A direita e ultra-direita têm uma campanha montada há já alguns anos sobre o aumento dos impostos, que tem contado com o apoio de alguma comunicação social, poucas verdades, muitas mentiras e toda a manipulação. Há vários debates dentro dessa questão, que têm de ser feitos com dados fidedignos. Todos os dados que aqui utilizarei são da Comissão
Europeia e podem ser confirmados aqui. Vamos, então, por partes:
1. O que é a carga fiscal?
A carga fiscal é um indicador relativo que resulta da rácio entre receita fiscal/contributiva e PIB. Este esclarecimento é importante porque a direita frequentemente utiliza a receita fiscal nominal para inflacionar (literalmente) o indicador. A relação com o PIB é fundamental porque a receita fiscal tem de ser obviamente relacionada com a dimensão da economia.
2. Quem aumentou a carga fiscal?
A carga fiscal aumentou continuamente entre 2010 e 2019 (gráfico 1), com excepção dos anos de 2012 (PSD-CDS) e 2016 (Geringonça), mas os ritmos e as causas foram muito diferentes. Em 2011, o orçamento retificativo apresentado por Passos Coelho representou o primeiro grande aumento de impostos, que veio a ser superado pelo famoso "enorme aumento de impostos" aprovado por Vítor Gaspar para 2013. Comparando os balanços gerais dos dois governos (gráfico 2), verificamos que o governo das direitas aumentou a carga fiscal em 4 pontos percentuais do PIB enquanto o governo do PS, suportado pela esquerda, aumentou em 0,5 pontos percentuais, ou seja, 8 vezes menos.
3. Quem aumentou os impostos?
O truque retórico da direita é triplo. A primeira é argumentar que a carga fiscal atual é a mais alta de sempre, ocultando a forma como lá se chegou e, em particular, o seu próprio contributo, de longe o mais importante. A segunda dimensão é a de fingir que ignoram que num sistema de tributação progressiva dos rendimentos (com taxas marginais e médias que crescem com os escalões de rendimento), a receita fiscal aumenta mais do que proporcionalmente em relação ao PIB, mesmo sem alterações fiscais. No caso do IRS, essas alterações existiram, mas foram no sentido descendente.
4. Para quem aumentaram os impostos?
A terceira dimensão tem a ver com a forma como a carga fiscal é distribuída. A direita foge como o diabo da cruz desse debate. É que o governo da direita, que presidiu a um aumento sem precedentes da tributação direta e indireta sobre os rendimentos do trabalho, promoveu, ao mesmo tempo, a maior borla fiscal de sempre aos rendimentos do capital, lamentavelmente, com o apoio do PS. Pelo contrário, com a geringonça, essa borla foi travada (infelizmente, não invertida) e uma parte do aumento de impostos foi revertida com medidas como o IRS familiar, o aumento do mínimo de existência, o aumento da progressividade e redução de imposto através da introdução de dois escalões adicionais, a eliminação da sobretaxa, etc. Em sentido contrário, predominou o aumento do ISP, uma medida sem dúvida problemática mas com outras justificações.
A direita opôs-se a toda esta política, mas montou a maior das suas guerra fiscais contra a introdução do adicional do IMI, um imposto sobre fortunas imobiliárias superiores a 600 milhões (avaliados pelo VPT, 1200 milhões para casados ou unidos de facto com tributação conjunta), uma medida modestíssima num dos países Europeus em que a tributação do património é mais baixa.
5. E depois dos impostos as pessoas ficaram com mais ou menos dinheiro?
Do ponto de vista das famílias, é importante saber se o rendimento depois de cumpridas as obrigações fiscais e contributivas aumenta ou diminui. O indicador relevante para esse efeito é o rendimento disponível (gráfico 3). Os números são eloquentes e mostram bem a dimensão da perda de rendimento das famílias durante o período da troika e da direita e a recuperação que ocorreu com a Geringonça.
6. Para lá da demagogia fiscal
Outra questão é, finalmente, a de saber o que é uma carga fiscal leve ou pesada e sobre quem é a que a mesma incide. E para que serve. A verdade é que a carga fiscal em Portugal, mesmo com o aumento que foi conduzido pela direita, continua bem abaixo (menos 4 pontos percentuais) da que se verifica na média dos países da União Europeia (Gráfico 4). E menos 5 pontos percentuais da média da Zona Euro. Por outro lado, se olharmos para os países no topo e no fundo desta classificação, duvido que a maior parte dos portugueses preferisse imigrar para os países com menor carga fiscal.
