quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

«É a paralela, estúpido»

Um estudo recente mostra que a economia não registada representa quase 25% do PIB nacional. Isto é, o equivalente a um quarto da riqueza que o país produz escapa à justiça fiscal, não integrando assim as receitas do orçamento de Estado. O mesmo estudo estima que em 1970 este valor se situaria em cerca de 10%. Ou seja, a economia paralela “tem crescido nos últimos anos, ao contrário do que muita gente pensa”.

Num dos recentes Prós e Contras (que mostrou aliás como um verdadeiro debate não é propriamente uma missa), Medina Carreira vaticinou uma vez mais a "morte" do país, enquanto resultado da insustentável situação das finanças públicas. O vendilhão permanente do apocalipse puxou dos números que cuidadosamente guarda (e que lhe permitem manter o seu nicho de mercado na comunicação social) e declarou que “a economia nos últimos quinze anos cresceu 1.8% por ano. A despesa primária cresceu o dobro, 3.5. E as prestações sociais cresceram 6% ao ano”. A sangria da economia paralela, que obrigaria a refazer radicalmente esta comparação, é excluída da equação do desastre apresentada por Medina Carreira. Não, o que é preciso é acabar com o Estado e, de forma particular, com o Estado social.

Daniel Bessa, outro iluminado economista do regime (também ele tão cheio de certezas quanto de incongruências), afina pelo mesmo diapasão, sugerindo em entrevista recente que “a economia está a ser aniquilada pelo Estado social”. Para além da dicotomia absurda que postula que o Estado social não é parte integrante da economia, Bessa ignora também (deliberadamente ou por pura cegueira ideológica), o peso que a economia paralela representa no desequilíbrio das contas públicas. Promover o combate à fuga de receitas não faz parte da sua visão para o país. O que importa é cortar no Estado social.

Imagine-se uma quinta, propriedade dos agricultores Medina e Bessa. A quinta tem um poço, um motor de rega e uma área de cultivo com diversos legumes. A água necessária para a rega mostra-se aparentemente insuficiente. Medina e Bessa discutem quais os legumes a sacrificar, e em que escala. Não reparam, ou não querem reparar, que o poço tem água suficiente para toda a área cultivada, que pode aliás ser expandida. Porque não reparam, ou não querem reparar, que o problema se encontra no motor, a funcionar apenas a cerca de 75% da sua capacidade efectiva de captação de água.

28 comentários:

Henrique Vogado disse...

Excelente o exemplo da quinta.
É preciso olhar para todas as variáveis para poder falar dos problemas.

Carlos Albuquerque disse...

"Quem te avisa teu amigo é", diz o ditado.

E Medina Carreira há muito que avisa para a insustentabilidade financeira do país e do estado social.

Em contrapartida aqueles que se dizem socialistas afundaram financeiramente o país e agora ajudam não só à destruição cega do estado social como se propõem fazer mudanças nas leis laborais que nem sequer têm interesse para resolver os problemas do país.

Medina Carreira pode não estar a considerar todas as variáveis, mas não é com ataques pessoais mal dirigidos que se vai salvar o estado social em Portugal.

A nossa esquerda anda realmente muito baralhada.

Carlos Albuquerque disse...

Ainda sobre Medina Carreira, vale a pena ler o que ele diz aqui:

E ao nível do Estado social - saúde, ensino... como mexeria?

"Também temos de fazer uma análise a ver o que dói menos e a quem dói menos. Não preconizo que se mexa no Estado Social, em pessoas com 300 euros de reforma, que já são uma desgraça. Mas é acabar com as despesas inúteis todas... Há coisas que deve ser o ministro das Finanças a autorizar. Os carros devem ser modelo médio para ministros, e têm de durar cinco ou seis anos. Quando fui ministro, tinha um carro recuperado da sucata da alfândega de Lisboa.

O Estado social, tal qual o conhecemos, vai terminar?

Não. As minhas contas valem o que valem, mas entre 2015 e 2020 vai ter de se mexer."

Atacamos quem diz isto e fechamos os olhos enquanto um governo que se diz socialista compra carros de topo de gama a torto e a direito, tal como blindados para cimeiras com prazos de entrega posteriores e outras coisas que tais, só que dimensões muito maiores.

