quinta-feira, 12 de maio de 2011

Dizer: basta!

Os rumores sobre a saída grega do euro são elucidativos sobre o poder que a periferia europeia detém no panorama europeu. No momento em que sabemos os incríveis juros que nos serão cobrados pela EU - entre 5,5% e 6%, contra os 4% agora cobrados à Grécia -, vale a pena olhar com atenção para o que aconteceu em torno destas notícias.

A ameaça de saída foi noticiada pela imprensa alemã, segundo fontes do governo. É impossível perceber o que aconteceu na realidade, mas não é muito difícil acreditar que a ameaça tenha realmente existido. E claro, uma das formas de a minar é colocar a notícia em público quanto antes. Não há saídas do euro previamente anunciadas. De qualquer forma, o Governo grego conseguiu com esta manobra, real ou imaginária (sim, estas notícias também dão muito dinheiro à especulação financeira), um novo pacote de ajuda e uma discussão bastante mais profunda dos seus problemas e alternativas, como já discuti neste post.

No relançado debate sobre a Grécia, surgiram dois interessantes textos no New York Times sobre uma possível saída da Grécia do euro. Um do economista Mark Weisbrot, co-director do excelente Center for Economic and Policy Research, e outro do Paul Krugman. Ambos discutem de forma séria, e não apocalíptica, como por cá vem sendo hábito, uma possível saída do euro. Desnecessário dizer que ambos os economistas concordam com a tragédia que são as actuais escolhas. Mark Wreisbrot, não desvalorizando o poder da ameaça de saída numa possível reforma europeia, defende esta escolha, partindo da experiência argentina.Uma desvalorização cambial permitiria maior competitividade externa e a soberania monetária conduziria a menores restrições de financiamento da economia. A inflação aumentaria neste contexto, com os seus prós e contras que ficam para outro texto.

Para este economista, e como devia ser claro para quem quer discutir o assunto, não há saída do euro sem uma reestruturação profunda da dívida externa total (pública e privada). Ora, uma reestruturação da dívida grega de, imaginemos 50%, colocaria o sistema financeiro europeu e mundial numa situação de grande fragilidade, devido à magnitude dos custos. A Argentina já não serve como comparação. Tal "corte de cabelo" seria inédito. Estas implicações merecem, por isso, mais reflexão.

Paul Krugman prefere, no entanto, assinalar outros contras, nomeadamente os problemas logísticos de tal decisão. Tais dificuldades não são muito credíveis. Uma mudança de moeda não necessitaria mais do que um "selo" nas anteriores notas em circulação. Foi o que aconteceu quando a Eslováquia e a Républica Checa se decidiram pela soberania monetária (uma decisão posterior à cisão política). Krugman aponta também os inevitáveis problemas de reputação internacional da Grécia que comparam com o longo historial argentino de incumprimento. Os problemas existem, mas sinceramente parece-me que, neste campo, já se ultrapassou, para a Grécia, o ponto de não retorno. Finalmente, o prémio Nobel assinala a importância desta ameaça nas negociações europeias. Tem razão e para estas ameaças serem credíveis, há que pensar mais e melhor.

Autocrítica

“Como a ponta de um iceberg, os mais notórios globetrotters dos conselhos de administração são Mira Amaral, Nogueira Leite, Joaquim Ferreira do Amaral, Murteira Nabo e Luís Todo Bom.” (Os Donos de Portugal, 2010, p. 321). Para além da sua lamentável figura na blogosfera, Nogueira Leite é um homem do grupo Mello, um dos grupos rentistas mais bem sucedidos na captura de bens públicos, uma figura que circula entre PS, PSD e um certo tipo de negócios, defendendo a privatização do que tem muito valor de troca e o encerramento daquilo que só tem muito valor de uso, como bibliotecas e polidesportivos, e privilegiando a descida brutal dos salários dos outros. Por isso, esta sua declaração de hoje pode ser interpretada como uma oportuna autocrítica: o Estado português foi "capturado por grandes grupos", proporcionando "bons negócios em que toda a gente quer estar".

Austeridade cada vez mais assimétrica

“Desigualdades sociais em Portugal agravaram-se cinco vezes mais do que na Zona Euro”. Quem o diz é o Negócios, com base no último relatório do FMI. Portugal acompanhou a tendência das periferias europeias. Lembrem-se, no entanto, que o país já era o terceiro mais desigual da UE-27. É claro que as prescrições austeritárias da troika – da brutal transferência do trabalho para certas fracções do capital, com as previstas reduções das contribuições patronais para a segurança social, que são justificadas com uma fraude económica, passando pela redução dos direitos laborais e sociais, até ao aumento de impostos regressivos como o IVA –, aceites, como hoje já todos sabem, pelo PsemS-PSD-CDS, só irão agravar as desigualdades. Sabendo que o próprio FMI reconhece que as desigualdades sociais elevadas também foram responsáveis pela crise, é caso para dizer que o seu crescimento adicional tenderá a gerar crises económicas ainda mais violentas.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Vamos ajudar?


Um ano depois do que só com muita ignorância ou desfaçatez ainda se designa por “ajuda”, como está a Grécia? Quebra do PIB de 4,3%, desemprego galopante, que já vai nos 14,7%, défice e dívida revistos em alta. Os efeitos perversos da austeridade não têm fim. Rumores sobre saída do euro à parte, a verdade, como afirma Paul Krugman, é que antes desse cenário, e talvez em vez dele, está, neste contexto europeu, a inevitabilidade da reestruturação da dívida para reduzir o seu fardo. É a arma das periferias para forçar um mínimo de racionalidade nesta desunião. É claro que isto vai contra a lógica da austeridade, cujo propósito é salvar o sector financeiro, os credores, evitando que tenham perdas por agora, quando ainda se está frágil devido à última crise. Duas alternativas: a ameaça da renegociação ou o conselho do economista Mark Weisbrot no New York Times: “podem ter a certeza que as autoridades europeias ofereceriam à Grécia um melhor acordo perante uma ameaça credível de saída do euro”.