A cruzada da direita contra os impostos é direcionada sobretudo para os impostos sobre os rendimentos do capital ou património, o que é uma escolha reveladora, mas também configura um ataque aos serviços públicos que garantem direitos essenciais e qualidade de vida ao conjunto da população, incluindo, por exemplo, os cerca de 50% que não pagam IRS. Melhorar o carácter redistributivo do nosso sistema fiscal pode significar reduzir alguns impostos a algumas pessoas, mas uma política generalizada de redução dos impostos teria impactos profundamente desiguais e seria um caminho para o subdesenvolvimento.
Não tenho qualquer expectativa de que alguém da nossa direita extremada tenha interesse em promover um debate sério sobre a matéria, ocupados que estão com fake-news e discurso de ódio. Fica, no entanto, o contributo para todos os que, independentemente das perspetivas sobre política fiscal, queiram fazer um debate baseado em factos reais.
1. O que é a carga fiscal?
A carga fiscal é um indicador relativo que resulta da rácio entre receita fiscal/contributiva e PIB. Este esclarecimento é importante porque a direita frequentemente utiliza a receita fiscal nominal para inflacionar (literalmente) o indicador. A relação com o PIB é fundamental porque a receita fiscal tem de ser obviamente relacionada com a dimensão da economia.
2. Quem aumentou a carga fiscal?
A carga fiscal aumentou continuamente entre 2010 e 2019 (gráfico 1), com excepção dos anos de 2012 (PSD-CDS) e 2016 (Geringonça), mas os ritmos e as causas foram muito diferentes. Em 2011, o orçamento retificativo apresentado por Passos Coelho representou o primeiro grande aumento de impostos, que veio a ser superado pelo famoso "enorme aumento de impostos" aprovado por Vítor Gaspar para 2013. Comparando os balanços gerais dos dois governos (gráfico 2), verificamos que o governo das direitas aumentou a carga fiscal em 4 pontos percentuais do PIB enquanto o governo do PS, suportado pela esquerda, aumentou em 0,5 pontos percentuais, ou seja, 8 vezes menos.
3. Quem aumentou os impostos?
O truque retórico da direita é triplo. A primeira é argumentar que a carga fiscal atual é a mais alta de sempre, ocultando a forma como lá se chegou e, em particular, o seu próprio contributo, de longe o mais importante. A segunda dimensão é a de fingir que ignoram que num sistema de tributação progressiva dos rendimentos (com taxas marginais e médias que crescem com os escalões de rendimento), a receita fiscal aumenta mais do que proporcionalmente em relação ao PIB, mesmo sem alterações fiscais. No caso do IRS, essas alterações existiram, mas foram no sentido descendente.
4. Para quem aumentaram os impostos?
A terceira dimensão tem a ver com a forma como a carga fiscal é distribuída. A direita foge como o diabo da cruz desse debate. É que o governo da direita, que presidiu a um aumento sem precedentes da tributação direta e indireta sobre os rendimentos do trabalho, promoveu, ao mesmo tempo, a maior borla fiscal de sempre aos rendimentos do capital, lamentavelmente, com o apoio do PS. Pelo contrário, com a geringonça, essa borla foi travada (infelizmente, não invertida) e uma parte do aumento de impostos foi revertida com medidas como o IRS familiar, o aumento do mínimo de existência, o aumento da progressividade e redução de imposto através da introdução de dois escalões adicionais, a eliminação da sobretaxa, etc. Em sentido contrário, predominou o aumento do ISP, uma medida sem dúvida problemática mas com outras justificações.
A direita opôs-se a toda esta política, mas montou a maior das suas guerra fiscais contra a introdução do adicional do IMI, um imposto sobre fortunas imobiliárias superiores a 600 milhões (avaliados pelo VPT, 1200 milhões para casados ou unidos de facto com tributação conjunta), uma medida modestíssima num dos países Europeus em que a tributação do património é mais baixa.
5. E depois dos impostos as pessoas ficaram com mais ou menos dinheiro?
Do ponto de vista das famílias, é importante saber se o rendimento depois de cumpridas as obrigações fiscais e contributivas aumenta ou diminui. O indicador relevante para esse efeito é o rendimento disponível (gráfico 3). Os números são eloquentes e mostram bem a dimensão da perda de rendimento das famílias durante o período da troika e da direita e a recuperação que ocorreu com a Geringonça.
