quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Ainda não chegámos ao fim da história


Em artigo no "Público" (Derreteu-se o chocolate, 4 Dez.), Luís Aguiar-Conraria (LAC) lançou no debate público sobre pensões uma metáfora sobre o nosso sistema de segurança social. Assim, imaginemos uma fila de crianças (a metáfora das sucessivas gerações) em que cada uma dá um chocolate à seguinte. Ocorrendo crescimento demográfico, as gerações mais velhas podem vir a receber mais do que contribuíram. "E mesmo que a população não aumente em número, a verdade é que, se houver crescimento económico, o resultado será o mesmo." Porém, com o envelhecimento demográfico, "se cada um contribuir com um chocolate quando novo, quando velho vai receber menos do que um chocolate. Um péssimo negócio, mais valia guardar o chocolate no frigorífico." Percebe-se aqui a preferência política de LAC pelo modelo individualista de entrega das contribuições ao sistema financeiro. Para além da escolha ideológica neoliberal que está implícita no modelo de capitalização, por oposição a um modelo de solidariedade laboral que mantém todas as suas virtualidades, num outro texto (Um bolo muito apetitoso) alertei para as perdas financeiras destes fundos de pensões na sequência da crise de 2008. É que o tal frigorífico, às vezes, aquece e derrete irreversivelmente o chocolate que os incautos lá guardaram. Esse modelo está agora em recuo ou a ser resgatado pelos Estados, sendo a Polónia o caso mais recente.

Para além da opção ideológica pelo neoliberalismo, o raciocínio de LAC assume também dois pressupostos problemáticos. Quanto ao primeiro, o autor assume a importância do crescimento económico para o equilíbrio das contas da segurança social, o que está certo. Porém, ao referir o envelhecimento demográfico, não só o toma como uma variável exógena (errado), como ignora o contributo do crescimento económico para a resolução desse problema. À Medina Carreira, insiste no rácio dos idosos por activo, mas omite o crescimento da produtividade. Recorrendo a um mínimo de aritmética, é fácil compreender que o peso das pensões no produto da economia é uma fracção definida nos seguintes termos: no numerador, a pensão média multiplica o rácio de dependência de idosos; no denominador, temos a produtividade média dos activos. Assim, o crescimento da produtividade fará aumentar o bolo a repartir, o que pode ser suficiente para neutralizar o aumento do rácio de dependência dos idosos. Aliás, crescendo a produtividade mais do que este rácio, até permite aumentar o valor médio das pensões sem que aumente o seu peso na economia. Entre outros, ler Nicholas Barr, "Economics of the Welfare State", capítulo 9. À semelhança de Medina Carreira, falta a LAC um conhecimento mínimo para falar de pensões.

O segundo pressuposto deriva de uma visão malthusiana do nosso futuro: "O declínio demográfico e o declínio económico fazem com que haja cada vez menos pessoas com capacidade para contribuir para o sistema com o seu chocolate." No fim de contas, pressupõe que o país vai permanecer longos anos em austeridade, quer dizer, na zona euro. Se assim fosse, Portugal continuaria o seu declínio, arrastado pela conhecida dinâmica de polarização em que as regiões mais fortes, económica e politicamente, sugam as mais fracas, como aconteceu ao interior de Portugal ou aos estados mais pobres nos países federais. Acontece que a história das "desvalorizações internas" realizadas na Europa entre as duas grandes guerras, no quadro do padrão--ouro então vigente, contém um ensinamento da maior actualidade que LAC ignora: um sistema monetário socioeconomicamente insustentável também é politicamente insustentável. Por isso, mais cedo do que tarde libertar-nos-emos das algemas do euro e recuperaremos o crescimento, dando início a uma nova etapa da nossa história. Estou certo de que dela fará parte um sistema de segurança social generoso. Ainda não chegámos ao fim da história.

(O meu artigo no jornal i)

5 comentários:

José Medeiros disse...

Estes Conrarias nunca falam das falências dos fundos de pensões privados. De como são usados para fazer negócios de alto risco, para darem comissões a quem os faz.
Depois quando os fundos de pensões vão a falencia, como foi o caso recente de Detroit, é que os trabalhadores reparam como foram enganados com promessas bancárias de casino.

Luís Lavoura disse...

Aguiar-Conraria também esquece que o declínio demográfico faz também com que haja menos crianças a educar, com as correspondentes poupanças.
De facto, a percentagem total de dependentes na sociedade mantem-se grosso modo inalterada. Em vez de se gastar dinheiro a educar crianças, gasta-se dinheiro a tratar de idosos. E é tudo.

Anónimo disse...

Se a segurança social fosse sustentada por uma taxa sobre o valor acrescentado (grosso modo o PIB) em vez de ser só sobre a parcela dos salários, a sustentabilidade seria outra.
O que deve determinar a Segurança Social é a produtividade nacional e não os salários e o emprego cada vez mais espremidos.

Rodrigo Meireles disse...

eis a Ideologia de prevalência do individualismo e egoísmo ganancioso no seu esplendor, contra a concepção e lógica do Bem Comum e da dimensão social e solidaria da vida em comunidade. Uma micro economia reducionista e vazia , com nenhuns valores de cidadania e de Humanidades,ou seja, ideologicamente asséptica e muito pouco politica. Uma Ideologia irresponsável de Miséria de quem não enxerga mais nada para alem do seu umbigo e dedo apontador.Rodrigo Meireles

Jorge Bateira disse...

Caro Luís Lavoura,

As pensões não são uma despesa pública, no sentido económico, são uma transferência da massa salarial dos activos empregados para os pensionistas e outros beneficiários. Dada a sua natureza contributiva, não deve ser colocada no mesmo plano da despesa pública com saúde, educação, etc. A segurança social até tem um orçamento autónomo. É importante não meter tudo no mesmo saco.

Caro anónimo (20:09),

Mesmo depois de ter lido o meu texto, talvez ainda não tenha percebido que não há um problema estrutural de financiamento das pensões. A política de criação de desemprego em massa é que é o problema. Por isso, defender outras formas de financiamento, por exemplo através de um imposto, significa desmantelar a natureza do sistema tal como ele emergiu na história - um sistema de solidariedade de base laboral. Ora, o financiamento pelos impostos tem uma base nacional, de cidadania, portanto desprovida da natureza de classe e sujeita às flutuações da política fiscal.
O que me espanta é que muita gente à esquerda aceite destruir aquela base laboral de um sistema cujo objectivo maior é dar uma segurança de rendimento aos trabalhadores após a sua vida activa e mantendo o seu padrão de vida (dignidade). Aliás, a segurança social, por repartição, conjuga-se com outras componentes do estado social, designadamente as políticas económicas de promoção do pleno emprego. Este objectivo também está pouco presente no discurso público dos partidos da esquerda. Infelizmente.