Portugal vê-se grego. Weisbrot de novo: “Portugal acabou de concluir um acordo que prevê mais dois anos de recessão. Nenhum governo deve aceitar este tipo de punição.” Os juros anunciados para o empréstimo da UE – algures entre 5,5% e 6% – são incomportáveis. É que, segundo um estudo do próprio FMI, o esforço de consolidação orçamental em curso tem impactos recessivos fortes. No contexto mais favorável, ou seja, quando é possível desvalorizar a moeda e descer taxas de juro, por cada 1% de consolidação orçamental, o PIB cai 0,5%. Num contexto como o das periferias, em que essas opções não estão disponíveis, cada 1% austeridade tende a gerar uma quebra do PIB de 1%. A redução prevista no défice é de 6% do PIB. Façam as contas e veremos que os 4% de recessão nos próximos dois anos, seguidos de tímida recuperação, podem bem pecar por ser optimistas. Jorge Bateira já fez as contas, com pressupostos mais benevolentes, e a dinâmica de insolvência com esta engenharia neoliberal é clara.

Responsáveis são então aqueles que respondem com realismo à principal questão: renegociar a dívida agora, quando ainda temos alguma força económica, ou renegociar montantes, prazos e juros mais tarde quando tivermos ainda mais exauridos por anos de capitalismo de pilhagem? Promova-se uma auditoria à dívida para preparar a sua renegociação e talvez alguma racionalidade, alguma decência, alguma clarividência, surja entre estas elites políticas. Tudo o resto é incompetência, irresponsabilidade e pilhagem. Tudo o resto é a política de bloco central.

Publicado no Arrastão.

O insustentável cinismo do pensamento austeritário

«Nós temos que fazer escolhas. Quando me dão dinheiro, eu escolho. Ou poupo ou consumo. E, no consumo, ou compro A ou compro B. Quer dizer... eu às vezes o que tenho de dinheiro é pouco, ou vou ao cinema ou compro as pipocas. Se não dá para as duas coisas, o que é que eu prefiro? Ficar cá fora a comer pipocas ou ir ver o filme?». Assim sintetiza João Duque, no evento final da iniciativa Mais Sociedade, os «dilemas» da austeridade.

A deterioração da situação financeira das famílias, decorrente dos cortes salariais, do agravamento das condições de acesso aos serviços públicos e do aumento de impostos, não significa mais, portanto, que um universo de questões lúdicas. Trata-se apenas de optar entre coisas supérfluas, como cinema e pipocas. E não de escolher entre poder pagar a prestação da casa ou do carro, entre levar carne e fruta para casa, ou entre o manual escolar de matemática e o de português, de que os filhos necessitam. É tudo apenas uma questão de cinema e pipocas. Se por exemplo um indivíduo vai às putas, só tem que passar a decidir se quer entrar ou ficar cá fora a beber uma taça de vinho verde. Se não der para as duas coisas, o que é que prefere?

Para o moralismo cínico e abjecto do pensamento austeritário é tudo muito simples.

Reestruturar para mudar

As recentes notícias gregas, da inevitável reestruturação aos rumores sobre saída do euro, mostram, se fosse ainda necessário, o quão disfuncional tem sido a gestão europeia da crise da dívida. A reestruturação é recusada sobretudo porque tal acção implicaria perdas para a banca europeia (com França e Alemanha à cabeça). No entanto, com a insustentabilidade da dívida cada vez mais clara, a União Europeia terá de agir. A voz oficial do sector financeiro internacional, o Financial Times, coloca duas opções: ou se reestrutura a dívida agora, englobando os credores privados na factura, ou o fundo de estabilização assume a dívida grega e intervém no mercado secundário, comprando dívida – a preço de desconto, o que equivale a reestruturação de facto – até conseguir uma situação em que a Grécia consiga voltar aos mercados financeiros. A segunda opção seria assim uma fuga para a frente na governação económica europeia, já que a UE garantiria a dívida de um dos seus membros sem qualquer prazo. Uma solução próxima das propostas das euro-obrigações. É muito questionável se há condições políticas para tal passo, mas sendo a alternativa a imposição de custos elevados ao capital financeiro, a minha aposta vai para medidas que vão neste sentido. No entanto, este enquadramento não resolverá o problema. Como o título do editorial defende – “Atenas tem de ser colocada entre a espada e a parede”, tal enquadramento teria de ter como uma contrapartida a imposição de mais austeridade a um povo exaurido. Enganam-se se pensam que não há limites sociais ao ciclo vicioso de austeridade, recessão e desemprego. Perante este desastre, e perante a sua repetição em Portugal, torna-se cada vez mais urgente a reestruturação da dívida liderada pelos devedores.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Mais depressa se apanha…


Ontem Paulo Portas mostrou este gráfico no frente-a-frente com José Socrates. Parece uma daquelas fotografias onde se apaga o que se não quer mostrar e se estica o que mais interessa. Não, Portugal não foi o país da União Europeia, nem da Eurozona onde a dívida mais cresceu entre 2005 e 2011. Aqui está bom jornalismo económico a mostar que mais depressa se apanha...

Posso pôr uma dúvida?

Constituição da Republica Portuguesa, CAPÍTULO II, Artigo 161.º

Compete à Assembleia da República:
h) Autorizar o Governo a contrair e a conceder empréstimos e a realizar outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante*, definindo as respectivas condições gerais, e estabelecer o limite máximo dos avales a conceder em cada ano pelo Governo;

Há um problema de constitucionalidade relativamente ao empréstimo que vem a caminho? Estou a ver mal? A Constituição não interessa nada?

*Dívida pública flutuante: dívida pública contraída para ser totalmente amortizada até ao termo do exercício orçamental em que foi gerada (Lei n.º 7/98 de 3 de Fevereiro, artigo 3º, alínea F).

A lógica outra vez

“Utilizar receita do IVA para financiar a baixa da Taxa Social Única” e “desagravamento de impostos sobre os mais desfavorecidos” são duas proposições que não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo.

O IVA é um imposto regressivo que afecta sobretudo os mais desfavorecidos. O aumento da receita do IVA, ainda por cima à custa do acréscimo das taxas reduzidas que incidem sobretudo em bens de primeira necessidade, representa um esbulho violento precisamente dos mais desfavorecidos. Não é só o PSD que o propõe, está no acordo com a troika que o PS e o CDS se gabam de ter conseguido.

