terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os efeitos da austeridade

Ontem ouvimos Fernando Ulrich, entre outras inanidades ("os bancos são pouco lucrativos" e a "crise financeira só afectou os bancos anglo-saxónicos"), defender a falsa ideia de que a Europa está a crescer de vento em popa. Um dos exemplos foi o Reino Unido. Hoje, o Financial Times dá conta de uma contracção de 0,5% do PIB britânico. Não é difícil associar esta notícia com a ambiciosa austeridade orçamental, anunciada pelo governo conservador.

A diferença com Portugal, para além da menor escala dos cortes orçamentais, está na imediata desvalorização da libra, tornando as exportações mais baratas e as importações mais caras. A moeda serve assim de variável de ajustamento.

10 comentários:

rui fonseca disse...

Quanto a inanidades, vejamos:

Quando Ulrich afirma que os bancos têm baixas rentabilidades estará, certamente, a referir-se à rentabilidade dos capitais próprios. Isso não é verdade?

Quando o BCP, por exemplo, apresenta cotações em bolsa que pouco excedem 50% dos valores nominais o que é que isso significa? Que tem conseguido rentabilidades elevadas?

Embrulha e vai buscar disse...

http://michael-hudson.com/2010/07/from-marx-to-goldman-sachs-the-fictions-of-fictitious-capital1/

Nuno teles disse...

Sim, basicamente Ulrich refere-se ao ROE dos bancos AGORA. E o dele aparentemente foi de 4%, segundo o jornal de negócios de hoje.

Mas isso deve-se não tanto aos lucros, mas sim ao denominador (o capital). Os bancos no actual contexto de difícil (impossível?) financiamento enveredam por uma estratégia de capitalização e menor recurso ao endividamento (alavancando os resultados).

Assim, se o BPI tinha 192m de euros de lucro tinha 15% de ROE em 2004, agora tem lucros de 182m (a subirem 7m) e um ROE de 4% (o que, per se, é bem bom no actual contexto).

Mesmo mostrando as dificuldades de fazer comparações de rentabilidade tout court com o ROE, de qualquer forma, com este a atingir 15-20% durante a última década de estagnação, dificilmente o sector bancário não foi dos mais rentáveis da nossa economia. Há sempre o tráfico de droga que é capaz de ser mais rentável....

Last but not least, para fazermos uma comparação mais substantiva gostava muito de saber a percentagem dos lucros financeiros nos lucros totais da economia durante a última década. Desconfio que a imagem seria elucidativa.

Edgar Santos Monteiro disse...

Caro Nuno,

O facto de o Reino Unido ter agora a possibilidade de desvalorizar a libra é algo de realmente útil em alturas em que é necessário um rápido incremento na competitividade externa. No entanto, convém não esquecer que abdicamos desse instrumento a favor da integração numa moeda única que nos deu e dá bastantes beneficios. Não se pode pretender ter sol na eira e chuva no nabal. Acresce ainda que (i) o escudo nunca foi a libra e os investidores descontavam à partida isso antes de investir no que quer que fosse que tivesse denominado em escudos e (ii) as desvalorizações podem incrementar a competetividade mas também contribuem para aumentar a inflação, com consequências evidentes ao nível do poder de compra das famílias.

Caro Rui,

A rentabilidade dos capitais próprios não se mede pela cotação bolsista, porquanto em teoria o que este traduz é apenas aquilo que os investidores antecipam que venha a ser essa rentabilidade. Quanto ao fundo da questão, não me pronuncio, pois pese embora tenha os relatórios e contas do BCP, BPI e BES na minha mesa de cabeceira para ler, tenho tido muito sono últimamente...

João Carlos Graça disse...

