sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Leituras


«A vitória Passos Coelho nas eleições internas do PSD foi aplaudida pelos intelectuais da direita mais liberal. Era um momento de clarificação ideológica. Eram os velhos vícios do estatismo de esquerda que estavam a ser vencidos. Quando apresentaram a proposta de revisão constitucional e quando levaram a cabo a sua agenda ideológica na educação ou na segurança social, e sempre que Passos dedicou ao país sermões sobre as virtudes do risco e da crise, ainda mais vibraram os seus apoiantes. Quando desprezou o "partido da bancarrota", acharam que foi de mestre. Ao longo de quatro anos Passos Coelho cavou um fosso entre o centro-direita e o centro-esquerda. Julgar que quatro anos de tanta agressividade ideológica e social deixariam tudo como antes é pior do que ingenuidade. É cinismo. O consenso do centro era o consenso em torno de um determinado modelo social que a esmagadora maioria do país desejava. Foi Passos Coelho que rompeu esse consenso. Quem festejou esta clarificação ideológica que apanhe os cacos.»

Daniel Oliveira, Quem festejou a clarificação ideológica de Passos que apanhe os cacos

«Depois das eleições legislativas de 4 de Outubro, o principal sinal de presidencialização do sistema foi o discurso em que Cavaco Silva não só se limitou a comunicar que indigitaria Passos Coelho como primeiro-ministro (decisão legítima, constitucional e previsível, dado o resultado eleitoral), como deixou claro não concordar com soluções de governo que se baseassem no apoio parlamentar do PCP e do BE. (...) Ora, a Constituição não confere ao PR o poder de aceitar, ou recusar, um determinado executivo por este se aproximar muito, ou distanciar radicalmente, das suas próprias opções políticas. Se os eleitores portugueses concederam a determinados partidos os votos suficientes para que estes tenham força parlamentar para sustentar uma solução de governo, ao PR restar-lhe-ia aceitar o facto democrático. A sua avaliação ideológica destes partidos não pode pesar na decisão de empossamento de um governo – essa avaliação coube aos eleitores.»

Ana Rita Ferreira, O risco da presidencialização do sistema de governo

«Há dias, o primeiro-ministro Mariano Rajoy recebeu os líderes dos partidos espanhóis. Entre eles, Pablo Iglesias, do Podemos. (...) À saída, o esquerdista ofereceu um livro ao capitalista. Livro de Antonio Machado (1875-1939), vocês sabem, o poeta daqueles dois versos que todos conhecemos, que mais não seja cantados por Serrat: "Caminante, no hay camino/ Se hace camino al andar." (...) [E] fez uma dedicatória ao adversário: "Estimado Mariano, escreveu o nosso grande amigo Antonio Machado 'para dialogar, pergunta primeiro, depois escuta...'". (...) O livro era o Juan de Mairena. Machado, como o nosso Pessoa, inventava heterónimos e falava por eles. (...) Dele, cito duas frases. Primeira: "Não ter vícios não acrescenta nada à virtude." Segunda: "Tirar a batuta a um maestro é tão fácil quanto difícil é reger com ela a Quinta Sinfonia de Beethoven." Traduzido até ao osso: não chega protestar, há que ajudar a fazer. Que lição aos acantonados, à esquerda e à direita, destes nossos tão prometedores dias.»

Ferreira Fernandes, Carta aberta em jeito de dedicatória

«É preciso princípio da realidade. É preciso ter a coragem de perceber, como diz Marisa Matias, que se o poder sem princípios não serve para nada, os princípios sem poder também não. Que é agora que vivemos e não nos amanhãs cantáveis, e é agora que é preciso encontrar soluções justas, viáveis, realistas. Que é preciso ter a coragem de não ser puro. (...) Pior que desenganar a esperança (que, reconheça-se, será muito mau e muito triste) é avançar sem um acordo seguro, assinado, ajuramentado; um acordo que não se desfaça ao primeiro problema, ao primeiro safanão da realidade, ao primeiro dilema governativo. Um acordo em que se possa confiar. Lembrem-se: esperámos tanto por isto que nos esquecemos de esperar. Não nos desiludam - mais uma vez.»

Fernanda Câncio, Fazer figas

11 comentários:

Anónimo disse...

A Direita de facto mete nojo. Basta haver sequer um pensamento contrário aos seus designios e aqui del rei que vêm aí uma desgraça. Não há dúvida, este país merecia melhor gente. Se eles são assim tão bons porque é que este país continua, com honrosas excepções, a estar na cauda da europa em quase tudo e nomeadamente no que respeita ao mais fraco nivel de rendimentos. è claro que não se pode distribuir o que não há. Mas a questão não é essa porque haver há, o que acontece é que a distribuição dos rendimentos é feita da forma mais desigual de que há memória( e mais agora do que nunca). )O capital, digam o Coelho e o Portas o que disserem, continua alegremente pela mão deles a levar a parte de leão do rendimento nacional. E o resto é musica.

Dias disse...