Sob o manto diáfano da verdade…


Acho que descobri por que é que a encenação de discórdia entre os “partidos do arco da governação” é tão insuportável. Porque violenta a lógica, transformando uma conjunção de verdades numa falsidade.

O PS acusa o PSD de querer privatizar tudo e mais alguma coisa. É verdade. O PSD lembra que o PS tem sido o campeão das privatizações. Também é verdade. O PS diz que o PSD quer uma saúde para ricos e outra para pobres, destruindo o SNS universal e tendencialmente gratuito. É verdade. O PSD lembra que o PS não se cansa das parcerias com o privado que entregam a gestão dos hospitais aos privados e está a privatizar o SNS. Também é verdade. O PS acusa o PSD de querer destruir o Estado Social. É verdade. O PSD responde que o PS, dizendo defender o Estado Social, tem vindo a destrui-lo de facto. Também é verdade.

Os partidos do “arco da governação” que estão de acordo no acordo com a troika defendem o Sector Público Empresarial, o SNS e o Estado Social. É falso. Conclusão: da conjunção de verdades resulta uma falsidade.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Economia cidadã

A Procuradoria Geral da República decidiu abrir uma investigação judicial às agências de rating, graças à oportuna queixa contra as práticas abusivas destes pilares dos desregramentos dos mercados que foi apresentada, em Abril, por José Reis e José Manuel Pureza da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e por Manuela Silva e Manuel Brandão Alves do ISEG.

Economista de combate

Vale a pena ver a entrevista que o José Gusmão deu a Paulo Ferreira na RTP.

Liberticidas

É mais exigente, é mais claro e é até mais liberalizador, na convicção de que a liberdade é que gera o crescimento. Mesmo sabendo que a liberdade, em economia, gera hoje entre muitos cidadãos o medo, a insegurança de perder o emprego, o acesso à saúde e à educação, o direito à pensão de reforma ou ao subsídio de desemprego.

Helena Garrido decidiu apoiar o PSD com argumentos bizarros sobre a liberdade e a verdade. Em economia, à liberdade de uns corresponde a vulnerabilidade de outros. A questão é saber se, globalmente, a liberdade aumenta em resultado das políticas públicas que alteram as regras do jogo. Sem amplas liberdades para a maioria, sem liberdade para ter acesso a um emprego decente, a uma vida saudável e com oportunidades ricas não há prosperidade. O PSD cavalga o programa da troika, que vai aumentar a vulnerabilidade da maioria dos cidadãos, que institui o medo na economia, que aumenta as oportunidades para os sectores empresariais mais retrógrados e predatórios se apropriarem de benefícios sociais e transferirem custos sociais para a maioria dos cidadãos. Das maciças privatizações à brutal quebra do poder de compra que está a ser planeada, passando pelo aumento do regressivo IVA e acabando na diminuição das contribuições patronais para a segurança social, que fragiliza a solidariedade e não resolve nenhum problema de competitividade, o bloco central cava a recessão, aumenta o desemprego, ataca os serviços públicos e logo diminui acentuadamente as liberdades de uma imensa maioria. O programa do PSD, partilhado nas suas linhas essenciais pelo PS e pelo CDS, é um programa liberticida. Esta é a verdade. A verdade que jornalistas como Helena Garrido tinham a obrigação de conhecer.

Com a austeridade do bloco central vemo-nos gregos

OCDE: Sinais recessivos acentuam-se em Portugal.

domingo, 8 de maio de 2011

Uma escolha inadiável

Num artigo muito lúcido no FT a propósito dos rumores sobre a saída da Grécia da zona euro, Wolfgang Münchau termina assim:

«As elites políticas europeias têm medo de dizer a verdade que os historiadores da economia sempre souberam: que uma união monetária sem união política é simplesmente inviável. Isto não é uma crise da dívida. Isto é uma crise política. A zona euro estará em breve confrontada com a escolha entre um inimaginável passo em frente para a união política ou um igualmente inimaginável passo atrás. Sabemos que o Sr. Schäuble [ministro das finanças alemão] equacionou, e rejeitou este último. Também sabemos que ele prefere o primeiro. Está na hora de o dizer.»

Óptimo. Já sabemos qual é a escolha do ministro das finanças da Alemanha. Só falta saber qual é a escolha do povo alemão.

O pirómano bombeiro

Cavaco Silva, o pai da economia do endividamento, que estabeleceu com os portugueses o contrato-promessa de tornar o «crédito fácil até ao infinito» para compensar a manutenção de baixos salários (como ontem lembrava oportunamente Miguel Portas, em entrevista ao Público), vem agora dizer que é preciso «mudar de vida», que «não podemos continuar a viver acima das nossas possibilidades, a gastar mais do que aquilo que produzimos e a endividar-nos permanentemente perante o estrangeiro». E di-lo sem pestanejar, como um incendiário que inocentemente se apresenta, fardado de bombeiro, perante o inferno de chamas que ateou.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Planeta Terra chama PSD

Nas imagens em baixo, recordadas há dias pelo João Carlos Graça (que aqui cito e a quem agradeço), Diogo Leite Campos consegue a proeza de, em menos de um minuto, mostrar que o seu desconhecimento (notável para um fiscalista) da diferença entre taxa marginal e taxa efectiva de imposto só é ultrapassado pela sua mais completa ignorância da realidade social do nosso país (e já agora da Europa).



Bem sei que as imagens já têm dois anos, mas ganham agora nova actualidade em virtude do momento que atravessamos e do facto de Leite Campos ser um dos Vice-Presidentes do PSD indigitados por Passos Coelho (e um dos ideólogos de serviço da facção mais histericamente hiper-liberal do espectro político).

Já agora, para termo de comparação, o quadro em baixo apresenta quais eram, em 2005 (os mais recentes que consegui obter em pouco tempo, a partir deste texto de Carlos Farinha Rodrigues), os ganhos salariais médios dos portugueses, por quintil. Quer-me cá parecer que alguém anda a viver acima das possibilidades do país...

Dividocracia

O excelente documentário grego "Dividocracia" foi finalmente legendado em inglês. Nele se abordam as causas e os efeitos da actual crise da dívida, propondo alternativas, já realizadas noutros países (como o Equador), como uma auditoria democrática que conduza a um processo de reestruturação da dívida liderada pelos devedores. Obrigatório ver e divulgar. O caminho para a saída da crise faz-se por aqui.