Daqui a alguns anos vamos pagar as PPPs existentes e mais TGVs e vamos protestar com os alemães porque não há dinheiro para pensões, saúde ou educação.

Carlos Albuquerque disse...

Quanto ao post, valia a pena apontar o estudo original.

Aí pode ver-se que no período referido, os últimos quinze anos, o ENR apenas variou de 20% para 24%, o que não altera significativamente os cálculos de MC.

Quanto ao poço, na engenharia sabe-se que há limites para o rendimento das máquinas, que nunca chega a 100%. Como é que se integra uma parte significativa da economia paralela?

Maquiavel disse...

Realmente o exemplo da quinta é por demais excelente.

Também me veio à ideia um documentário que vi ontem, acerca da caça aos cetáceos (nomeadamente golfinhos) no Japäo: é tido como "controlo de pragas", porque há que Deus os peixes estäo a acabar e é porque os golfinhos comem-nos todos... nada de ver que é a caça humana desmedida e desregulada que está a provocar o problema!

Para os economistas do regime, o Estado Social säo os golfinhos...

Anónimo disse...

E mai nada!!

Anónimo disse...

Permitam-me alterar o exemplo do poço:
O que se passa não é com o motor...é que do próprio poço sai um pequeno tubo que alimenta a quinta do lado (retirando 25% da água).
O proprietário dessa quinta do lado, que trabalha a sua terra, vangloria-se da sua eficiência e critica constantemente os legumes da primeira quinta, que estão cada vez mais secos dos cortes de água que têm levado.

Anónimo disse...

É o caso da esmagadora maioria dos restaurantes que não passam recibos. As contas são feitas nos guardanapos. Mas, contribuem com os restos para os pobrezinhos. Uma nova forma de estado social cavaquista.

Tiago disse...

O exemplo que apresenta da quinta é falacioso.

E explico porquê.

Porque compara uma quinta com recursos próprios com o estado. O estado não tem recursos próprios, mas usa os recursos doutras pessoas. Então a quinta do estado não vai buscar água ao seu poço, mas ao poço das pessoas das outras quintas. E isso, é uma pequena grande diferença.

As pessoas das outras quintas não tem culpa que o estado se tenha endividado e então decidem não contribuir com a sua água para pagar as dividas do estado. Quanto mais água o estado quiser, mais as pessoas vão querer disfarçar a quantidade de agua que têm. Isso não significa que a agua se perca, ou não seja aproveitada. é aproveitada mas não em beneficio do estado e da sua quinta feita à custa de roubo da agua.

Por isso o exemplo que apresentou e que os leitores gostaram muito é simplesmente falacioso.

Um ponto sobre a economia paralela é que ela normalmente faz parte do quotidiano dos mais pobres. Vivendo num bairro social tenho contacto directo com isso. O tabaco mais barato, a roupa mais barata, produtos como relógios, telemoveis, televisões, chegam a preços mais baratos para as pessoas com menos dinheiro. A economia paralela ajuda as pessoas com menos dinheiro a ter mais e a vender mais.

rui fonseca disse...

Sugiro a leitura disto:

http://www.economist.com/node/16792848?story_id=16792848&CFID=156917283&CFTOKEN=43004939

Anónimo disse...

Quando o nível de fiscalidade sobe, naturalmente que a economia paralela tende a subir. Isto é um facto que advém da natureza humana, não é uma apreciação ideológica. Se se compensar isso com leis e perseguição a quem foge ao fisco, poderemos cair num estado opressivo, em que o estado tende a perdseguir os cidadãos. E leis bem feitas que não façam são difíceis de fazer.

O exemplo da quinta está mal feito: os vizinhos cortaram a água e nós não temos força para a exigir nem muudar as regras de convivência com eles. Enão o que fazemos? devemos distribuir bem a água para as couves que mais precisam e secar os eucaliptos quem sugam água a mais. Mas cuidado, não vão os eucaliptos mudar a suas folhas que alimentam os bichos da seda para o vizinho...

Pois é, as metáforas valem o que valem.

Este tipo de tiradas demagógicas e apreciações pessoais (ao MC) só tira razão à esquerda e dá-lhe mau nome, dificultando a discussão em busca de soluções justas realistas.

