terça-feira, 12 de novembro de 2019

Em Portugal será diferente?


Há quem pense que há exagero quando se fala no perigo da ascensão da extrema-direita, um termo aqui usado para designar o fascismo contemporâneo, o neo-fascismo. Sim, a História não se repete, mas há algumas causalidades estruturais bem próximas do que já vimos no século passado, embora operando com um modo e um tempo que é próprio da economia política de cada país. Um nexo causal que a espuma da política, bem trabalhada pelos media, esconde do cidadão comum. 

Vejamos de forma esquemática o que aconteceu nos anos 30 do século XX (=> representa uma relação de causalidade): 

1) retorno à economia política do tempo anterior à 1ª Grande Guerra com restabelecimento do padrão-ouro + globalização comercial e financeira => retoma dos desequilíbrios externos. 

2) moeda em regime padrão-ouro => não há desvalorizações para corrigir os desequilíbrios externos => recurso à austeridade nas finanças públicas + subida da taxa de juro para reter capitais => procura interna contrai, desemprego dispara, salários baixam => importações reduzem, aumenta a margem de lucro nas exportações => reequilibro externo conjuntural. 

3) 'os de baixo' ficam ainda mais pobres, boa parte da classe média é empurrada para o desemprego e a pobreza, agravamento da desigualdade => generalizam-se sentimentos de frustração e ressentimento contra 'os políticos' e 'os corruptos', procuram-se 'bodes expiatórios' (judeus, ciganos, ...). 

Ao mesmo tempo que: 

4) os partidos da 'esquerda moderada' mantêm a sua fidelidade ao padrão-ouro, ou seja, fidelidade às 'contas certas', à austeridade, e às políticas de redução do poder sindical e contenção salarial. 

5) ganha peso eleitoral um partido com discurso anti-sistema, sem programa consistente mas em sintonia com a frustração do povo => eleição-após-eleição, parte do voto da direita tradicional + parte do voto do centro-esquerda + parte da abstenção dos desiludidos com a democracia concentra-se na proposta desse partido, agora com um líder carismático. 

6) enquanto alguma esquerda luta pelo derrube do capitalismo e procura organizar a revolução (assustando a classe média), o 'centro-esquerda' não põe em causa o padrão-ouro => o confronto social e político agudiza-se. 

7) ausência de uma proposta política transformadora, em ruptura com o padrão-ouro, defendendo políticas que respondam às necessidades dos 'de baixo' e da classe média empobrecida => a esquerda revolucionária produz uma retórica de condenação do fascismo e responde à violência de rua das milícias fascistas com idêntica violência => cresce na sociedade o sentimento de insegurança e o desejo de que venha "alguém que ponha ordem nisto". 

8) onde, sob pressão da luta sindical, as elites políticas acabaram por romper com o padrão-ouro, foi adoptada uma política económica favorável ao emprego e foi desenvolvido o Estado social => o fascismo foi derrotado; 

9) onde as elites políticas se agarraram ao padrão-ouro, o capitalismo entrou numa espiral de violência => o fascismo tomou o poder e produziu o desastre que conhecemos. 

Conclusão: 

Hoje, se queremos realmente (não apenas da boca para fora) reduzir a base social e política que alimenta o neo-fascismo, temos de forçar o abandono da política que o produz. Na União Europeia, essa política tem um nome: Euro, o padrão-ouro dos nosso dias. 

Se tem dúvidas sobre este paralelo com o padrão-ouro dos anos 30, leia aqui ou aqui.

10 comentários:

Jaime Santos disse...

Espantosamente, Jorge Bateira, as pessoas parece que gostam do padrão-ouro. Na Itália de que falava recentemente, ou na França, o Euro é popular, tanto assim que a Liga nunca assumiu a saída do Euro abertamente (e substituiu mesmo o Ministro das Finanças do anterior Governo sob pressão presidencial) e Le Pen voltou atrás em França. E em Portugal, o mago das Finanças Centeno foi o Ministro mais popular do Governo anterior!

