quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Quem é que está morto?

É muito fácil distorcer o pensamento de um autor. Basta citar fora do contexto. É o caso da famosa frase de Keynes: «no longo prazo estamos todos mortos». Para José Manuel Fernandes isto parece não passar de uma expressão da ideologia da gratificação imediata e da miopia do curto prazo que corrói os alicerces morais do capitalismo e que é responsável por novas crises. Na realidade, o «estamos todos mortos» de Keynes surge no contexto de uma crítica aos economistas que, perante uma crise de grandes dimensões, se limitam a dizer, à maneira de Pangloss, que no longo prazo tudo correrá pelo melhor no melhor dos mundos. Esquecem-se que o capitalismo não tem meios de sair espontaneamente da crise sem causar destruição económica e sofrimento social evitáveis e muito mal distribuídos. Aliás, a seguir a esta famosa frase, surge esta ideia: «servem de muito pouco os economistas que se limitam a dizer que depois da tempestade vem a bonança».

De resto, a «socialização do investimento» e a «eutanásia do rentista» de Keynes são tudo menos míopes. Na Grã-Bretanha, do Financial Times ao The Guardian não se fala de outra coisa: taxas de juro baixas, aumentos do investimento público e da regulação do sistema financeiro. A rapidez da mudança nos termos do debate público é impressionante. Como foi tudo menos míope o esforço de Keynes para pensar, nos anos quarenta, um sistema financeiro internacional assente no controlo da circulação de capitais e na existência de uma instituição que funcionasse como um credor internacional de última instância. E as taxas de juro baixas não geram bolhas especulativas, mas sim investimento produtivo, se os mercados financeiros estiverem enquadrados, ou seja, se «os especuladores forem bolhas numa corrente empresarial incessante» . Nesta área, há um arsenal de taxas e de proibições à espera dos governos. Estes são os pilares essenciais do início da construção de uma economia pós-neoliberal capaz de conciliar crescimento sustentável, pleno emprego e justiça social e de colocar entrave à verdadeira «miopia face ao desastre» dos mercados financeiros liberalizados. Não há alternativa decente. No curto e no longo prazos.

2 comentários:

Anónimo disse...

O problema, caro João Rodrigues, +e que não faltam "alternativas" indecentes, com muito muito poder de resto...

Anónimo disse...

"But this 'long run' is a misleading guide to current affairs. In the long run we are all dead. Economists set themselves too easy, too useless a task if in tempestuous seasons they can only tell us that when the storm is long past the ocean is flat again."

O excerto e' do Treaty on Monetary Reform. O Keynes era um monetarista, sendo que a unica macroeconomia pre-1936 era a Quantity Theory of Money. Portanto falar de oceano e' falar de liquidez e das convulsoes economicas como monetarias. Retoricamente funciona melhor a referencia a um oceano plano do que a "bonanca".