quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O fim do consenso?

Vale a pena ler a declaração de Vítor Constâncio no momento da apresentação do Boletim de Inverno do Banco de Portugal (BdP). A crise obrigou o governador a abandonar a complacência liberal que, questão de regras, parece estar associada ao seu cargo ou pelo menos ao entendimento que dele tem tido Constâncio. As previsões sombrias obrigam a uma muito tardia revisão das crenças públicas. Chegar tarde é um dos preços da ortodoxia. No boletim de Outono do BdP, que não consigo abrir na página do Banco, ainda se achava por bem dar destaque aos supostos efeitos perversos da «generosidade» dos subsídios de desemprego no nosso país. O BdP contra o mundo do trabalho.

Nas «perspectivas para 2009-2010» não há menção a este tema. Pelo contrário, o governador do BdP até se atreve a propor que o necessário aumento das «transferências para segmentos mais carenciados da população com maior propensão ao consumo» passe por «melhorias temporárias [a bold no original] das condições e duração dos subsídios de desemprego». Afinal de contas, a crise é um problema de procura. Vítor Constâncio ultrapassa o governo pela esquerda? Se calhar. De qualquer forma, não é um exercício muito difícil. Na esfera do trabalho, até Cavaco parece estar à esquerda do governo.

Entretanto, João Ramos de Almeida, um excelente jornalista de economia do Público, apresenta as conclusões de dois estudos realizados por economistas do BdP sobre o subsídios de desemprego: «Se os desempregados de baixos rendimentos tivessem até mais quatro meses de subsídio de desemprego tenderiam a obter empregos melhor remunerados. Mas um aumento mais longo da duração do subsídio, nomeadamente para o dobro, poderia desincentivar a procura de emprego (…) Mas este facto ‘é o esperado e, em certa medida, o desejado’, dado que se pretende que o subsídio de desemprego ‘alivie o desempregado da pressão para aceitar a primeira oferta de emprego’ e proteger os trabalhadores das flutuações cíclicas da economia».

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro João
Eu não diria que Constâncio vai ultrapassar o governo pela esquerda: o governador do BP vai continuar a fazer o que tem feito, que é marcar o rumo do discurso do governo: já no relatório de Primavera de 2007, escrevia que "ao longo dos últimos anos, os salários reais revelaram uma reduzida sensibilidade à evolução do ciclo económico. Em particular, o continuo do aumento da taxa de desemprego e da proporção de desempregados de longa duração não conduziu a um ajustamento significativo dos salários reais". Depois concluía que os contratos com termo "têm vindo a aumentar o seu peso na estrutura do emprego desde 1995, o que pode ser visto como uma consequência da relativa rigidez da contratação permanente em Portugal", abrindo caminho para as propostas do governo para o Acordo Laboral.
O que o Constâncio está a anunciar agora é a mudança do discurso do PS e do governo: daqui até às eleições, será a defesa do Estado-Providência e a tentativa de assumir uma marca de esquerda que marcarão o posicionamento dos socialistas. Não será só pela crise: é que os adversários que se podem apresentar à esquerda são mais ameaçadores do que a fraca direita nacional. O ataque cerrado de Paulo Pedroso ao BE e à aproximação de Alegre ao Bloco de Esquerda é sintomático do espaço que o PS quer ocupar nas próximas legislativas.

Anónimo disse...

E que tal meter o Vitor Constâncio e mais algumas grandes (!?) cabeças do BdP e do governo (tipo Socrates,Teixeira;Vieira e todos os outros e mais alguns...) no desemprego para viverem com o subsidio social de desemprego.!!!!
Já sei que não é possivel porque esta gente trata sempre de se orientar a bem ou a mal, mas que era giro, lá isso era.! Só de pensar nisso farto-me de rir.!!

Anónimo disse...

"ainda se achava por bem dar destaque aos supostos efeitos perversos da «generosidade» dos subsídios de desemprego no nosso país"

Existem, de facto, ditos efeitos perversos. Esta é uma constatação pessoal que faço a várias pessoas que conheço e que vivem do subsídio sem se interessarem, entretanto, em procurar efectivamente um novo emprego.

O problema do BdP é que o mesmo dá "destaque" a algo que, embora seja parcialmente verdade (visto que existem muitas pessoas que também procuram afincadamente emprego mas não conseguem efectivar), serve de mais um factor de confronto desnecessário em relação às mudanças estruturais que, na minha opinião, são as mais necessárias.

Acho que a esquerda não pode, ou não deve, fugir a este facto por uma questão de demagogia. Deve ser explicado que existe realmente um "relaxamento" na procura de emprego por parte de alguns subsidiados, mas que tal não é factor de destaque no conjunto de necessidades da procura de uma saída para os problemas do desemprego.

Pessoalmente acho que o BdP quer divertir a opinião pública para as situações controversas que acha mais convenientes.

Não é só o BdP, veja-se o nosso caro PR com a questão dos Açores. Importante ! É claro. Mas dentro da parca energia que vejo em Cavaco, acho que devia gastar dita energia em criticar o governo em relação às políticas de combate à crise e não em relação a estatutos políticos.

O governo revela o mesmo modus operandis. Veja-se senão a questão dos professores a ser debatida "ad nauseum" e sem fim à vista só pela necessidade que o governo tem em manter a opinião pública "entretida" e alheada dos problemas da crise.

Pouco a pouco, as várias instituições democráticas enchem-se de falsos problemas (ou prioridades), perdem objectividade e eficácia porque se afastam das pessoas e das seus verdadeiros problemas.

Anónimo disse...

A mim parece-me evidente que o facto de poder haver alguem a receber subsidio de desemprego sem se importar ou querer arranjar emprego, não pode de forma alguma levar, como fez este governo dito socialista, a uma pior protecção no desemprego.
A meu ver, não pode pagar o justo pelo pecador.!!!
É que, infelizmente, a larga, mas muito larga maioria dos actuais desempregados(os inscrito nos centros de emprego e a receber subsidio),não conseguem arranjar um trabalho digno. Só conseguem arranjar trabalhos precários( e por isso quase todos indignos)que não dão estabilidade a ninguém a não ser a uma exploração vergonhosa e criminosa.
É curioso, aliás, que este PS( o tal que se diz socialista)que com o novo Codigo do Trabalho deu rédia livre ao trabalho precário (ele, o VS, diz o contrário claro, chamando-nos parvos...), foi o mesmo que aprovou os contratos de trabalho a prazo.
Hoje como então o PS continua a ser a mesma porcaria.
Que os portugueses não percam a memória na altura das próximas eleições é que é preciso.