Talvez porque ainda se lembram da estagaflação dos anos 70. Eu lembro-me de inflação de dois dígitos e de taxas de juro de 17% e com franqueza, não desejo nada voltar a elas.

Dê-me um exemplo recente, se faz favor, de um Estado que tenha implementado políticas de desenvolvimento nacional e que, ou não esteja falido, ou a Direita mais reaccionária não tenha voltado em força ao Poder, ou que não se tenha transformado numa Ditadura: Brasil? Confere. Argentina? Confere, mesmo se vamos ver o que a Esquerda peronista fará agora. Venezuela? Confere e confere. Bolívia? Confere.

Se quisermos ir a um Passado menos recente, então os exemplos são legião. A classe média vive apavorada com estes casos? Pode crer.

E convém ainda lembrar que no RU os defensores do Lexit, com o Sr. Corbyn à cabeça, estão a ajudar a instalar no poder a Direita mais reaccionária desde Thatcher, ou pior, e que se prepara para queimar toda a regulação laboral e ambiental europeia. Que grande vitória da classe operária que isto vai ser! Se o termo 'idiota útil' faz sentido, é seguramente neste caso..

Apresente lá um estudo completo sobre a saída do Euro (e da UE, já agora, sff, porque não há ainda mecanismos institucionais para fazer uma coisa sem a outra) e dos seus custos e benefícios, em lugar de vir para cá com a conversa de que se a História não se repete, pelo menos rima (já o sabíamos)...

Mas como dizia Obama, 'hard things are hard', não é verdade?

Manuel Galvão disse...

Em 1933, o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, emitiu a Ordem Executiva 6102, que proibiu a propriedade privada de moedas de ouro, barras de ouro e os certificados de ouro por cidadãos norte-americanos, forçando-os a vendê-los para o Federal Reserve (FED). Como resultado, o valor do ouro mantido pelo Federal Reserve aumentou de 4 bilhões de dólares para US$ 12 bilhões entre 1933 e 1937.
Assim surgiu o papel-moeda a dizer "Dolar-ouro".
Por pressão americana quase todos os países aliados converteram seus sistemas monetários em moedas ouro. Portugal adotou o Escudo-ouro, também. Em 1944 tudo ficou acordado internacionalmente nos acordos de Bretton Woods.
Este sistema foi imaginado pelo EUA devido ao descrédito a que tinha chegado o Dolar após a grande depressão de 1929, particularmente pelo crash da bolsa de Nova York (Black Friday).
De facto, havendo uma equivalência entre o montante total de moeda em circulação e as toneladas de ouro detidas pelo banco central que emite essa moeda, é mais seguro calcular o câmbio dessa moeda para outras que tenham o mesmo sistema monetário (ouro) e é muito mais difícil aos bancos "criarem" dinheiro a partir do nada, como fazem hoje.
Depois do fim da guerra (só houve uma guerra, que começou em 1914 e terminou em 1945), com o surgimento da guerra fria (principalmente na guerra do Vietname) os EUA gastaram muito mais dólares que o sistema monetário Dólar-ouro aconselhava.
Em 30-06-1963 Kennedy promulga a Ordem Executiva número 11.110, retirando ao Fed o poder de emprestar dinheiro a juros ao governo federal norte-americano. Estávamos em plena guerra do Vietname...
8 anos depois Nixon acaba com o padrão ouro, de novo para endireitar as contas do Dólar, e retira o Dólar dos acordos de Bretton-Woods.

JE disse...

Manuel galvão,um dos múltiplos nicks dessa coisa inenarrável que se chama joão pimentel ferreira, faz uma espécie de resenha.

Infelizmente limita-se a fazer copy paste duma coisa como a infoescola ou da propaganda vinda directamente de Fort Knox. A que adiciona informações assim do género do Reader's Digest.

