sábado, 7 de novembro de 2015

O Salário Mínimo Nacional e os falsos factos


Na edição de hoje do Expresso, Pedro Santos Guerreiro enumerou algumas das medidas que estarão no acordo entre o PS, o PCP, o Bloco e os Verdes. E a certa altura diz: "Os trabalhadores com salário mínimo são os mais beneficiados, têm aumentos por duas vias". Pelo aumento do SMN e pela redução da sua TSU. "O seu rendimento disponível aumenta. As empresas gastam mais. O emprego pode diminuir. O Estado recebe menos." E mais adiante, a meio texto, remata: "Já vou em seis parágrafos e ainda não escrevi uma única linha de opinião. Mas provavelmente você, caro leitor, já formou a sua".

O problema dos nossos directores de jornais é que tomam as suas opiniões por factos. E repetem-nos, repetem-nos, tornam-nos como falsos sensos comuns, uma falsa sabedoria que apenas entronca numa certa maneira de olhar, tida como factos estabilizados. E que nunca é explicada tecnicamente.

Dito de outra maneira: não nenhuma indicação de que um aumento do salário mínimo leve a mais desemprego.

E não há porque os níveis salariais são muito baixos. Tão baixos que qualquer aumento de umas dezenas de euros no SMN abrange um número considerável de trabalhadores. Um aumento para 600 euros abrangeria 44% dos trabalhadores nacionais!!

E ainda assim, o aumento do SMN tem efeitos não excessivos na Massa Salarial paga pelas empresas, embora os seus trabalhadores sintam subidas consideráveis do seu rendimento. E isso passa-se mesmo em actividades com uma grande concentração de trabalhadores a receber o SMN. Qual a razão do paradoxo? A extrema desigualdade salarial reinante em Portugal.

Veja-se um estudo que o Observatório sobre Crises e Alternativas, divulgado ontem, feito com base na única base de dados sobre os quais é possível estimar, de forma segura, o impacto de um aumento do SMN - os Quadros de Pessoal das empresas.

Mesmo uma subida de 505 para 600 euros - uma subida de 18%, considerado como sendo excessiva - levaria a uma subida de apenas 2,9% da Massa Salarial da economia. Se for para 532 euros (uma subida de 5,3%), a subida da Massa Salarial será de 0,65%!!

No sector do vestuário ou do calçado - em que três quartos dos trabalhadores recebem o SMN - a subida de 505 para 532 euros implicaria numa subida de 3,1% da massa salarial do sector e para 548,50 euros de 4,8%. Se fosse para 600 euros, subiria para 11,3%.


Recorde-se que os gastos com pessoal representam cerca de um quinto do valor da produção. Ou seja, mesmo um aumento de 11% na Massa Salarial de um sector reflete-se em 2% do valor da produção. São estes valores condizentes como uma situação de desemprego iminente? Então de onde vem essa ideia?

O mesmo se passa com as micro, pequenas e médias empresas. Veja-se o que se passaria para um aumento do SMN nos diversos cenários.


Um aumento para 532 euros representaria um aumento de 1,5% da massa salarial das micro empresas (até dez trabalhadores). E seria de 0,8% nas pequenas empresas (entre 10 e 49 trabalhadores). E de 0,5% na massa salarial das médias empresas (de 50 a 250 trabalhadores). Aumente-se o SMN para 546,50 euros e isso representa uma subida de 2,4% da sua massa salarial. Parece um cenário absurdo? Estamos a falar de menos de 550 euros...O limiar de pobreza em 2014 foi de cerca de 410 euros, sendo que, nesse mesmo ano, o salário mínimo líquido foi de 431 euros.

E mais: de onde vem a ideia de que o Estado (não deveria ser dito "Segurança Social" e não "Estado"?) vai perder dinheiro? A Segurança Social só perde dinheiro com uma subida do SMN se a principal parte da TSU for devolvida aos empregadores, com descontos à sua TSU. Caso contrário, a Segurança Social receberá 34,75% dessa subida...

