empresas como bem assinala) não contribuirá imediatamente para uma retração da atividade económica que reduza a entrada de divisas externas (e também os recursos à disposição do Estado através da quebra da cobrança fiscal e não vale imprimir dinheiro indiscriminadamente para pagar salários, pensões, etc, se quer controlar a inflação). Parece que, pelo contrário, o País começa logo a crescer pelo que ganhou em competitividade cambial (uma política de inovação tem custos e demora anos a implementar). Ora, se isso não acontecer, aonde vai arranjar as divisas para importar o que o País precisa? O que se segue é, claro, a alta-inflação ou mesmo hiperinflação, observada na desagregação de zonas monetárias ou no abandono de 'pegs' a moedas fortes... Não sou ingénuo a ponto de pensar que podem prever com precisão o que vai acontecer, muito estará dependente da contingência, mas umas folhinhas Excel com um estudo de sensibilidade ajudariam a tranquilizar-me e prestariam um bom serviço ao País (porque eu também considero que o risco de sermos chutados da zona Euro é bem real, só não o acho nada desejável). Finalmente, se diz que me deixo levar pelas emoções, eu aconselhava-o a si e aos seus colegas a não se deixarem levar pelos excessos de linguagem e a reduzir os seus adversários à condição de ingénuos ou vendidos (vide a referência a Orwell) ou a tratar todos os Liberais como anti-democratas (o legado do Liberalismo é mitigado, mas é muito melhor que as alternativas e eu esperaria que quisessem superá-lo e não destruí-lo, já bastam para isso os disparates do Sr. Schaeuble). É uma questão de boa tática política, penso eu... Verá que quando apresentam medidas que evitam ruturas, até eu sou capaz de as elogiar. Ou será que nesta questão, estarão também a deixar-se levar pela emoção? Ou será pela Ideologia?
Caro anónimo das 9:09, se ler o que eu escrevi, verá que nunca disse que só é democrata quem votou no Remain ou que todos os que votaram Remain são fascistas ou xenófobos (embora manifestamente Farage e os seus o sejam). O que eu disse é que quem à Esquerda fez campanha pelo Leave entregou uma bela vitória a quem é fascista, porque os temas da campanha foram determinados por fascistas (sem que o campo democrata, do Leave ou Remain, se tenha oposto ao uso de tal demagogia, cujos efeitos já destruíram a candidatura de Johnson a PM, e é muito bem feito, só é pena que Gove seja ainda pior). E isso foi um tremendo erro tático, comum aliás aos que a Esquerda fez no passado, na minha modesta opinião. Saliento no entanto que não dou o benefício da boa fé a Jeremy Corbyn, porque este se entreteve a sabotar a campanha do Labour, cuja orientação foi decidida democraticamente e que ele não acatou... Será que o Jorge Bateira e colegas irão censurá-lo como censuram (e bem) a UE por desrespeito pelas regras?
Entregou uma bela vitória saos fascistas? Citand-o "como expliquei, a vitória do Brexit foi a vitória da Extrema-Direita"?
Mas ensandeceu caro Jaime Santos?
Mas quem disse que foi uma vitória para os fascistas? Porque não foi uma vitória para os que contestam o estado pos-democrático da UE?
Com mais propriedade se pode dizer que quem diz aquela atoarda está a fazer um belo favor aos fascists. Portugueses e de todas as nacionalidades?
A sua interpretação do resultado do aqui exposto pelo Nuno Serra é , na minha modesta opinião, um exercício de trapézio. De facto, acho que vários comentadores o referiram, afunilar o voto no Brexit como Jaime Santos o faz é completamente posto em causa pelos dados deste post.
Mas muito mais importante do que isto é a persistência nesta ideia: "porque como expliquei, a vitória do Brexit foi a vitória da Extrema-Direita".
Ora vejamos. O senhor não explicou nada. Deu quanto muito a sua opinião pessoal, a sua, vá lá, "explicação" da sua opinião pessoal, privada, particular.E mais nada.