6. Para lá da demagogia fiscal
Outra questão é, finalmente, a de saber o que é uma carga fiscal leve ou pesada e sobre quem é a que a mesma incide. E para que serve. A verdade é que a carga fiscal em Portugal, mesmo com o aumento que foi conduzido pela direita, continua bem abaixo (menos 4 pontos percentuais) da que se verifica na média dos países da União Europeia (Gráfico 4). E menos 5 pontos percentuais da média da Zona Euro. Por outro lado, se olharmos para os países no topo e no fundo desta classificação, duvido que a maior parte dos portugueses preferisse imigrar para os países com menor carga fiscal.
A cruzada da direita contra os impostos é direcionada sobretudo para os impostos sobre os rendimentos do capital ou património, o que é uma escolha reveladora, mas também configura um ataque aos serviços públicos que garantem direitos essenciais e qualidade de vida ao conjunto da população, incluindo, por exemplo, os cerca de 50% que não pagam IRS. Melhorar o carácter redistributivo do nosso sistema fiscal pode significar reduzir alguns impostos a algumas pessoas, mas uma política generalizada de redução dos impostos teria impactos profundamente desiguais e seria um caminho para o subdesenvolvimento.
Não tenho qualquer expectativa de que alguém da nossa direita extremada tenha interesse em promover um debate sério sobre a matéria, ocupados que estão com fake-news e discurso de ódio. Fica, no entanto, o contributo para todos os que, independentemente das perspetivas sobre política fiscal, queiram fazer um debate baseado em factos reais.
12 comentários:
Em relação ao ponto 1 é completamente diferente governar sob o jugo dos credores internacionais, em clima de recessão económica e com défices de 11%, como aconteceu no governo PSD/CDS, legado deixado pelo governo PS de Sócrates, com governar em clima de expansão económica, sem constrangimentos impostos por entidades externas e com as finanças públicas equilibradas, legado esse deixado ao PS pelo governo PSD/CDS (o governo PSD/CDS baixou o défice de 11% para 3% numa legislatura).
Em relação ao ponto 6, o mesmo princípio que se aplica da progressividade fiscal para os indivíduos, deve-se aplicar aos países. Se Portugal tem um PIB per capita baixo, não deve ter a mesma carga fiscal da Dinamarca, com um PIB per capita muito alto. A este conceito chama-se esforço fiscal, e Portugal está em 7º lugar na UE. No gráfico seguinte, tomando Portugal como base de comparação e calculando o esforço fiscal dividindo a carga fiscal pelo PIB per capita de cada país corrigido para os poderes de compra, podemos ver que o esforço fiscal dos portugueses é o sétimo mais elevado da União Europeia.
https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2018/04/25062426/imagem3.png
Mais um ponto. Você tem um erro no ponto 1. A carga fiscal não contempla apenas a receita fiscal, mas a receita fiscal mais as contribuições, tudo sobre o PIB.
O José Gusmão já foi convidado a expor não só a sua opinião como estes factos que aqui apresenta na TV em horário nobre?...
"sobre fortunas imobiliárias superiores a 600 milhões (avaliados pelo VPT, 1200 milhões para casados"
Milhões ou mil euros?
Obrigado pelo debate.
1. As diferenças de contexto que refere são reais, mas não explicam porque é que o governo de Passos Coelho procedeu a uma reforma do IRC que não só baixou as taxas como reduziu por vários mecanismos a base de incidência. Dir-me-á que o objetivo era promover o crescimento. Só que actuar na tributação dos rendimentos do trabalho produziria um efeito bem mais pronunciado, como mostrou a recessão aguda em que o Governo PSD-CDS mergulhou o país na sequência da recuperação em 2010. A escolha de aumentar impostos sobre o trabalho e reduzir sobre o capital foi estritamente ideológica... e desastrosa. A direita baixou o défice, certo, mas aumentou exponencialmente o rácio da dívida, o indicador mais relevante das contas públicas no longo prazo. A geringonça, pelo contrário, conseguiu a maior redução desse rácio da nossa história.
2. Não estou de acordo que esse indicador seja uma boa medida para orientar políticas fiscais. Não se pode comparar medidas de suposto bem-estar que apenas têm em conta carga fiscal ou poder de compra. Na comparação que refere, estão amalgamados países com Estados sociais robustos, em que ainda se inclui o nosso, e países em que os mesmos são incipientes ou inexistentes. Nenhuma medida de bem-estar pode ignorar a presença de serviços públicos essenciais prestado numa lógica de universalidade. Acresce que o esforço fiscal padece dos mesmos problemas de agregação que a carga fiscal, como demonstra o valor da Irlanda. Bem mais preciso sobre a situação económica das famílias é o rendimento disponível.
