sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Lutas em tempos financeiros

Os regimes opressivos escondem as desigualdades económicas com pão e circo. Os EUA fazem-no com uma mera ideia: não há classes. Isto explica a auto-imagem nacional enraizada da mobilidade social, que os dados impertinentes tendem a refutar. Uma elite não precisa de se definir pelo sotaque ou pelo sangue para ser tão ossificada como a aristocracia do Velho Mundo. 

 Um dos principais comentadores políticos do Financial Times recomenda a luta de classes como alternativa à infinita fragmentação identitária norte-americana, vejam lá onde isto chegou. Lembrei-me de uma uma velha intuição da economia política radical: as discriminações raciais ou de género, por exemplo, são uma forma de o capitalismo dividir as classes subalternas para reinar. 

Na realidade, as lutas de classes nunca cessaram nos EUA. Afinal de contas, o bilionário Warren Buffett explicou as coisas de forma clara: “a luta de classes existe e a minha classe está a ganhá-la”. E daí as desigualdades económicas cavadas, só com precedentes nos anos 20.

Como Sanders e outros socialistas norte-americanos sabem, a luta dos de baixo contra a elite económica é a melhor forma de criar um “nós” maioritário contra um “eles” minoritário que pode congregar. Como dizia Ernesto Laclau nos anos setenta, o socialismo é a forma mais potente e acabada de populismo.

E eu conheço um velho país, ou aquilo a que por hábito ainda chamamos de país, brutalmente desigual e onde as classes e as suas lutas, o povo e os seus combates, também não existem…

4 comentários:

Geringonço disse...

Quando o auto-intitulado socialista democrático Bernie Sanders apareceu, por volta de 2016, escrevi neste blog que ele representava o repúdio por Neoliberalismo por parte muito significativa da população, disseram-me que não sabia o que estava a dizer, disseram-me que Neoliberalismo estava de pedra e cal e que era isso que a maioria queria...

Continuo a defender, se Bernie Sanders não tivesse sido roubado aquando da escolha do candidato para a presidência dos EUA, Bernie Sanders teria ganho a Trump.

Entretanto, Bernie Sanders apoiou a candidata neoliberal e pró-guerra Clinton como adversária de Trump, como é que correu?...

Dizem que está a acontecer uma revolta dentro do Partido “Democrata”, dizem os progressistas do Partido “Democrata” como Bernie Sanders, Alexandria Ocasio Cortez, Tulsi Gabbard estão a tomar conta do partido...
Será que estão?

Se por acaso o candidato(a) do Partido “Democrata” for, mais uma vez, um neoliberal preparem-se para mais 4 anos de Trump e do seu populismo demagógico...

Jose disse...

Socialismo é isso mesmo:
- inconformado com as diferenças, prefere o pasmo ao crescimento.
- inconformado com as desigualdades, está disponível para por o 'estado' (a matilha de políticos e funcionários) a cavarem diferenças aberrantes para todos os demais.
- inconformado com as desigualdades, garante que os regulamentos são de quase todos mas a Liberdade não é de ninguém.

Sendo o Trump uma besta, espero que os americanos se livrem dele mas mantenham o que os distingue: o repúdio da doutrina dos coitadinhos!

Jaime Santos disse...

A fragmentação identitária deriva de algo que não é reconhecido pelos socialistas tradicionais, a saber, que as desigualdades não nascem iguais. Afinal, a velha solidariedade da classe operária era sobretudo a solidariedade entre homens brancos.

Quantas mulheres, João Rodrigues, é que desempenhavam cargos superiores na URSS? Diga lá... De novo, aquilo era uma gerontocracia de homens brancos...

Essa conversa do povo contra as elites é ideal para apagar uma coisa, os direitos dos indivíduos, levando, muito naturalmente, ao totalitarismo, como os diversos exemplos históricos mostram à exaustão (os fascistas também arrengam contra as elites económicas 'globalistas', que acusam de dividir o povo).

O Socialismo sofre de um pecado original, muito antes de Marx. Ao reduzir a luta política ao combate às desigualdades económicas, esquece-se de todas as outras formas de desigualdade. Mais, liga pouco à autonomia dos indivíduos, que é a coisa pela qual muitos dos movimentos ditos identitários na verdade lutam.

O populismo em todas as suas formas acaba naturalmente por se revelar profundamente reacionário...

S.T. disse...

Elites versus Povo?

Mas onde é que está a dúvida?

Basta consultar os trabalhos de Acemoglu e Robinson focados nas malfeitorias das elites extractivas e trabalhos e críticas derivadas.

Linkezinho didático em apoio:

https://www.jacobinmag.com/2015/10/robinson-acemoglu-inclusive-extractive-poverty-wealth/

Portanto nem é necessário chamar Marx para o barulho.

Os enviesamentos ideológicos de Jaime Santos ou de João Rodrigues são dispensáveis quando se trata de analisar as patifarias das elites extractivas.

Quanto aos populistas, com aquelas ideias "estranhas" de soberania e de controle de capitais, vêm cada dia as suas teses validadas ao nível das grandes instituições internacionais, como por exemplo o IMF/FMI. Não só pelo seu departamento de pesquisa que já há algum tempo chocou as alminhas neoliberais como Jaime Santos ao reconhecer a utilidade e eficiência dos controles de capitais. E até pela escolha que fez para economista-chefe:

https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-01-22/nothing-s-taboo-for-new-imf-chief-economist-first-woman-in-job?srnd=premium-europe

"Another Gopinath research topic is the impact of capital flows. She looked at southern Europe and found a “significant decline’’ in productivity because the money that poured in after the euro’s launch wasn’t allocated efficiently. The IMF, which once considered capital controls taboo, now sees them as potentially useful stabilizers when markets seesaw."

"Outro tópico de pesquisa de Gopinath é o impacto dos fluxos de capital. Ela olhou para a Europa do Sul e encontrou um" declínio significativo "na produtividade porque o dinheiro que entrava depois do lançamento do euro não era alocado eficientemente. O IMF, que em tempos considerou o controle de capitais tabu, agora vê-os como estabilizadores potencialmente úteis quando os mercados vacilam."

Oupss! O que é isto? Populismo no IMF? E curiosamente um "antro de reaccionarismo" torna-se um pouco menos reaccionário. E ainda por cima admite uma mulher como economista-chefe.

Lá se vão as teorias faralhadas de Jaime Santos pelo cano abaixo. LOL

S.T.