Uma espécie de vacuidade geral para mostrar servicinho intelektual

Com a assinatura típica da pedantice do sujeito.Ora vejam:
"só houve uma guerra, que começou em 1914 e terminou em 1945"

Não se riam,porque a psicologia evolutiva confirma o facto e o perito em ocultismo joão pimentel ferreira assina por baixo

Passemos a coisas sérias

JE disse...

Espantosamente ( ou talvez não) Jaime Santos vem defender o padrão-ouro. Assim daquela forma maneirinha, não expressando directamente que se fala no Euro

E entra numa competição estilo de quem dá mais e quem é mais popular. Por acaso popular parece ter sido Mussolini ou hitler e veja-se o que deu tal popularidade

Não vale a pena entrarmos no untar a Centeno, daquela forma bacoca e de cócoras como JS habitualmente o pinta.
"O mago das Finanças" tem o peso etéreo da propaganda oficiosa. "O Ministro mais popular do Governo anterior!" ( com ponto de exclamação para passar por coisa séria) tem o peso das afirmações idiotas, género jornal Expresso. Por acaso este considerava Mário Centeno o mais popular no eleitorado da direita (tirando Marcelo)

JE disse...

Acontece que depois não vale a pena sequer continuar a bater no ceguinho, ou seja em JS. Continuamos a ter a mesma cansativa melopeia sobre o paraíso que afinal não o é. É sumamente ridículo e triste ver a que chegaram os que cantavam hinos celestiais ao euro e à UE e que agora estão reduzidos a este papaguear em torno do medo da classe média. Já não vão lá, senão com estes exercícios de pavor e de chantagem.

É que assim não vão mesmo lá. E dão o lugar de mão-beijada à extrema-direita. Como o denuncia o post e como de certa forma cómica JS acaba por o confirmar. Escondido atrás da frustração imensa pelo facto do seu querido Reino Unido ter mandado àquela parte a sua bacoca admiração pela política britânica. Entretanto quem trai os seus é responsável por este facto. E pela engorda da extrema-direita,como inequivocamente os dados confirmam

(Não era este sujeito que andava por aí a papaguear que queria as algemas de Bruxelas? Esta alma de servo servil e de vende-pátrias felizmente que causa engulhos a muita gente)

Em relação aos estudos que cronicamente anda a solicitar sobre a saída do euro. Assim completos e não menos que completos...

Demonstra-se mais uma vez a desonestidade que norteia este tipo de seres, infelizmente. Primeiro porque os "estudos completos" sobre o euro,ficaram-se pela fraude e pela manipulação.Nunca sequer o foram. Pior. Redundaram em fracasso, como se provou e prova com a pífia UE que temos à nossa frente. ( menos para o centro europeu e para as suas oligarquias).
Depois porque já lhe foi dito isso uma série de vezes. JS não lê,não vê e não responde. Prefere continuar a pospegar citações assim do género da aí em cima apontada.

Uma das últimas foi buscá-la a Voltaire. Infelizmente para ele foi um fiasco.

Pode assim ficar com o "hard" de Obama, a adicionar a outras pérolas.

Não é verdade?

Anónimo disse...

Recupero aqui um email que mandei à iniciativa liberal aquando o debate onde o presidente do partido disse que o liberalismo até levava a uma redução da pobreza e que se aplica igualmente aqui, substituindo onde se fala de medidas e políticas liberais pelas medidas concretas sugeridas neste post.

"Descobrir causas quando se observa a realidade sem se fazer experiências é mesmo mesmo muito difícil. Podem fazer qualquer curso introdutório à metodologia experimental para perceber porquê, mas na essência tem a ver com a existência de vários factores que podem ter acontecido em simultâneo com o que fizémos e por isso dá a impressão que o que fizémos teve resultado, mas não teve. Vê-se isso na homeopatia, - a maioria das pessoas que já a tomou juraria que teve efeito, mas em grande parte isso é porque quando o tempo passa muitas doenças passam também por si só. Por isso é que o critério para a eficácia dos medicamentos são estudos experimentais de grande rigor e não estudos correlacionais de diferenças que se observam na realidade. Na homeopatia a variável "parasita" é tempo, na economia pode ser muito mais coisas, nomeadamente o estado geral da economia global, os parceiros económicos, etc. Da mesma forma, vocês podem achar que foram as medidas e políticas liberais que tiveram esse efeito, mas se não existem estudos mais experimentais que variem esse tipo de medidas dentro de um mesmo país de forma aleatória e com um grupo controlo (como nos casos que mostrei do rendimento básico universal), a afirmação "ultrapassaram[-nos] porque implementaram medidas e políticas liberais" não tem evidência válida associada.