Caros todos
Antes de mais, obrigado pelo trabalho colectivo espontâneo (quase uma "gemeinsam Kunstwerke") que gerou esta bela exposição pública do quão "criativa" e falaciosa - para além de indutora de sono, claro - pode ser a mui nobre arte da contabilidade.
Para além das technicalities, porém, permanece a questão: o tal "sol na eira" com que era suposto termos ficado dado termos abdicado da arma da desvalorização competitiva era fundamentalmente o juro baixo, não é verdade? Ora bem, quanto a isso, creio que temos todos de reconhecer que estamos obviamente como na célebre anedota do casal alentejano:
- Ah, Maria, p'ra qu'é que tu te pintas?
- Ah hóm', p'ra ficar bonita!
- Ah sim? Atão porqu'é que nã ficas?...
Não será melhor, digam lá, começarmos a pensar mesmo muito a sério nas vantagens da "chuva no nabal"?

Anónimo disse...

João Carlos Graça, a mim aparece-me que sim, mas é se houver uma estratégia nacional que não pode ser de ódio às empresas privadas pois sem elas e um mercado concorrencial nunca vi crescimento económico a sério. Regulação estatal sim, considerar todo o lucro um pecado como alguns aqui no blogue, não.


Jorge Rocha

João Carlos Graça disse...

Caro Jorge Rocha
Pelo que me toca, fique descansado que não há tal coisa como "ódio às empresas privadas", ou "considerar todo o lucro um pecado", ou algo de afim.
Já não posso responder pelo blogue, evidentemente, mas olhe que também não me parece ser essa a toada geral.
Já tenho visto, isso sim, defender o carácter público da propriedade nos casos de algumas produções. É o que acontece, por exemplo, com certos recursos naturais: água, petróleo, etc. É talvez também o que acontece com o sector bancário, que produz "coisas" dum tipo muito particular.
Quanto a estes dois casos, assumo que defendo a propriedade pública como regra. Mas note que isso, correspondendo a sectores com vantagens claras de tipo monopolístico (ou pelo menos oligopolístico), permite que, sendo o monopólio um monopólio público, o resto da economia beneficie com tal facto, dado poderem ser praticados preços inferiores ao que o "mercado" determina ou determinaria.
É, aliás, o que se passa no fundamental também com a saúde e a educação - e ainda bem do ponto de vista da esmagadora maioria das pessoas, não acha?
Pois bem, se a EDP, PT, Galp e análogas fossem efectivamente e plenamente empresas públicas e praticassem tarifas um pouco mais "user friendly", digamos, sem todavia precisarem de se tornar deficitárias (não teria de haver um "serviço nacional de electricidade" análogo ao "serviço nacional de saúde", claro), não acha que a imensa maioria das pessoas beneficiaria com isso?
Note bem que a política de preços respectiva teria aí de constituir um equilíbrio entre a garantia de rendibilidade das ditas empresas (para que as mesmas não pesassem no OGE) e a prestação de um serviço simultaneamente "social" e propriamente "económico", porque dinamizador da rendibilidade do resto...
Não falo, note, duma utopia. O sector empresarial do estado português, desmantelado com furor na última década e meia pelos governos de Não-importa-qual-a-etiqueta, era no fundamental um sector que dava lucro (por isso aliviava, não pesava no OGE). E ganhou-se em "concorrência" com as privatizações? Não, dado que se trata de mercados em que a lógica do monopólio ou do oligopólio se impõe quase inevitavelmente. Os lucros dos privados que lá ficaram a operar, esses é claro que ficaram garantidos. Mas o resto da economia - e em particular os de quem visa o lucro exercendo actividade em condições concorrenciais no resto da economia - beneficiou com isso?
Responda o Jorge, se quiser ter a bondade...

Anónimo disse...

responderei logo que possa. Aprecio a capacidade de várias pessoas do blogue de tentar pensar a economias, mas discordo de vários pressupostos ideológicos que assumem.


Jorge Rocha

Anónimo disse...

Quando os argumentos são demasiado fortes não há advogados do diabo que resistam.
Citação de alguem desconhecido.
www.henrymakow.com

Anónimo disse...

O sector público dava lucro? Qual lucro? Portugal podia comparar-se aos países nórdicos onde a carga fiscal é elevada, mas a propriedade das empresas mais lucrativas é privada.


João Paz