Porque essa opinião é contrariada por muitas outras opiniões. Porque essa história de identificar o voto no Brexit com a extrema-direita xenófoba não corresponde aos dados. Porque muita gente confirma que votou no Brexit sem ser pelos motivos ideologicamente enviesados do Jaime Santos. Porque é perigosa uma tal atitude, já que reduz o debate a uma farsa e oculta o profundo mal estar que varre a união europeia. Porque mete mais uma vez a cabeça na areia.Porque e isso tem que ser dito, favorece os movimentos fascistas e xenófobos.Porque a posição a favor da UE é, como alertou a tempo Gisela Stuart, o melhor “agente de recrutamento do UKIP na Grã-Bretanha". Porque quem está e esteve pelo Remain são as piores companhias possíveis, os donos do mundo , as agências de rating, o G7, o FMI e até a Nato. Porque a UE é um projecto falhado e conduzirá inexoravelmente os povos a consequências desastrosas"
Deixe-se assim de lérias sobre os temas da campanha terem sido dominados por aquilo que quer que sejam dominados. Desde quando se utiliza rtal argumentario como justificação do que quer que seja?
O erro táctico está na sua cabeça. tal como está na sua cabeça os motivos pelos quais o reacionário Johnson desistiu.
Ou como está na sua cabeça (benefício da boa fé? ) a sabotagem do Corbyn à campanha do Labour.
Mas qual sabotagem? Então mas o campo dos tories esfrangalhiou-se por inteiro e agora vem lastimar-se pela atitude do Corbyn? Que duplicídade é esta?
Porque motivo o Corbyn não pode fazer aquilo que acha melhor? Devia ter assumido por inteiro o Brexit e a vitória deste seria ainda maior, é certo. Mas tudo o que não cumpra os seus critérios de democracia ao lado da UE é alvo do seu rancor destrambelhado e pueril?
Mais uma vez um texto que cai como uma luva a quem canta loas sobre o Brexit. Como jaime Santos:
Têm-se dito que os “burocratas de Bruxelas” têm saído incólumes dos múltiplos calafrios por que a União Europeia tem passado. De acontecimentos graves que estão na iminência de acontecer mas que acabam por não se verificar. Este comportamento, se bem analisarmos o que agora se está a passar, não vale apenas para as angústias que antecederam o que acabou por não acontecer. Ele continuará a ser o mesmo, manter-se- á inalterável, mesmo quando o terramoto se desencadeia à vista de todos.
É isso o que está a acontecer com o resultado do referendo britânico. Entre as declarações raivosas dos que culpam os ingleses por tudo o que aconteceu e deixam pairar a ameaça de retaliação e a linguagem dúplice (como sempre) da diplomacia germânica dando falsamente a entender que é preciso respeitar e compreender o voto britânico, a linha que está subjacente a uns e a outros, e que acabará por impor-se se não for derrotada pela luta dos povos europeus, é a de que é preciso tratar a situação decorrente do voto britânico com toda a normalidade, como se nada de importante tivesse acontecido.
À direcção política da União Europeia, nomeadamente ao seu poder hegemónico, não lhe interessa aprofundar, nem sequer ao de leve, as causas do voto britânico. É preferível deixar essa tarefa à comunicação social de serviço que se encarregará de fazer passar a mensagem nos quatro cantos da Europa e do mundo que a decisão britânica assenta em pressupostos xenófobos, se não mesmo racistas, no bom estilo de uma eficiente divisão internacional do trabalho."...
(JM Correia Pinto Politeia)
"Os grandes media internacionais promoveram uma campanha verdadeiramente terrorista acerca das “devastadoras consequências”, nacionais e internacionais, que o Brexit teria. Os grandes media portugueses intervieram activamente nessa linha. O grande capital não permite que qualquer debate sobre a UE não seja de imediato inquinado. Mas é significativo do beco sem saída em que a UE se encontra que só lhe seja possível utilizar argumentos negativos, do “colapso económico” à “ameaça terrorista”.
E agora vem o Jaime Santos defender que quem votou Brexit deu a vi´tória à direita?
Erro táctico uma ova. Com alguém já disse, se não fosse o Brexit já teriam saído as sançõe sprometidas a Portugal e Espanha.
Só não vê quem não quer e quem está metido em jogadas palacianas em defesa duma coisa sem reforma possível- esta UE de pantomineiros,
Entre Farage e Blair, o primeiro é um xenófobo desprezível, Mas o segundo é bem pior do que isso.É, para além dum aliado objectivo da extrema-direita, um criminoso-de-guerra, um patife, um tipo que devia estar preso. E este esteve ao lado do Remain.
E não é nem por um nem por outro que as minhas posições ( ou de quem quer que seja)podem ser beliscadas ou postas em causa.
O Brexit foi a vitória da democracia. E, apesar dos riscos, pode ser um passo para o desbloquear desta camisa de forças pós-democrática e tenebrosa que é este modelo de europa
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