A ideia do Pedro Santos Guerreiro é a mesma linha de raciocínio defendida pelo governo da coligação de direita para justificar o congelamento do SMN durante 3 anos. Uma linha de raciocínio que foi rapidamente posta de lado, ao dar luz verde a uma subida do SMN, a vigorar de Outubro de 2014 a finais de 2015, de 485 para 505 euros, embora pagos substancialmente pela Segurança Social (através de descontos da TSU). O aumento foi justificado com a melhoria da economia. Na verdade, todos os problemas estruturais da economia não mudaram e, pela mesma ordem de ideias, o Governo de direita deveria ter mantido - ou mesmo descido - o SMN. Mas não o fez.

Por que não se a medida iria provocar desemprego? E o Estado iria perder dinheiro?

19 comentários:

Jose disse...

Supunhamos que não aumenta o desemprego.
Aumenta o emprego como é necessário?
A medida é neutra?

Avante com salários, direitos, garantias e mordomias. Quando baterem na parede a culpa é da Direita e do Fascismo.

Anónimo disse...

Esse Pedro Santos Guerreiro é só mais um que finge ser isento para fazer passar a mensagem. Os meios de comunicação estão cheios desta gente, são uma autentica nulidade todos eles, não há uma ideia fracturante que saía daquelas cabeças, repetem todos os dias banalidades e acham-se muito sapientes, só numa sociedade como a que temos pessoas como estas podem ter a preponderância que têm. Acho também engraçado o facto destas pessoas normalmente acharem que são mais responsáveis e pragmáticos que os outros.

Edgar disse...

A comunicação social tem cada vez menos de "social" e cada vez mais de "capital".

Daniel disse...

O aumento do SMN e consequentemente retirar da pobreza boa parte das famílias portuguesas é uma das "linhas vermelhas" (como está na moda escrever) que deveriam distinguir a esquerda da direita. Até porque a essência das medidas da frente de esquerda servem a apenas a "classe média" de estado.

Anónimo disse...

Ao criticar os diretores de jornais por escreverem opiniões como factos, o autor utiliza uma opinião que cita como facto: "não há nenhuma indicação de que um aumento do salário mínimo leve a mais desemprego".
É legítimo considerar esta uma questão não resolvida pelos diversos estudos económicos que sobre ela foram efetuados. Mas a dúvida permanece porque não é possível medir com exatidão os efeitos positivos do aumento do rendimento destes trabalhadores na economia e na criação de emprego. Não há dúvidas de que existe um efeito negativo direto no emprego. Mesmo com a utilização apenas de médias feita pelo autor, temos um setor de atividade que pode atingir um aumento de 11% dos custos em 4 anos. É razoável pensar que nenhuma destas empresas vai reduzir as contratações de trabalhadores para compensar este aumento?
No meu entendimento o erro mais significativo desta análise é mesmo o uso exclusivo de médias e em alguns casos fazendo cálculos com a multiplicação de médias. Os efeitos do aumento do SMN não se vão sentir na média mas sim nos extremos, ou seja, nos casos onde os custos de pessoal são uma maior parte do total ou onde as margens da empresa já sejam mínimas.
Em conclusão, considero que é das medidas mais importantes para o país se desenvolver mas o seu efeito, em especial no curto prazo, não é evidente que seja positivo ou neutro para a atividade económica.

jcg disse...

A análise está incompleta porque: o aumento do salário mímino irá diminuir o lucro das empresas, numa proporção muito maior que o aumento de custos, o que poderá afectar o emprego (e o desemprego), ou por via do seu fecho ou pela substituição do factor trabalho por capital; os impactos nefastos irão ocorrer nas empresas "marginais", e não na média.