Ou seja [...] não devem fazer afirmações causais quando não é o governo que altera directamente a "variável" (como acontece com o salário mínimo)."

JE disse...

Com o devido respeito...

mas que treta infindável sobre a homeopatia agora aparece por aqui?

E que propaganda subreptícia a essa coisa da iniciativa liberal citando um tipo que é assumidamente tão desonesto quanto a sua ideologia?

E que coisa é esta de escrever cartinhas à iniciativa liberal, como se a ideologia desta não fosse o que é, fazendo crer que iria mudar o seu rumo predador só porque alguém desata a arengar sobre a homeopatia?

E que coisa mais estranha essa de se dirigirem a estes fulanos com palavreado desta "qualidade": "vocês podem achar que foram as medidas e políticas liberais que tiveram esse efeito"

Vocês podem achar? Eles acham o tanas. Eles bem sabem o que fazem e como por sua causa o mundo está como está. Mentem sistematicamente. Inventam nicks e perfis falsos. Propalam fake news. São fundamentalistas dos mercados. E não hesitam nas suas alianças com a extrema-direita, quando a situação lhes começa a descambar

Por aqui temos um exemplo muito claro deste perfil,na pele de um tal mister multinick

Anónimo disse...

Ê admirável como não se diz nada em tanta letra por junto, como este exemplo sobre a homeopatia e sobre o neoliberalismo

É o que dá tentar reduzir a economia política a exercícios matemáticos disparatados , pretensiosos e incoerentes.

Faz lembrar aquele pobre ignorante em ciência que, montado na segunda derivada, proclamava que Passos tinha sido o campeão do combate ao desemprego.

Homeopatias políticas e ocultismo desbragado

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Uma dúvida: nos anos 30 do século passado não havia criptomoedas nem, segundo julgo saber, nada que lhes equivalesse. Agora há. Em que medida poderá esta circunstância afectar o evoluir da história?

Anónimo disse...

As criptomoedas devem ser avaliadas sobretudo em duas vertentes.
Uma é como reserva de valor e a outra é como veículo de transferência de capitais independente das fronteiras dos estados.
Quanto à sua função de reserva de valor, o facto de não haver nada, nem estado nem privado que garanta o seu valor deveria ser um aviso. Relacionado com o acima exposto são as variações de cotação das bitcoins que também deveriam inspirar prudência.
Eu diria que o valor de uma criptomoeda está essencialmente na sua utilidade como veículo de transferência de capitais, como irónicamente têm descoberto a Coreia do Norte, o IS e as grandes redes mundiais de lavagem de dinheiro.
Na sua segunda função de veículo de transferência de capitais é elucidativo como a China está restringir fortemente o uso de bitcoins devido à forma como ultrapassam os controles de movimentos de capitais.
Recorde-se também como recentemente o Facebook tentou lançar a ideia de uma criptomoeda emitida pela companhia, para encontrar forte oposição quer pelos regoladores dos USA quer das próprias instituições financeiras clássicas que numa primeira fase anunciaram o seu apoio e depois retiraram apoio ao projecto. A principal questão que se punha era quem é que respondia pela "libra"? A fortuna pessoal do seu CEO? As acções da companhia? Onde estavam as reservas que assegurassem a convertibilidade?
As criptomoedas podem ser instrumentalizadas por forças ultra-liberais mas mais tarde ou mais cedo acabarão por se revelar como um esquema de Ponzi.
Históricamente cheira-me a... TULIPAS!