Gostei do que lí, ilações várias.
“O poder sem princípios não serve para nada…”
Isto assenta como uma luva à direita radical que governou na última legislatura. Com uma “agressividade ideológica e social” nunca vista, e pior ainda, depois de ter ludibriado os portugueses na campanha eleitoral de 2011. Vejo-os a argumentar que o consenso à volta do PS, a ser gizado pelo BE e CDU, não estava previsto nas pré-eleições. E depois, qual é o problema? Não há comparação (não se pode comparar o que não é comparável) com a fraude que recaiu sobre os eleitores na campanha do governo em 2011.
O escrutínio democrático apareceu agora.
A esmagadora maioria que quer este governo apeado, não votou a pensar em pró ou contra tratados europeus, em Nato, ou em “pactos de estabilidade e crescimento”. O denominador comum é outro: a vida das pessoas. Que só pode ser melhorada, por pouco que seja, quando este governo da direita e sem princípios saltar fora.

Jose disse...

Apanhar os cacos resultantes da cretinice da esquerda é sempre o papel da direita, pelo que aí não haverá novidade.
Também não há novidade no martírio imposto ao partido da bancarrota que subscreveu um pacto de austeridade para de seguida o proclamar desnecessário e dizendo-se vitimado pela direita.
Mas como escova laudatória ao PS, o artigo está bem escrito.

Souusa Mendes disse...

Gosto muito de aqui vir e de ler os artigos aqui publicados bem como a maioria dos comentários efetuados.
Gostando e concordando com o que aqui leio, mormente com "O poder sem princípios não serve para nada" existe porém um comentário que gostaria de fazer. Concordo que, para uma pessoa de bem, o poder deve ser exercido com princípios. Todavia, como assistimos todos os dias e por todo o lado, o poder é na maior parte dos casos exercido por gente sem quaisquer princípios que, como esta Direita-reacionária (palavra adequada a definir a escumalha que tem ingovernado o país), manipula e trata como imbecis os cidadãos, neste caso os portugueses. Já se perguntaram se as pessoas gostam de ser tratadas como seres inteligentes, como a esquerda tende a fazer? Ou, se pelo contrário, a maioria das pessoas, e os portugueses especialmente, tende a gostar daqueles que os tratam como imbecis e com demagogia barata!? É que, mesmo espezinhados e tratados como imbecis, 38% dos portugueses ainda votaram nos tipos que assim os trataram e tratam.Concordo que sempre se levantarão algumas questões éticas mas, será que em política, "os fins justificam os meios"e a esquerda se quiser chegar ao poder e fazer alguma coisa, não deve também utilizar alguma demagogia?

Jose disse...

O poder de indigitar o 1ºministro, é o poder pessoal - de um eleito enquanto pessoa - para escolher uma pessoa - atentos os resultados eleitorais.
Tudo o mais são consensos formalizados em tradições constitucionais.
Ao poder do parlamento em rejeitar governos não está associado um qualquer poder do parlamento de impôr 1ºs ministros.
Assim sendo, o que se discute é saber quem cede a quê, e não de saber quem tem o direito de interpretar os resultados eleitorais e indigitar 1ºs ministros.
Tudo em contrário é gritaria de quem se julga em regime parlamentar, ou melhor, em regime de maioria partidocrática.
A 1ª república já foi, e deixou má memória.


Jose disse...

Se a poesia está acantonada ao ideal, a política está acantonada aos interesses.
Aproximá-las é obra de líderes não de chefes de seita.

Jose disse...

'Esperamos tanto por isto'?
Estamos por acaso a falar de uma nova União Nacional?
Um PS que é direita (com uma Agenda dos Coitadinhos), centro (com uma espécie de Mama Geral) e uma esquerda (que se quer virtuosa mas não asceta) junta-se a um molho de bróculos ideológico mais um sovietismo saudosista?
A 'charneira interclassista' associada a um pesadelo literário/basista fundado numa classe trabalhadora modelada pelos Carlos (Dickens+Marx)!

Anónimo disse...

Só espero que não fiquem pelo caminho…
Estas leituras circunstanciais leva-me a´ criação de objetos e instrumentos mentais não sistémicos, contudo sistematicamente previstos.
Leva-me a´ confusão, a´ espera cansativa, a´ incerteza das decisões…
O acordo da´ condições para dizer não ao governo já empossado, segundo o PCP…
Estão criadas as condições para um governo de esquerda
Diz o BE.
Mas do lado do PS só se vê o Assis com seus malabarismos nas tutelas rotineiras da TV e jornais.
Ora quem espera desespera e nosso povo esperou em demasia por uma alternativa que agora se tornou possível. Não nos deixem de mãos a abanar. Cuidado, o povo não e´ cego, surdo e mudo, e quando lhe da´ na real gana vai ate as ultimas consequências.
De Adelino Silva

Jose disse...

A montanha pariu!
Não se sabe bem o quê, mas o Costa sabe: depois da crispaçãp inicial tudo vai correr como se o PS tivesse ganho as eleições!
Espero que não, espero que se f... mais os experimentalismos 'históricos'.

meirelesportuense disse...

"Rozé", não sejas malcriado...Aprende a ser polidinho, nem que o faças por simples amor e fidelidade à PaF.
Domingo, seja a que horas for, persigna-te e pede perdão a Deus!...

meirelesportuense disse...

A Direita ganhou as eleições mas isso vale apenas 38% da composição em Deputados da Assembleia da República, esta é que permite a validação do Programa de Governo, se a Assembleia o rejeitar apenas resta um caminho, indigitar o segundo partido mais votado, e este apresentar o seu programa de Governo à Assembleia da República, esta decidirá sim ou não. Se a Assembleia decidir sim, o PS pode a partir daí governar.
É tão simples.