Dito isto, desejavelmente, o tecido empresarial deve ser composto por empresas que possam pagar salarios mais elevados sem ferir a sua competitividade e o aumento do salário mínimo pode forçar o desaparecimento ou a modernização das que não o podem. Mas isto, é voluntarismo.

O roblema permanece, o que fazer com os trabalhadores cujo nível de produtividade não é compatível com valores mais elevados de salário mínimo? Desemprego? e com as empresas que não serão competitivas com o aumento do salário mínimo? Fecham?

Anónimo disse...

E ainda outro efeito, que é o facto de algumas PME's desaparecerem do mercado, abrindo mais espaço, ás empresas com maior poder, tornado-as assim mais monopolisticas, prejudicando em ultima instância o consumidor.

Jose disse...

A política de esquerda é sempre a política do dever ser:
- os empresários devem ser lúcidos, capitalizados e dirigidos aos mais interessantes ramos de negócio para que paguem bons salários.
- os trabalhadores esses, por sua natureza, sempre serão um não problema, apoiados que estão por sindicatos progressistas e por um Estado que sempre investe na educação, providenciando os psicólogos, sociólogos e tudólogos que asseguraram a sua eficiência.

E nesta parvoeira militante se vai defendendo o emprego dos sobreviventes de políticas idiotas do 'deve ser' que enchem discursos e decretos e ignoram a miséria em gente, capital e mercado.

Unknown disse...

Os 4% que os trabalhadores com vencimentos inferiores a 600€, irão descontar a menos, será suportado pelas empresas ?

Unknown disse...

Dá jeito a muita gente manter o ordenado minino miseravél.É insuportavelmente falta de dignidade para os trabalhadores e seu bem estar em toda a sua plenitude. Politicas de salarios baixos levaram o País aquilo que é hoje, um País com uma economia estagnada e miseravel! As pessoas não têm dinheiro para o mais básico quanto mais para o Supérfluo. A favor da dignidade salarial e digna de um Trabalhador. Muitos Patrões aproveitam a politica do Salario Minino para pagar Anos a fio a grande maioria dos trabalhadores, sejam eles bons trabalhadores ou maus, quando este salário deveria ser apenas utilizado para inícios de carreira nas profissões e não para ser utilizado para toda a carreira profissional do trabalhador. Todas as classes de trabalho deveriam estar tabelados e com progressivamente subidas salarias pré definidas e bem enquadradas não sendo assim possivel pagar indefinidamente o Ordenado minino aos trabalhadores.

João Ramos de Almeida disse...

Caros,
Gostaria de poder investigar melhor os pressupostos dos estudos que concluem haver uma ligação entre a subida do SMN e o desemprego. Sinceramente, estou curioso.

Em Portugal, não há nenhuma experiência empírica de que isso tivesse acontecido, pelo menos nos últimos tempos e como últimos estou a falar desde a adesão à CEE. Pelo contrário. Se houve, foi uma correlação entre o não aumento do SMN e a subida do desemprego. Mas aí terão razão ao afirmar que não há forma de identificar se esse efeito teve aquela causa.

Estamos a falar de aumentos de 505 euros para algo que no limite poderia ir aos 600 euros. E pense-se como seria viver com esse ordenado. E depois pense-se nos argumentos que - já vi escritos - sustentam: "de que vale aumentar o SMN se a empresa não pode pagar?" e sinta-se o quanto se caminha para a defesa do trabalho em que o trabalhador está constantemente em dívida. E depois pense-se na forma de expandir a demografia e em como isso é estratégico. E volte-se a ponto de origem.

O que se quer fazer deste país?

JPi disse...

A ver se a gente se entende.
Imaginemos uma empresa com custos de 1000 e receitas de 1100, portanto lucro=100.
Por simplificação, consideremos que todos os custos são em salários.

Um aumento de 10€ de custos representa um aumento de 1% nos custos, mas uma diminuição de 10% no lucro. Dificilmente será "peanuts" tal diminuição de lucros.