SNG

Nuno Serra disse...

Não será controverso considerar que a sustentabilidade do Estado social decorre, entre outros aspectos: da capacidade de financiamento do Estado (receita fiscal); do quadro de opções gerais de despesa pública (política governamental) e da própria estruturação e gestão dos mecanismos de protecção social (política social).
Deixando de lado as duas últimas dimensões (opções de governação em geral e das políticas sociais em particular), sobre as quais muito há naturalmente a dizer, o que se pretendeu referir é que não é honesto fazer balanços como o que faz Medina Carreira, isto é, desconsiderar em absoluto um dos factores decisivos para a robustez das políticas sociais: o défice de financiamento do Estado em resultado da prevalência de uma economia paralela colossal no nosso país.
Porque dessa análise enviesada resulta a ideia de que o Estado gasta para lá do limite do que as receitas fiscais resultantes das dinâmicas económicas do país poderiam permitir, o que está muito longe de ser verdade. Como apenas por pura (e legítima) opção ideológica se pode sustentar a redução do Estado social enquanto único e inevitável camimho a seguir.
A matáfora do poço vale, de facto, o que vale. E tem, naturalmente, o seu simplismo e as suas fragilidades. A ideia era apenas a de comparar a quinta ao país e à sua economia; o motor ao Estado e à capacidade de colecta fiscal e os legumes às políticas sociais (alimentadas pela receita fiscal).
O anónimo anterior coloca uma questão importante (de que de resto o estudo também dá conta): quando o nível de fiscalidade sobe, a economia paralela aumenta. O que nos leva à magna questão das interessantes razões de fuga ao fisco, um problema endémico da sociedade portuguesa.
Tiago, a economia paralela é muito mais complexa e transversal do que sugere a ideia de que diz respeito ao "quotidiano dos pobres". Inclui taxistas, barbeiros, médicos, escritórios de advogados, etc.

Tiago disse...

Nuno Serra, eu não afirmei que era somente parte do quotidiano dos pobres, mas que isso também fazia parte.

Podemos considerar também o tráfico de droga e a prostituição como parte (a parte ilegal) da economia paralela.

Nuno Serra disse...

Tem razão, Tiago. A questão é que prevalece muitas vezes a ideia de que a economia paralela aponta para o universo das práticas económicas das classes mais marginalizadas (não se associando tanto à fuga ao fisco em geral). Daí ser aliás interessante o conceito de "economia não registada", que o estudo sugere.

Anónimo disse...

Medina Carreira terá algumas opiniões discutíveis mas penso que as suas principais mensagens (penso que correctas) são que é necessário estudar os assuntos convenientemente (para poder fazer opções sensatas) e que a situação corrente de aumento do déficit e a dívida é insustentável.

Se se não encarar a realidade nunca se poderá resolver nenhum problema. Não basta desejar, é necessário perceber todas as consequências do que se propõe.

A questão da fiscalidade é um exemplo. Mas não se depreenda daqui que automaticamente se deve rejeitar aumento de impostos. O que é necessário é perceber as consequências, o impacto da medida.

Goste-se ou não, vivemos num mundo em que os capitais são muito móveis e será sempre necessário perceber se uma medida aparentemente positiva não faz fugir o capital, deixando-nos em maus lençois.

E parece-me despropositado fazer depender o nosso destino de uma mudança no sistema económico mundial. Pode-se e deve-se ter uma estratégia para isso mas é claramente outro tabuleiro e de longo prazo.

SNG

Carlos Albuquerque disse...

Caro Nuno

Podem discutir-se os números e as ideias sem estar a fazer processos de intenção aos adversários. Os processos de intenção podem sempre fazer-se em ambos os sentidos de um debate.

A frase de MC que cita pode conter números errados. Mas se estiver certa prova a insustentabilidade da trajectória que temos seguido.

Segundo o estudo original (tabela 3, página 16) a economia não registada (ENR), nos últimos 15 anos, teve o seu peso aumentado de 20% para 24%. Se toda ela estivesse registada, a única alteração a fazer à frase de MC seria aumentar a taxa de crescimento de "1,8%" para "2%" (contas minhas). Dado que as outras taxas de crescimento se manteriam, mantinha-se a insustentabilidade. Ou seja, não é incluindo a ENR que se mostra que a trajectória seguida é sustentável.