O FMI aprendeu alguma coisa (à custa dos gregos e irlandeses)?


O FMI aprendeu alguma coisa com a experiência da Grécia e da Irlanda? A minha resposta é: sim e não.

O FMI parece ter aprendido que a austeridade em contexto recessivo tem efeitos muito mais negativos no crescimento e no emprego do que ainda há bem pouco tempo supunha.

Temos assim neste pacote cortes profundos na despesa pública e aumentos de impostos e taxas comparáveis, senão superiores, aos do Orçamento de 2011 e do PECIV, associados a uma previsão de recessão com duração de dois anos, em 2011 e 2012 (com uma queda do PIB real acumulada de mais de 5%). Estamos assim longe dos cenários idílicos de austeridade com crescimento do governo Sócrates e dos economistas que aconselham o PSD.

Este pacote não é nada suave. Os cortes na despesa pública e os aumentos de taxas, impostos e preços de serviços públicos têm um impacto maior no orçamento familiar do que qualquer corte no décimo quarto mês. Os efeitos previstos no défice e na dívida é que são moderados, mais reduzidos e lentos do que os que o governo anteriormente prometia com medidas semelhantes.

Mas o FMI ainda não aprendeu que o crescimento, e a consolidação orçamental pela via do crescimento, só são possíveis com investimento (necessariamente público porque em recessão os privados, quando não abrem falência, só “investem” em activos financeiros ou pagam dívidas).

O aumento da competitividade de que fala o FMI, e que recomenda como via para o crescimento pelas exportações, seria conseguido exclusivamente à custa da redução dos custos salariais directos e indirectos. É por isso que este pacote vai longe nas medidas destinadas a pressionar a descida dos salários: montante, duração e condições de acesso ao subsídio do desemprego, agilização do despedimento individual, não pagamento de prestação de trabalho extraordinário, etc.

No entanto, a descida dos salários nominais não só é difícil de conseguir quando os salários são muito baixos, como não aumentaria a competitividade da economia portuguesa, não favoreceria o crescimento e não reduziria o desemprego de jovens e menos jovens. As medidas de desprotecção dos desempregados terão como efeito o aumento da “informalidade” e da ilegalidade e a expansão da economia familiar de subsistência. Mas isso são coisas que os tecnocratas do FMI não podem compreender, tal é a distância entre os seus modelos mentais e a realidade da sociedade portuguesa.

Essa será mais uma lição que o FMI terá de aprender, infelizmente à nossa custa.

O desemprego é involuntário

A crise e as políticas recessivas de austeridade geram desemprego. O número de casais desempregados quase triplicou nos últimos cinco meses e a taxa de desemprego, segundo previsão, que provavelmente será revista em alta, chegará, em 2013, aos 13 por cento. O desemprego que conta é obviamente um fenómeno involuntário e tem custos sociais elevadíssimos.

Curiosamente, a troika e a economia convencional agem como se o desemprego fosse um fenómeno sobretudo voluntário. O seu modelo, que orienta as políticas públicas, é uma versão sofisticada do "vão trabalhar, malandros". Um modelo que prospera em tempos de crise devido ao medo e à desconfiança.

De facto, a justificação para a redução planeada dos montantes e da duração do subsídio de desemprego centra-se na geração de mais "incentivos" à busca de emprego. É como se os indivíduos, egoístas e preguiçosos por natureza, precisassem de uma maior pressão, como se a responsabilidade pelo desemprego fosse sua e não de uma crise sem fim à vista.

Na realidade, o objectivo central, a lógica de todas as modificações laborais é fazer com que os trabalhadores, os que têm emprego e os que não têm, aceitem uma redução substancial dos seus rendimentos. A redução de salários, sobretudo na base, é a receita medíocre que é imposta ao país.

Numa formulação propositadamente ambígua, parece que há uma intenção vaga de vir a "apresentar uma proposta" para eventualmente alargar um subsídio de desemprego, agora mais frágil, a certas categorias excluídas. De vagas intenções está este inferno laboral cheio.

Será que esta é a economia, com muito medo, própria de países com trabalhadores desqualificados e precários, de que necessitamos? Obviamente que não. Uma economia moderna, uma economia que dê incentivos à formação e à inovação, não trata assim os trabalhadores, não desiste com esta facilidade de políticas económicas que combatam a crise e gerem emprego.

Artigo no Público

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Custos

As medidas de liberalização do que se convencionou chamar "mercado de trabalho" continuam. A taxa de desemprego, com despedimentos mais fáceis e recessão, vai também continuar a aumentar, chegando, de acordo com previsão que está provavelmente destinada a ser revista em alta, aos 13%, em 2013. Não se trata de criar emprego, até porque o desemprego não se deve a qualquer "rigidez", e muito menos de reduzir as desigualdades salariais entre trabalhadores, que com estas medidas tenderão a aumentar, trata-se de reduzir os salários, sobretudo na base, de tratar o trabalho como se fosse uma mercadoria, um mero custo a conter. Foi este modelo, segundo um estudo do FMI, que esteve na origem da crise...

Disposição socialista

Uma das atitudes a evitar em relação à intervenção externa é baixar os braços porque, afinal de contas, está tudo decidido. Não está. Estas engenharias sociais radicais costumam ter efeitos de tal forma perversos, a passagem dos idealismos de mercado do papel para a suja realidade é de tal forma violenta e a situação europeia está de tal forma periclitante, e ficará ainda mais quando a Grécia começar a reestruturação da sua dívida, inevitável neste contexto, que a acção colectiva de resistência e de apresentação de alternativas nacionais e europeias sérias a estes pacotes terá de ter a prazo efeitos políticos de monta. Dada a incerteza radical inerente à condução dos assuntos humanos, está é a única aposta que vale a pena fazer. Trata-se de conseguir chegar ao manípulo que trava a marcha do comboio rumo ao abismo...

O importante é que o cliente esteja contente

Presidente do BPI disse estar muito contente com o programa que foi apresentado pela troika.