Portanto que os efeitos sejam "não excessivos na Massa Salarial" de nada interessa, o que interessa é o efeito no lucro. Sede inteligentes, por favor, ou pelo menos estudai.

vmsda disse...

O exemplo peca por irrealismo: o fator trabalho representa em média, cerca de 15% dos custos de uma empresa.

Anónimo disse...

vmsa

Em empresas não há médias desse tipo.
Na Autoeuropa equivale a 3% da faturação.
Num restaurante facilmente pode chegar aos 80%.

N e B disse...

O Balsemão ordena e estes senhores só fazem aquilo que este senhor manda.A SIC e o expresso é o espelho disso mesmo.É a comunicação que temos

N e B disse...

A comunicação social nomeadamente a SIC e o Expresso , apesar de alguns muito bons profissionais,obedecem escrupulozamente ao todo poderoso SR.BALSEMÃO.

Carlos Sério disse...

MAS HA MAIS

SALÁRIO MÍNIMO
O aumento do salário mínimo, sem falar da justeza desse aumento, tem desde logo duas grandes vantagens.
A PRIMEIRA traduz-se pelo combate à fraude fiscal. Muitas pequenas e médias empresas, sobretudo na área da construção e serviços, apesar de terem contractos com os seus trabalhadores, mesmo os mais qualificados, pelo valor do salário mínimo, pagam-lhes realmente em dobro ou em triplo dependendo da especialidade do trabalhador. O trabalhador leva assim para casa mil, mil e quinhentos ou mais euros ainda que o seu salário “oficial” seja o ordenado mínimo. E com este “esquema”, ganha o patrão porque não paga a TSU correspondente ao valor real do salário e ganha o trabalhador porque paga menos impostos, Contribuição para a SS e IRS. É um esquema que está generalizado por todo o país.
A SEGUNDA resulta do facto de que a política dos baixos salários induz à retracção do investimento na modernização dos meios de produção. Um patrão consegue com mais baixos salários atingir a mesma produtividade que com políticas de salários mais altos se veria obrigado a modernizar a sua empresa. Com salários mais elevados ver-se-ia obrigado a substituir a aparelhagem produtiva conseguindo desse modo os ganhos de produtividade que os salários baixos lhe vão proporcionando.


Anónimo disse...

Carlos Sério

Não há politica nenhuma, nem politica nem estratégia.

E sem elas o que temos é o que resulta da sua ausência.

O valor dos salários tem uma relação (não necessariamente directa) com o Valor Acrescentado Bruto.

Uma país sem estratégia de conjunto, não consegue competir nas industrias que maior valor acrescentam.

Os altos salários resultam de um elevado grau de integração da economia, onde as empresas trabalham em rede e em conjunto para um propósito comum, como acontece no Japão, na Alemanha, ou em Singapura.

A única estratégia que eu conheço praticamente desde que nasci é a do «Salve-se quem puder», por norma esta «estratégia» não gera grandes resultados.

Os nivel salarial é consequência de um esforço conjunto, colectivo, pensado, ponderado e dirigido, queiramos ou não, é da potenciação de sinergias a vários níveis que se atingem níveis de produtividade inalcançáveis por sociedades de fraca confiança e culturalmente mais débeis.

É natural que Lutero & Calvino também tenham uma palavra a dizer, mas isso não justifica tudo, nomeadamente a diferença entre Portugal, Espanha & Itália, por exemplo.

A subida gradual e constante do SMN deveria ser um designio nacional partilhado e objectivo de todas as forças partidárias, religiosas, comunitárias, culturais, empresariais, económicas e financeiras, todas sem excepção.

Enquanto assim não for, não passaremos da discussão ideológica primária.

Anónimo disse...

Parece que o SMN nacional tem aumentado, o emprego aumentou e o crescimento económico tem sido acima da média europeia (caso inédito nas últimas décadas). Quer rever a sua profecia?