Nuno Serra disse...

Caro Carlos,
Quando afirma, pelas suas contas, que o aumento da taxa de crescimento (de 1,8% para 2%) não altera a "tese da insustentabilidade", baseia-se na simples comparação de valores percentuais?
A dúvida que lhe coloco é genuína. Ocorre-me porque estamos a lidar com universos quantitativos muito diferentes (um aumento de 0,2% do PIB não é decididamente a mesma coisa, em termos de volume financeiro, que um aumento de 0,2% em despesas sociais).
Ou seja, a questão que lhe coloco é a seguinte: pode afirmar que o aumento de receitas do Estado, que ocorreria no cenário (ideal) de ausência de "economia não resgistada", era insuficiente para cobrir os aumentos da despesa pública que se registaram ao longo do tempo?

Carlos Albuquerque disse...

Caro Nuno

Se o aumento de receitas do estado tiver uma taxa de crescimento anual de 2% e a despesa pública aumentar a uma taxa de 3,5%, ao fim de 15 anos a receita terá aumentado 35% e a despesa terá aumentado 67%. Se o crescimento de prestações sociais no mesmo período for de 6% ao ano, ao fim de 15 anos essas prestações terão aumentado 140%.

Qualquer que seja a base de partida, uma grandeza com taxa de crescimento superior acaba sempre ao fim de um certo número de anos por ultrapassar qualquer outra grandeza com uma taxa de crescimento inferior. Esse número de anos pode é ser maior ou menor, dependendo da diferença nas ordens de grandeza à partida e da diferença nas taxas de crescimento.

Diferenças nas taxas de crescimento de 0,1 pontos percentuais são quase imperceptíveis durante muitos anos, mas diferenças de 1,5 pontos percentuais produzem efeitos muito nítidos ao fim de 15 anos, como se pode ver pelo exemplo.

Nuno Serra disse...

Caro Carlos,

Procurei fazer um pequeno exercício com os valores que estão em causa, a partir de dados do INE.
Em 1994, o PIB (a preços constantes, de 2006) era de 120.663.485€. As despesas com a protecção social situavam-se em 16.738.415€ (representando assim 14% do PIB.
Em 2008 (último ano com informação comparável do INE), o PIB era de 164.139.889€ (aumento de 36% face a 1994) e as despesas sociais (43.027.663€), que aumentam 157%, passam a significar 26% do PIB.
Parece-me resultar daqui que estas variações colocam em causa a "tese da insustentabilidade", nos termos em que MC a apresenta.

Mas mais ainda. Se considerarmos que em 2008 a economia não registada (estudo de Nuno Gonçalves) representa 22% do PIB e o peso das despesas de protecção social se situa em 26%, não será difícil concluir que a inexistência absoluta (ideal, eu sei) de economia não registada seria quase suficiente para financiar o Estado Social.

Isto é uma análise muito superficial, que ignora outras importantes questões sobre a capacidade financeira do Estado e as opções governativas. Mas parece-me óbvio que as comparações "a la Medina Carreira" não podem deixar de fora a questão da economia paralela.

Carlos Albuquerque disse...

Caro Nuno

Usando os seus números e as estimativas do Nuno Gonçalves podemos supor que o PIB total (PIB+ENR) foi de 144796182 mil euros em 1994 e de 200907224 mil euros em 2008. As taxas médias de crescimento anual ao longo do período 1994-2008 que obtenho são de 2,22% para o PIB, 2,37% para o PIB+ENR, de 3,05% para a ENR e de 6,98% para as despesas sociais (DS).

A razão DS/(PIB+ENR) varia de 11,56% em 1994 para 21,42% em 2008.

Em termos absolutos isto não prova a insustentabilidade. Mas, ao contrário de muitos neoliberais que atacam o peso absoluto do estado, a observação de MC que cita chama a atenção para as taxas médias de crescimento. Vejamos qual seria o efeito se se mantivessem estas taxas de crescimento nos 14 anos seguintes, de 2008 a 2022.

