quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Leituras

«O défice de 2012 sem medidas extraordinárias seria de 6% do PIB. Mas o mau desempenho da economia e o acréscimo da dívida elevaram-no para 7,7%. Como o Governo se comprometeu a reduzi-lo para 4,5% em 2013, houve que financiar os 3,2% restantes. E assim nasceu o plano de austeridade mais violento de que há memória em Portugal: entre mais receitas (impostos) e menos despesas (despedimentos e cortes nos salários e nas prestações sociais) o Governo propõe-se usurpar-nos €5.338 milhões. Deve ter enlouquecido. Sucede que esta loucura tem custos, que o Governo não deveria ignorar. E nem sequer vou recorrer aos famosos multiplicadores do FMI, onde os “sábios” se atropelam uns aos outros. Limito-me a olhar para os cortes brutais a que vai ser submetida a procura interna, entre consumo e investimento: com aquela machadada de €5.338 milhões, é óbvio que a economia vai bater no fundo. Ou seja, quando o Governo afirma que a recessão em 2013 será de apenas 1% do PIB só pode estar a brincar connosco. Mas não tem graça nenhuma.»

Daniel Amaral, em «OE/3013: a ruptura»

«O mais grave é o que se anuncia para 2013. Mais uma vez, o Governo elabora um orçamento que assenta num cenário macroeconómico fantasioso, em valores para o desemprego subestimados e numa expectativa para a receita inflacionada. A fórmula vai falhar e não estamos perante uma repetição do otimismo irrealista que caracterizou a política orçamental do passado recente, já entrámos no domínio da relação alucinada com a realidade. (...) Ninguém no seu perfeito juízo pode acreditar que uma austeridade sem paralelo provocará uma recessão de 1% do PIB e trará apenas mais 80 mil desempregados. (...) O Ministro Vítor Gaspar falou esta semana num “conjunto de incertezas” que ameaça a execução orçamental. Infelizmente estamos perante um conjunto de certezas: o orçamento não tem credibilidade, tem uma componente de alucinação, é incumprível e empurrará o país para uma espiral recessiva.»

Pedro Adão e Silva, em «Um exercício alucinado»

«A escolha que o actual Governo faz, de sobrepor o pagamento da dívida a todas as suas outras obrigações - garantir mínimos de protecção social a pessoas em situação de extrema fragilidade, conservar para as gerações futuras o património público de que é fiel depositário, respeitar a Constituição que jurou defender - é uma escolha ideológica, que sobrepõe os desejos de uns poucos aos direitos da maioria. Esta escolha, plasmada no Orçamento ontem apresentado pelo Governo, pode ser criticada em termos económicos, porque está a destruir a estrutura produtiva do país e porque desperdiça competências e talentos em cuja formação a comunidade investiu fortemente na última geração. Pode ser criticada em termos políticos, porque está a destruir a confiança na democracia. Pode ser criticada do ponto de vista da sua legitimidade democrática, pois esta política nunca foi sufragada. Pode ser criticada em termos jurídicos, porque esta política faz tábua rasa de leis fundamentais da República. Mas, para além de todas as outras críticas possíveis, e acima de tudo, ela é moralmente inadmissível.»

José Vítor Malheiros, em «A política imoral e a redução das escolhas»

2 comentários:

Anónimo disse...

É dificil dizer algo mais sobre este Governo e as suas politicas,bem como sobre os partidos politicos que o suportam.
Tantos e tão contundentes são os adjectivos para qualificar estes individuos que o melhor seria passar a tratá-los pura e simplesmente pela "Quadrilha Selvagem", tantas e tão grandes têm sido as suas patifarias.
Espero é que o povo português, além de se levantar com toda a força contra esta " Quadrilha Selvagem ", os meta a todos na prisão pelos crimes que estão a perpretar contra o país.
Por muito menos do que estas patifarias está muita gente na prisão.

João Carlos Graça disse...

Sim, seja. Será sobretudo uma questão moral, porque não? Cada um que diga de si, e uma "bela alma" é natural que tenha as preocupações correspondentes.
Mas, pelo que me toca, continuo com aquele "bichinho" de não conseguir deixar de pensar nas coisas sobretudo em termos políticos.
E, nesse contexto, algumas observações adicionais:
1) Estes são um gangue de assassinos, claro. Mas não nos iludamos quanto à completa inanidade da ideia de que o PS possa, ainda mesmo que remotamente, ser uma alternativa a isto, à quadrilha reinante. Não, decididamente não é. O consulado socratista já o demonstrou de resto à saciedade, e a questão de fundo passa pela fidelidade "europeísta" dos partidos. Com um partido fiel ao "ideário europeu", como é o PS até ao tutano, não há mais nada a dizer. Há que esperar que o eleitorado os varra do mapa, como varreu na Venezuela o Carlos Andrès Perez, como varreu na Argentina o establishment quer dos "radicais" quer dos "justicialistas" pré-Kirchner, etc. Mas com um PS "europeísta", zero de negociações.
2) Depois à esquerda do PS, o impasse total: a) Um BE que continua também ele atado à miragem opiáceo-alucinada do "europeísmo de esquerda", logo completamente paralítico-travadinho;
b) Um PC auto-satisfeito e auto-congratulante, que entretanto nem sequer sabe apostar em termos de mensagem política naquilo que seriam os temas centrais: denúncia da dívida, saída do euro, nacionalização dos sectores económicos centrais, etc. Em vez disso, o PC prefere discutir questões político-teológicas relativas à pureza "marxista-leninista" e outras temáticas tão motivantes e tão cativantes quanto esta.
O Pagode, entretanto, vê concursos televisivos e bebe uns copitos, para esquecer.
Sabem que mais? Não digam nada a ninguém, mas estamos mesmo na nave dos loucos.
Quando bater, tenham o cinto colocado, por favor...