Não escapa ao entendimento

Uma coisa que talvez não escape ao entendimento: como é que se pode ler o programa eleitoral do PsemS-PSD-CDS redigido pela troika, com muito copy-paste de projectos que já eram os deste governo rendido, e concluir que se aprenderam as lições da Grécia e da Irlanda? É que estamos em período eleitoral e para alguns vale tudo. É que está lá tudo, com ligeiras adaptações à economia política nacional: a austeridade violenta, a fragilização dos serviços públicos e a arrogância de que se controla o défice com políticas recessivas, deixando a porta escancarada para aprofundamentos no círculo vicioso que já é o nosso há muito; o apoio sem condições ao sector financeiro, confirmando que o neoliberalismo é a ideologia da hegemonia deste sector; as privatizações a preço de saldo de sectores estratégicos, de serviços públicos como os correios, de sectores que dão lucro, tudo feito para investidor estrangeiro ver e beneficiar; o aumento dos preços de bens e serviços essenciais e a mesma obsessão com a liberalização, ou seja, com o aumento da discricionariedade empresarial privada em sectores com poder de mercado estrutural e que têm de ter, também por isso, controlo empresarial público directo; e, sobretudo, a transferência de custos para o mundo do trabalho com a facilitação de despedimentos, a promoção da redução dos salários directos e indirectos, a fragilização dos sindicatos, a mesma ideia de que o desemprego é um problema de “incentivos” e não de procura. Os apoiantes do governo, tentando dizer algo de esquerda, algo civilizado, agarram-se a uma formulação propositadamente ambígua, a uma intenção vaga de vir a "apresentar uma proposta" para eventualmente alargar um subsídio de desemprego mais frágil a certas categorias. De vagas intenções está este concreto inferno europeu cheio...

Ilustração de gui castro felga.

Escapa ao entendimento

Não sabem qual é a taxa de juro, mas já deram o seu acordo. Isto é, dizem que sim às condições do empréstimo sem saber sequer se o dito empréstimo pode ou não ser pago.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Uma outra via é possível



Há uma alternativa para a recessão e o desemprego crescente que o País vai sofrer em resultado das políticas que nos são impostas pela UE/FMI. Está formulada no «Manifesto por uma Convergência e Alternativa» que podem ler e subscrever aqui.

Transcrevo um excerto:

Os promotores da «Convergência e Alternativa» são europeístas e entendem que apenas a via federal pode tirar a União Europeia da crise em que se encontra. Infelizmente, nas últimas décadas a UE incorporou nos Tratados alguns princípios de inspiração neoliberal que enquadram a política económica dos Estados-Membros e da própria União. Esta orientação ideológica, conjugada com uma configuração institucional que não fez acompanhar a moeda única de um verdadeiro orçamento, e de um tesouro responsável pela dívida europeia, induziram uma fortíssima especulação nos mercados da dívida soberana dos Estados-membros com economias menos competitivas.

Por isso, entendemos que Portugal deve propor à Espanha, Grécia e Irlanda a criação de uma frente diplomática comum tendo em vista renegociar as respectivas dívidas e obter da UE derrogações ao Tratado que permitam a estes países adoptar políticas económicas favoráveis ao seu desenvolvimento, com destaque para uma forte política industrial e medidas de discriminação positiva para o sector exportador.

Caso não seja possível concretizar a cooperação entre os países da periferia da zona euro, ou no caso de rejeição das negociações por parte da UE, o País deve dizer à Comissão Europeia e ao Conselho Europeu que, para defender o interesse nacional, será obrigado a escolher uma via de ruptura com as normas de natureza neoliberal inscritas no Tratado da União. Nesse caso, o País teria de:
a) procurar apoios financeiros fora da UE; b) lançar uma política económica integrada tendo como objectivo alcançar o pleno emprego; c) suspender o pagamento da dívida pública e realizar uma auditoria no sentido de preparar decisões sobre a sua reestruturação.

A concretizar-se esta ruptura, Portugal estaria em melhores condições de voltar ao crescimento económico, o que permitiria reduzir mais facilmente o peso da dívida pública. Nessa hipótese, produzir-se-ia um grave conflito político com a UE. Embora desenvolvendo uma política económica autónoma, Portugal poderia manter-se na zona euro dado não existir no Tratado uma cláusula de expulsão.

Um choque político desta magnitude mudaria a atitude dos restantes países da periferia da UE levando-os também a questionar uma arquitectura institucional que apenas admite políticas económicas neoliberais. Formular esta possibilidade de ruptura é parte integrante da estratégia negocial que defendemos para que o País obtenha as derrogações de que precisa para se desenvolver.

Economia com Futuro

Economia com Futuro é uma rede de investigadores e professores de economia e de outras ciências sociais que procuram contribuir para a renovação do pensamento e discurso económicos, para o melhor conhecimento acerca da economia portuguesa e dos seus problemas e participar, em diálogo no espaço público, na descoberta de soluções com futuro.

O objectivo imediato desta rede é a preparação da Conferência “Economia Portuguesa: uma Economia com Futuro”, que terá lugar a 30 de Setembro de 2011 na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.

No apelo e compromisso constitutivo pode ler-se:

“… a crise das periferias aprofundou-se e Portugal viu-se envolvido na voragem dos resgates. O novo programa de austeridade e de “ajustamento estrutural” associado aos empréstimos do FEEF/FMI, orientado para a salvaguarda dos interesses do sector financeiro à custa dos rendimentos salariais e da prestação de serviços públicos de acesso universal, traduzir-se-á, a exemplo do que está a acontecer na Grécia e na Irlanda, em aumento do desemprego e da pobreza e em agravamento das desigualdades sociais e territoriais. Originando mais recessão, e não o crescimento que promete, poderá falhar na necessária consolidação orçamental e não reduzirá a dívida nem o fardo dos seus juros. Portugal sairá do novo programa mais debilitado e em piores condições para fazer face aos problemas colocados pelo aumento da dívida.
Agora, mais do que nunca, é necessário mobilizar o conhecimento económico e de outras ciências sociais para a invenção e proposta de soluções com futuro. Há perguntas que pedem uma resposta urgente.

Sabemos que não há lugar para uma conciliação entre medidas de austeridade violentas (exclusivamente orientadas para a consolidação orçamental e a redução da dívida externa no imediato) e crescimento capaz de equilibrar o orçamento e reduzir a dívida a prazo. Ao nível da UE há soluções possíveis (eurobonds, intervenção do BCE no mercado primário da dívida), mas parece não existirem condições políticas para as fazer vingar. Por isso mesmo, a reestruturação da dívida tem sido sugerida por quadrantes de opinião muito diversos como uma solução a encarar. Será uma reestruturação agora preferível a uma reestruturação tornada inevitável no futuro por uma recessão profunda e prolongada? Quais as implicações, benefícios e custos de uma tal reestruturação? Como deve ser concebida e negociada?