Em 2022 o PIB seria de 223281328 mil euros, o PIB*ENR seria de 278762272 mil euros e as despesas sociais seriam de 110606636 mil euros. Isto daria para 2022 um valor de DS/(PIB+ENR) de 39,68% e um valor de DS/PIB de 49,54%.

Considerando que actualmente todo o orçamento do estado andará à volta dos 50% do PIB, chegaríamos a 2022 numa situação em que todo o orçamento do estado iria para as despesas sociais, nada sobrando para a justiça ou para a defesa. Dizer que isto é insustentável não é, só por si, sinal de um ataque ao estado social.

Se considerarmos uma base do PIB em que toda a ENR está incorporada, a proporção baixa para cerca de 40% do PIB+ENR, mas em poucos anos acabará por atingir os 50% do PIB+ENR.

Globalmente a inclusão da ENR ou de parte dela poderia adiar um pouco o problema, mas a longo prazo não é possível ter uma taxa de crescimento das DS tão maior do que a taxa de crescimento do PIB ou mesmo do PIB+ENR.

Anónimo disse...

Meidna Carreira e Daniel Bessa são daqueles pontas de lança da politica de direita cujos resultados são destruição do aparelho produtivo e consequente desemprego e alastramento da pobreza. Depois claro! O PIB não cresce o que devia (exemplo da quinta) e com o aumento do desemprego tem que aumentar a despesa social! Ou não! Ah talvez não! porque realmente a percentagem de desempregados sem direito ao subsidio de desemprego e assustadora. Depois claro! Esta feito o pasto para conversa do peso das despesas sociais no PIB para a caridadezinha! JÁ NÂO HÁ PACHORRA!

Nuno Serra disse...

Caro Carlos,

As projecções suscitam-me sempre grandes reservas. Sobretudo pelo facto de assumirem um carácter determinista, que pressupõe (e estabelece) o imobilismo dos factores em jogo.

De qualquer modo, as projecções têm que ser feitas a partir das tendências de evolução. Ora, voltando aos dados do INE relativos às despesas sociais, a tendência é de descida gradual do crescimento: entre 1995 e 1999 as despesas de protecção social aumentam 9,2%, passando para um crescimento de 7,3% entre 2000 e 2004 e para 4,2% entre 2005 e 2008.
Dizer, a partir daqui, que em breve se chegará a um crescimento nulo parece-me tão implausível como afirmar que em 2022 "todo o orçamento de Estado iria para as despesas sociais".

Tal como não faria sentido projectar, a partir do aumento da ENR entre 1994 e 2008 (de 20 para 22%) que no ano x toda a economia do país acabará por ser economia não registada.

Carlos Albuquerque disse...

Caro Nuno

Estas projecções não fazem política porque são do tipo: se tudo se mantiver então as consequências são estas. Compete-nos depois avaliar a evolução, perceber porque é que houve este tipo de crescimento e tomar medidas adequadas para lidar com a limitação de recursos. É neste ponto, da atribuição de recursos limitados, que se faz política.

Creio que se tem sido injusto com MC pois em geral ele tem chamado mais a atenção para a necessidade de tomar medidas para evitar a insustentabilidade futura. E, embora este discurso possa ser usado para fins ideológicos, em si ele não é ideológico. Se a esquerda se mostrasse atenta a estes aspectos provavelmente o país estaria melhor e a direita teria menos um argumento para atacar o estado social. Aliás a moda dos neoliberais por cá é dizer que qualquer estado social irá sempre crescer indefinidamente.

Ora há um abismo entre dizer que os recursos são limitados para o estado social e tratar o estado social como uma doença. Misturar Daniel Bessa com Medina Carreira parece-me não só injusto como uma má estratégia de defesa do estado social.

Anónimo disse...

Muito bem dito, caro Carlos Albuquerque.

Uma coisa é determinar o que é necessário e justo, outra é fazer as contas correctamente e ver que recursos podem e devem ser afectados.

No caso presente, é óbvio que nunca se consiguerá acabar com a economia paralela mesmo gastando demasiados recursos ou limitando indevidamente a liberdade dos cidadãos.

A primeira questão deve ser então qual a percentagem mínima que é espectável conseguir de economia paralela para cada nível de impostos cobrados, nomeadamente comparando o que se conseguiu noutros países em situações similares. E só a seguir ver o que se pode fazer na prática. Ou seja, estudar o assunto, como o MC costuma dizer.

