terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Onde está a imoralidade?
Vale a pena ver o Inside Job, um bom documentário sobre a grande crise causada pelo neoliberalismo. Esquecendo um certo moralismo sobre os estilos de vida dos especuladores ou a idealização de certas elites políticas europeias, visível nas entrevistas à Ministra das Finanças francesa ou ao Director do FMI, concentro-me em três pontos fortes de um documentário simples, mas não simplista, apenas prejudicado pela legendagem. Em primeiro lugar, uma certa perspectiva que permite localizar a origem estrutural dos problemas económicos actuais nos processos de liberalização, desregulamentação e privatização financeiras iniciados nos anos oitenta e que se generalizaram à escala global nos anos noventa – dos EUA à Islândia. Um processo de financeirização gerador de crises e que contribuiu para o brutal e macroeconomicamente contraproducente aumento das desigualdades. Em segundo lugar, e porque isto nos tem interessado, o documentário sublinha bem o papel de certa ciência económica na crise. As ideias contam nos processos de transformação institucional conduzidos por interesses que se tornaram cada vez mais poderosos. Destaque para as entrevistas a economistas académicos com participação no processo político – Mishkin, Feldstein ou Hubbard: economistas que pugnaram pela liberalização financeira, pela privatização da segurança social ou pelo aumento da regressividade do sistema fiscal. É impressionante ver como não conseguem justificar os conflitos de interesse, as ligações ao sector financeiro ou os estudos por encomenda. É também notável a miopia ideológica face ao desastre eminente por parte de quem tinha responsabilidades políticas e muita influência intelectual. E em Portugal? Por que é que ninguém investiga o fascinante mundo do eixo liberal academia-consultoria-finança? Em terceiro lugar, o documentário expõe com todo o realismo o chamado “governo de Wall-Street”, as passagens dos bancos para o governo e do governo para os bancos, a captura de democratas e de republicanos, do poder político, pelo sector financeiro. Lawrence Summers nas administrações Clinton e Obama é um dos melhores exemplos de um economista de Harvard e de Wall-Street. Pena que não haja o mesmo escrutínio sobre a UE: 15000 lobbyistas em Bruxelas, 12000 em Washington. Em Portugal temos o espírito santo e outros donos do país. Particularmente interessante é a parcialidade do sistema judicial. Ao contrário da narrativa que circula em Portugal sobre a justiça nos EUA e a sua celeridade em julgar os Maddoffs, a incapacidade em investigar a fundo um sistema de predação financeira é bem sublinhada. O poder do dinheiro concentrado corrói sempre as instituições públicas. A origens da imoralidade do sistema financeiro, de que fala Helena Garrido, da ganância financeira, estão nas estruturas da finança de mercado, nas estruturas construídas ao longo de três décadas de hegemonia neoliberal, mas as reformas progressistas parecem bloqueadas por todo o lado. Quantas mais crises teremos de suportar?
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1 comentário:
Queremos um capitalismo melhor ou o fim do capitalismo?
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