A manterem-se a actual arquitectura da zona euro e as respectivas orientações estratégicas, e mesmo que os problemas do défice e da dívida se resolvam de uma forma ou de outra, Portugal continuaria a ter de viver com uma moeda que é forte, como os sectores exportadores de tecnologia complexa desejam, mas que é demasiado forte para uma economia como a portuguesa. Essa é uma das causas do défice externo que Portugal viu crescer na década do euro. Mesmo com todo o investimento em ciência verificado nos últimos anos, Portugal não deu o salto tecnológico, económico e social necessário para competir no quadro da zona euro. Que espaço existe para Portugal na zona euro tal como ela existe? O que seria uma Eurozona com lugar para Portugal e outras economias periféricas? O que fazer se não for possível reformá-la?

A premência dos problemas do momento não pode fazer perder de vista os disfuncionamentos estruturais do actual modelo de desenvolvimento global e os dilemas a ele associados. A prioridade ao emprego e ao desendividamento a prazo aponta para a necessidade de crescimento. Este desiderato tem conflituado, não raro, com imperativos de sustentabilidade ambiental e coesão social. O “sucesso” das economias emergentes acentua os riscos de exaustão dos recursos e a pressão sobre o ambiente. Por outro lado, apesar da redução da pobreza para milhões de seres humanos verificada nos últimos anos naquelas economias, a distância entre os mais ricos e os mais pobres à escala mundial e no interior da maior parte dos países não cessa de aumentar. Como resolver o problema do emprego, do desendividamento e do desenvolvimento num quadro de reconhecimento das restrições ambientais e da necessidade de salvaguarda da coesão social?

O resto do texto e o nome dos promotores encontra-se aqui.

O que é bom para estes bancos é bom para a economia?

Sócrates anunciou que a Caixa Geral de Depósitos não será privatizada no ciclo de intensas privatizações que se avizinha. Isso nunca esteve em cima da mesa, tirando nas franjas mais lunáticas da utopia liberal nacional. Até porque se sabe, como disse o ministro das finanças há tempos, que o Estado está "disponível" para entrar no capital dos bancos privados se for necessário e as duas coisas não colariam. Entretanto, João Salgueiro mostra que não esqueceu os seus muitos e bons anos a chefiar o mais poderoso e eficaz grupo de interesse – a Associação Portuguesa de Bancos –, o que faz dele um senador, pronto a opinar sobre o bem comum, claro. Defende que os bancos, coitados, compraram dívida pública de "má qualidade" e quer que o Estado a "recompre", usando os empréstimos externos: "é natural que esse apoio para o conjunto da economia passe pelos bancos". E que o "apoio" fique nos bancos também é muito natural, digo eu. Mas, atenção, é tudo em nome da economia. Da desgraçada economia financeirizada em que Salgueiro não quer tocar. Da desgraçada austeridade dos sucessivos PEC: economia vai contrair 2% este ano.

O que eles querem sabemos nós...

Perante os estados gerais da iniciativa privada, baptizados de «Mais Sociedade» e apadrinhados pelo PSD (que ora a eles se associa com afinco, para dar um ar de frescura, ou deles se descola, quando as propostas são demasiado inconfessáveis), o que poderia o cidadão comum esperar?

Deveria esperar, supostamente, que se tratasse de uma reflexão profunda sobre o papel da iniciativa privada em Portugal. Uma tentativa de obter respostas para questões estruturais, um momento de introspecção, o «sector privado no divâ». Saber, por exemplo, por que é que grupos económicos relevantes têm apostado com tanto empenho nos sectores da distribuição e dos bens não-transaccionáveis (com o imobiliário à cabeça), a par de uma apurada aversão para o investimento produtivo. Isto é, analisar as responsabilidades privadas no modo como foi sendo desenhado o perfil de especialização produtiva da economia portuguesa e a inebriante tentação pelo rentismo.

Tal como seria de esperar que o evento da passada semana ajudasse a compreender por que razão, em regra, a iniciativa privada insiste em desperdiçar o aumento das qualificações escolares e profissionais da população activa, persistindo na lógica da competitividade à custa de mão-de-obra barata e dos subterfúgios da precariedade. Ou perceber as razões que explicam a excessiva dependência relativamente ao Estado e ao sistema financeiro (de onde, aliás, provém uma boa parte dos participantes no evento), bem como procurar identificar a fatia que lhe cabe no bolo da economia paralela, globalmente situado em cerca de 25% do Produto Interno Bruto.

Em suma, seria de esperar que uma iniciativa que assume a designação de «Mais Sociedade», não se fizesse tendo o Estado como núcleo central de gravitação do pensamento. Desde logo, em nome dos próprios princípios que os promotores defendem e, nesse sentido, em nome da sua própria dignidade. Sem prejuízo, é claro, de que parte da reflexão fosse dedicada à administração pública, no que concerne por exemplo à morosidade da Justiça ou a questões de natureza fiscal.

Mas quando percorremos as comunicações que integram as áreas temáticas do evento, constatamos que «Menos Estado» deveria ser a sua honesta designação. Porque o que estas «forças da sociedade civil» pretendem é, de facto, assegurar e reforçar as condições para viver à sombra do Estado, isto é, dos contribuintes (como demonstram as propostas relativas ao cheque-ensino e à liberalização do ensino superior), e colonizar os serviços públicos existentes, convertendo direitos sociais em mercadorias e fazendo negócio em domínios cuja lógica é (e deve ser) eminentemente social e redistributiva (como no caso da proposta relativa à individualização da reformas e da protecção no desemprego).