Não basta querer, é preciso demonstrar que se consegue fazer na prática.

SNG

Nuno Serra disse...

Caro Carlos,

Três breves notas:

a) O ponto essencial deste post apontava para a necessidade de considerar o factor "economia paralela" (cada vez mais relevante) na análise da sustentabilidade do Estado em geral e do Estado social em particular. Tanto Medina Carreira como Daniel Bessa revelam uma sistemática tendência para o ignorar, preferindo apontar baterias para a necessidade de cortes.

b) O tipo de raciocínio comparativo que Medina Carreira faz (valores de variação média do crescimento económico, da despesa pública e da despesa social), para demonstrar a tese da insustentabilidade, pressupõe de facto uma lógica de projecção que - no caso do Estado social - não leva em linha de conta a tendência de evolução recente. Mas é aí, mais uma vez, que as baterias se centram.

c) Ao eleger o Estado social como ponto central da recuperação da sustentabilidade, Medina e Bessa deixam à margem outras dinâmicas bem mais relevantes, como a de processos de endividamento público (as PPP, por exemplo) e privado (o crédito como modo de vida).

Anónimo disse...

Caro Nuno,

Desculpe estar a meter-me no ping-pong Carlos-Nuno mas permita-me discordar de alguns pontos que fez:

Naturmente que a economia paralela é um problema que deve ser combatido. Mas é de duvidar que esse factor seja suficiente para resolver os problemas dos gastos públicos. Nunca será possível eliminar a econmia paralela. Qual a % optimista espectável que se poderá conseguir?

Também por razões demográficas pode-se ter a certeza que o problema tenderá a agravar-se e não a estabilizar. Este factor não pode ser ignorado e possivelmente foi por isso que os alemães subirama idade de reforma para os 67 anos. As despesas de saúde também não terão tendência para estabilizar.

Mesmo descontando a questão da crise internacional, não parece que a despesa pública tenha tendência para crescer menos (note que estamos a discutir ao nível da 2a derivada...)

Sem estudar a sério o problema, sem medo das respostas, não se poderá fazer opções reais, apenas exercícios de wishful thinking.

A dívida externa e a dívida pública estão em níveis elevados, acha que isso não é um problema, que não nos devemos preocupar?

É injusto que acuse o MC de se centrar apenas na segurança social, ele tem clamado sobejamente contra as PPP e outros problemas, nomeadamente o de estarmos sem tempo para alterações demoradas (será necessário aumentar o crescimento mas isso também ninguém sabe bem como...). Mas parece que a esquerda não teve problemas em deixar passar essa obra inútil e ruinosa que é o TGV para Madrid. Pelo menos MC apresenta propostas mais concretas baseadas em números. E sim, acho que ele nem sempre tem razão mas então que se combata as suas ideias contrapondo outras, não ataques pessoais.

SNG

joão viegas disse...

Certo,

O exemplo podia ser afinado ainda mais, para pôr o dedo na ferida. E' que o problema que existe na quinta não é compreensivel sem atentarmos na verdadeira razão do funcionamento deficiente do motor, que é existirem pessoas que vivem com os 25 % de agua desviada. Essas pessoas jamais sobreviveriam sem o poço, que foi instalado na quinta em questão precisamente porque, ao contrario do que elas afirmam para ver se distraem as atenções, é a unica com condições para render.

Portanto a lição a reter da fabula é simples : nunca a evolução da economia subterrânea ao longo das ultimas décadas teria sido possivel se não aproveitasse a muita gente, gente que infelizmente parece ter meios para manter o sistema actual...

Esse fenomeno tem apenas um nome : corrupção...

E por favor, não comecem logo a pensar no Eliot Ness. Nunca foi assim que se combateu a corrupção. Quando ja estamos na fase de chamarmos o Eliot Ness, é tarde e o Eliot Ness ja não chega para resolver o problema...

Boas

joão viegas disse...

Desculpem, não tinha lido (nem li ainda todos) os comentarios. Afinal, o que eu digo ja havia sido dito.

Quanto ao comentador que diz que o Estado não tem recusos proprios, ha que o mandar estudar, mais nada. Repare, não é estudar economia. Estudar, so isso.