3. Obrigado pela correção. Embora também se utilize carga fiscal em sentido estrito, o indicador que utilizei inclui a carga contributiva que, aliás, também jogou um papel importante por causa do efeito de criação de emprego.
Que a sanha tributária pertence à esquerda não merece contestação.
Se não saca mais não é por falta de apetite: ou não se atreve ou não a deixam.
1º Depois de um periodo de austeridade forçada o normal seria baixar os impostos. Aumentar os impostos a seguir a um período destes (mesmo que por pouco) não é vitória nenhuma.
2º O último gráfico está completamente errado (onde é que foi desencatar esta informação?). Pode ver no Wikipedia que a média europeia de tax revenue per gdp é de 35.7% enquanto esse número em Portugal é de 37%. (source: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_tax_revenue_to_GDP_ratio )
Desde 1947 que o neoliberalismo se tem apoiado no embuste para promover as políticas que nos trouxeram até aqui.
Começaram por associar os direitos humanos (o maior deles a LIBERDADE), à liberdade de mercados (um dos 4 pilares do neoliberalismo, todos eles constantes dos tratados da UE).
Mais recentemente, o movimento ecologista foi associado ao neoliberalismo e criou-se o mercado do carbono.
O movimento feminista foi associado ao direito das mulheres das ELITES a fazer parte das administrações, esquecendo os restantes 99%.
O movimento LGBT teve idêntica associação, promovendo a ascensão dentro das empresas aos gays das ELITES, esquecendo os restantes 99%.
Idem ao movimento das minorias. De todos os negros americanos, apenas 1 teve direito a ser promovido (a presidente); os restantes 99,99999% esquecidos e uma grande percentagem deles continuam a ser usados como mão-de-obra escrava no complexo prisional-industrial-privado.
Voltando a Portugal, o ataque ao SNS, em curso, esconde o embuste da entrega dos hospitais aos privados.
Se alguém anuncia uma nova estação de metro à porta da Sé, a direita logo se levanta em defesa de 1 estação de metro à porta de cada igreja.
Quando alcançam o poder, o embuste é outro: o dinheiro foi gasto em vinho e mulheres, pelo que não há estação de metro para ninguém e até se vão fechar umas 3 ou 4 das existentes.
Caro José Gusmão,
1. A dívida pública não se reduz no curto prazo pois obedece a uma certa dinâmica. Quando na realidade observamos a dinâmica da dívida pública, verificamos que o governo PSD/CDS travou fortemente o crescimento da dívida e foi em 2015 que pela primeira vez na história do país, a dívida começou a descer. Queira por favor ver: https://www.matematicaviva.pt/2015/08/como-austeridade-colocou-um-forte.html.
É extremamente difícil num clima de recessão económica internacional e com défices de 11%, não adotar medidas de austeridade (quer pelo lado da receita ou da despesa). O aumento da dívida é uma consequência do défice, e o défice não pôde obviamente ser baixado abruptamente no governo PSD/CDS, caso contrário as medidas de austeridade teriam de ser ainda mais gravosas.
2. Se a esquerda adota de forma sacra o princípio da progressividade fiscal para os indivíduos, isto é, uma maior percentagem de carga fiscal para quem aufere mais pois o rendimento disponível continua a ser superior mesmo assim para quem mais aufere; tal princípio não deveria ser também aplicado, quando se comparam os contribuintes de diferentes países? O conceito de esforço fiscal divide a carga fiscal pelo PIB per capita corrigido ao poder de compra, logo parece ser uma melhor forma de comparação.
https://www.aeportugal.pt/pt/media/publicacoes/flash-economico/flash-economico-42019/
Segundo o ponto 2 do artigo "o governo das direitas aumentou a carga fiscal em 4 pontos percentuais do PIB enquanto o governo do PS, suportado pela esquerda, aumentou em 0,5 pontos percentuais".
Ou seja:
Veio o primeiro governo e aumentou a carga fiscal.
Depois vem outro governo, herda o aumento e aumenta ainda MAIS a carga fiscal.
Mas gaba-se porque aumentou menos do que o primeiro.
Está tudo tolo?
Está.
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