A entrevista dada pelo Coordenador Geral da iniciativa, António Carrapatoso, e João Duque (que cumpre aqui, irrepreensivelmente, o papel de «ajudante de campo»), no Negócios da Semana do passado dia 28 de Abril, é um documento que merece ser visto e guardado para memória futura. Nele se torna evidente que é da saúde do Estado que os «Mais Sociedade» querem «tratar», e não das doenças do rentismo, parasitismo e laxismo que afectam uma parte significativa da iniciativa privada em Portugal.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Se bem entendi…

… ambos, PS e PSD, estão muito contentes com o acordo que conseguiram e ambos estão muito zangados um com outro por causa de um acordo que a ambos satisfaz. Já sabíamos que o estado de excepção em que na prática estamos a viver suspendeu a democracia – o programa do governo que ainda não foi eleito será amanhã anunciado por uma força de intervenção. Passamos a saber agora que também a lógica está suspensa em Portugal.

Mais Papistas que o Papa

Ou de como o Consenso de Washington é já mais de Bruxelas-Frankfurt-Berlim do que de Washington.

Conferência internacional

CRISE, DÍVIDA E EMPREGO
A Europa em rota de divergência

Lisboa, sexta-feira, 6 de Maio, Teatro Tivoli, 17.00h

17.00h- Abertura por Marisa Matias (Eurodeputada do Bloco de Esquerda, Portugal)
17.15h- Benjamin Coriat (Economista; Rede dos Economistas Aterrados, Professor e investigador do CEPN-CNRS, Faculté de Sciences Économiques et de Gestion, Paris, França)
17.45h- Huginn Thorsteinsson (Conselheiro do Ministro das Finanças islandês; Membro fundador do Left Green Movement, Islândia)
18.15h- Francisco Louçã (Economista, Coordenador do Bloco de Esquerda, Portugal)
18.45h- Debate
19.30h- Encerramento por Miguel Portas (Eurodeputado do Bloco de Esquerda, Portugal)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Lançamentos do manifesto

Algumas das propostas do manifesto:

Reduzir a liquidez e a especulação destabilizadora através de controlos dos movimentos de capitais e de taxas sobre as transacções financeiras;

Aumentar fortemente os impostos sobre salários muito elevados, de modo a dissuadir a corrida a rendimentos insustentáveis;

Reduzir a dependência das empresas em relação aos mercados financeiros, incrementando uma política pública de crédito (com taxas preferenciais para as actividades prioritárias no plano social e ambiental);

Libertar os Estados da ameaça dos mercados financeiros, garantindo a compra de títulos de dívida pública pelo BCE;

Efectuar uma auditoria pública das dívidas soberanas, de modo a determinar a sua origem e a conhecer a identidade dos principais detentores de títulos de dívida e os respectivos montantes que possuem;

Assegurar uma verdadeira coordenação das políticas macroeconómicas e uma redução concertada dos desequilíbrios comerciais entre os países europeus;

Desenvolver uma verdadeira fiscalidade europeia (taxa de carbono, imposto sobre os lucros, etc.) e um verdadeiro orçamento europeu, que favoreçam a convergência das economias para uma maior equidade nas condições de acesso aos serviços públicos e serviços sociais nos diferentes Estados-membros, com base nas melhores experiências e modelos.

Da austeridade assimétrica permanente

Somos uma das economias mais frágeis da Europa e não estávamos preparados para ter uma moeda forte, como o euro. Desde que aderimos à moeda única, o crescimento económico tem sido menorizado em favor da consolidação e andámos numa dieta de iô-iô: o défice aumenta, temos de o reduzir, abalando a economia real. O próprio Governo não tem pensado correctamente em termos económicos. Quando o executivo traçou as metas para o défice, devia ter tido a noção dos custos, visto que a austeridade vai afectar a principal componente do crescimento económico nacional - o consumo privado. Isso implicaria ter feito uma escolha para, dentro do quadro europeu, apoiar de todas as formas possíveis o sector exportador. Seria preciso surgirem políticos que dessem um sinal de sacrifício e esperança: consolidação, por um lado, e crescimento, por outro.

Recupero um excerto da entrevista que a economista Manuela Arcanjo deu a Ana Rita Faria do Público na semana passada. Há passagens da entrevista que reflectem a dificuldade em romper totalmente com a sabedoria económica convencional, com o moralismo das finanças públicas, com a ideia de que o sector exportador pode ser o único motor do crescimento, mas, entre outras, a metáfora do iô-iô é bem apanhada e a menção ao papel do euro também. No fundo, Arcanjo sabe o que nos conduziu a este buraco e o que está a cavá-lo. É claro que Manuela Arcanjo teve responsabilidades nesta área, como secretária de estado do orçamento na segunda metade da década de noventa, quando os célebres critérios de convergência nominal já estavam em vigor, rumo a uma moeda única sem instrumentos decentes de política económica, uma moeda que até parece que foi feita para acentuar desequilíbrios graças também aos mercados financeiros liberalizados e ajustamentos recessivos para desgraça do mundo do trabalho. Tudo começou, aliás, em 1992, na cidade de Maastricht, mas sobre isto a sabedoria convencional evita falar. Lembro também a moda das parcerias público-privadas, das privatizações como se não houvesse amanhã, da forma como liberalizações comerciais destrutivas foram aceites nessa década. Um euro disfuncional serviu para justificar todas estas opções liberais. Agora, depois de uma década perdida, será que este euro justifica sacrifícios cada vez mais intensos, ainda por cima tão desigualmente repartidos?

Goodbye, democracia portuguesa

«A Comissão Europeia desvalorizou hoje as preocupações acerca das credenciais democráticas de um programa de austeridade imposto externamente numa negociação entre o FMI-UE e um governo de gestão. "As negociações terão lugar com as autoridades do país em causa", disse um porta-voz da Comissão. "Iremos negociar um programa de ajustamento económico com as autoridades portuguesas. Partimos do princípio de que quando as autoridades se envolvem nas negociações estão mandatadas para tal. É um assunto de política interna." Pois. Eu espero e acredito que o povo português, e outros verdadeiros europeus, não vão engolir esta mentira.»

