quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Leituras para lá do romance de mercado europeu

A análise de Willem Buiter, agora economista-chefe do colosso Citigroup, é clara: as periferias europeias, onde se inclui Portugal, estão insolventes ou para lá caminham. As profecias autorealizam-se nos mercados sem trela: taxas de juro elevadas, austeridade assimétrica permanente, recessão e arranjos institucionais da zona euro garantem o desastre. A reestruturação da dívida soberana é inevitável. Curiosamente, a última vez que uma economia avançada entrou em incumprimento foi em 1948: Alemanha Ocidental. Ironias de uma história económica que não acabou.

Leiam o que escreveu Barry Eichengreen, um dos mais importantes historiadores económicos e até agora um entusiasta da integração europeia: o pacote de "auxílio" à Irlanda é um desastre político austeritário que vai gerar mais desastres económicos sob a forma de uma duradoura e sempre perversa interacção entre deflação e dívida. Entretanto, Filipe González quer que o BCE se comporte como um verdadeiro banco central. É uma das coisas que pode salvar a situação, mas só mandando às malvas os tratados na prática de uma política monetária que deixe de estar separada da política orçamental.

De resto, e como sublinha Henry Farrel, o aprofundamento da integração europeia, necessário para corrigir as assimetrias neoliberais inscritas nos tratados, está totalmente bloqueado, por exemplo, pela exigência de um referendo na Irlanda, uma prática sempre saudável, e pelo Tribunal Constitucional alemão. O que começou mal vai acabar mal. Só no romance de mercado europeu das vanguardas neo(ordo)liberais é que isto podia correr bem, no melhor dos mundos.

5 comentários:

O Puma disse...

No ALL GARVE foi encontrada uma nova espécie de lacraus que só agora vieram à superfície

como se não bastassem os que grassam no poder

cá e lá fronteiras

Anónimo disse...

O funcionamento dos mercados é incerto.

Prova disto é que quem investe num mercado, fá-lo com risco, devido a essa incerteza.

Prova ainda maior é estarmos na crise que estamos.

Donde decorre disto que os mercados tenham alguma espécie de «racionalidade» (agregada), de tal forma que devam ser, como estão sendo, tidos por uma espécie de oráculos?

Terão os políticos perdido a racionalidade colectiva, cegos pela ortodoxia ideológica do culto dos «mercados»?

morfeu disse...

Um pouco fora do contexto da entrada,alguém que me explique o seguinte:A que juro o BCE empresta à banca e qual o prazo...isto porque o Prf. Marcelo no último domingo na tv falou "a tres meses" e ouço p.ex Miguel Portas em entrevista que corre pela net, invocar esse exemplo, sem referir prazos e colocando a questão "Porque não empresta o BCE a um juro acessível, para não dizer o mesmo", ao estado português?

...se o burro sou eu,disparem por favor.
Francisco Torres

Diogo disse...

Tanta ingenuidade embrulhada em pretenso «conhecimento académico» por parte do meu amigo João Rodrigues.

Maquiavel disse...

Bem, em 1948 a Alemanha (a RFA foi criada só em 1949) estava totalmente de pantanas, näo havia maneira de pagar, além de que 1/3 do que restava estava sob ocupaçäo soviética. Näo é bem a mesma situaçäo de agora...

Mas concordo plenamente com a profecias auto-realizadas, parece que os especuladores neoliberais pressentem o fim do ciclo, entä é espremer o limäo até mais näo poder.

Mas pergunto: que medidas de integração europeian necessárias à correcçäo das assimetrias neoliberais estäo bloqueadas? Ter um *real* orçamento europeu, por exemplo? O BCE já está a comprar dívida pública (era hora!), mas o lançamento de "obrigaçöes europeias" depende dos Tratados? Elucide-me neste ponto.

Enfim, este romance está a evoluir para uma comédia, até se tornar numa tragédia. Mas cheira-me que assim que o povo se começar a mexer (em França a "greve inexistente" dura há um mês ou mais, na Grécia, ..., na Irlanda já ferve), a Merkel volta à máxima do Bismarck, para quem às classes mais baixas se deve levantar o nível de vida para que näo se tornem violentas!