As palavras (originalmente em inglês - e vale a pena ler o original) são do até agora correspondente do Daily Telegraph em Bruxelas.

domingo, 1 de maio de 2011

Seminário

Na próxima terça-feira, pelas 17h00, estarei na sala Keynes da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra a dinamizar um seminário intitulado “O que é Utópico e o que é realista em Economia?” O meu ponto de partida é uma interpretação da obra de Karl Polanyi, obra que é hoje usada em inúmeros estudos críticos de economia nas várias ciências sociais, da sociologia à economia, e para lá delas. Esta passagem de A Grande Transformação será explorada: "Enquanto que a economia 'laissez-faire' foi o produto da acção deliberada do Estado, as restrições subsequentes ao 'laissez-faire' iniciaram-se de forma espontânea. O 'laissez-faire' foi planeado; o planeamento não. (…) [A] ideia de um mercado auto-regulável era utópica e o seu progresso foi obstruído pela autoprotecção realista da sociedade". Baseado em estudos "polanyianos", tentarei dar algumas indicações sobre os vários "monstros" estatais que nenhuma economia avançada dispensa, sobre a globalização e a União Europeia como utopias liberais. Apareçam.

1º de Maio

sábado, 30 de abril de 2011

Economia para todos II


O Frederico Pinheiro organiza um novo ciclo do "Economia para todos", a começar já na próxima terça na Fábrica do Braço de Prata. Cabe-me o prazer de inaugurar este novo ciclo. Irei falar dos dois actos - subprime e dívida - da actual crise financeira. A entrada é livre.

Fica aqui todo o programa:

Curso Grátis ::: Economia para Todos ::: Todas as Terças-feiras de Maio às 19h30

3 de Maio
'Da crise do subprime à crise da dívida'
Nuno Teles, Economista e Doutorando da SOAS - Universidade de Londres

10 de Maio
'Estamos a viver acima das nossas possibilidades? Abordagens e perspectivas sobre o consumo e a crise financeira'
Ana Cordeiro Santos, Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

17 de Maio
'A desigualdade na distribuição de rendimento'
Nuno Ornelas Martins, Professor Auxiliar da Universidade Católica Portuguesa

24 de Maio
'O futuro das nossas pensões: a sustentabilidade dos sistemas de reformas'
Bernardino Aranda, Economista da ATTAC - Associação para a Taxação das Transacções Financeiras para a Ajuda dos Cidadãos

31 de Maio
'O papel do Estado no desenvolvimento económico: parte do problema ou parte da solução?'
Ricardo Paes Mamede, Professor do Departamento de Economia Política do ISCTE

Local: Fábrica Braço de Prata - sala Visconti
Morada: Rua da Fábrica de Material de Guerra, nº1 1950-128 Lisboa
Autocarros: 28, 718, 755, 210 (nocturno)

Informações: Frederico Pinheiro (fredericopinheir@gmail.com)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O que é que se defende depois da social-democracia?

Não acho que o FMI seja neoliberal. É uma instituição que tem tido uma evolução, por alguma razão o presidente é um socialista francês. A Comissão Europeia não tem ideologia como tal e o BCE tem uma agenda demasiado monetarista.

Augusto Santos Silva

Quem é que um dos principais ideólogos deste PsemS julga que engana? É que daqui a uns dias a troika apresenta a aplicação concreta para Portugal da doutrina do choque neoliberal, o culminar do ciclo de austeridade iniciado por PS-PSD a mando de Bruxelas-Frankfurt. As políticas públicas são como o algodão. Enfim, Strauss-Kahn foi um dos artífices do esvaziamento ideológico dos socialistas franceses, um bom exemplo de captura pelo mundo dos negócios, todo um currículo, toda uma crise intelectual e moral da social-democracia. Apesar de se notar, aqui e ali, um assomo de realismo económico na teoria, o FMI impõe na prática um programa maciço de privatizações, o aumento do regressivo IVA e brutais alterações na legislação laboral para facilitar amplos cortes nos salários e a destruição das forças sociais que defendem o Estado social. A Comissão Europeia é neoliberal enquanto tal desde pelo menos Maastricht, uma máquina política, relativamente protegida do escrutínio democrático, de liberalização e de expansão das forças do mercado global, que mina, como agora se vê, qualquer ideia de modelo social. Sabem que esta economia dita de mercado, este capitalismo, exige uma sociedade de mercado. Os estatutos do BCE e os seus comunicados dizem tudo sobre a sua natureza e sobre a natureza deste euro. Finalmente, Santos Silva simboliza bem a farsa de uma certa intelectualidade, que acabou por se fixar no poder como um fim em si mesmo e que agora se vê sem poder nenhum, meros anunciantes de inevitabilidades inviáveis, de utopias liberais, que disfarçam como podem. Triste destino político e intelectual, muitas lições.

Usar a justiça contra a justiça

O PSD não pode dizer que quer um sistema de saúde caro (não necessariamente bom) para quem pode pagar e um sistema de saúde barato e mau, para quem não pode. Se dissesse a maioria das pessoas que quer viver numa sociedade decente nunca votaria no PSD. A justiça social é um valor importante para (quase) todos.

Como não pode dizer o que quer e o que pensa, o PSD diz coisas como: “A filha do homem mais rico de Portugal não pode pagar por uma consulta num hospital o mesmo que um desempregado”.

A isto chama-se usar a justiça contra a justiça. Explico porquê:

1º Não vejo por que é que a filha do homem mais rico de Portugal haveria de pagar o tratamento no hospital. Se o homem mais rico de Portugal pagar impostos e se estes impostos forem progressivos o tratamento no sistema de saúde já foi pago.

2º Se a filha do homem rico tiver de pagar a consulta pelo seu custo no SNS não se vê por que razão irá recorrer ao SNS e não à medicina privada.

3º Se a dita filha passar a recorrer à medicina privada não se vê por que há-de continuar a contribuir para o SNS.

4º Se ela deixar de contribuir para o SNS, o sistema público passará a ser financiado apenas com as contribuições dos que não são ricos.

Em suma: com a saída do homem rico do SNS e depois do menos rico e ainda do remediado cria-se um mercado para a medicina privada; o que fica é um sistema público sub-financiado e mau para pobres.

O PSD sabe isto tudo tão bem como eu. Sabe também, por simples observação de outras experiências, que o sistema privado é mais caro para todos os que terão de o pagar e pode ser pior que o público. Mas o privado convém aos grupos financeiros. Nos últimos anos, em cooperação com um governo que jura a sete pés defender o SNS, os grupos financeiros construíram os alicerces. Falta agora o resto. Melhor que o sector da saúde, disse uma vez uma senhora de um destes grupos, só o tráfico de armas.