sábado, 30 de junho de 2018

Domenico Losurdo


A ideologia e a historiografia ocidental parecem querer resumir o balanço de um século dramático em uma historieta edificante, que pode ser assim sintetizada: no início do século XX, uma moça fascinante e virtuosa (a senhorita Democracia) é agredida, primeiro por um bruto (o senhor Comunismo) e depois por outro (o senhor Nazi-fascismo); aproveitando também os contrastes entre os dois e através de complexos eventos, a moça consegue enfim libertar-se da terrível ameaça; tornando-se nesse meio tempo mais madura, mas sem perder o seu fascínio, a senhorita Democracia pode agora coroar o seu sonho de amor mediante o casamento com o senhor Capitalismo; cercada pelo respeito e admiração geral, o feliz e inseparável casal adora levar a sua vida entre Washington e Nova Iorque, entre a Casa Branca e Wall Street. Estando assim as coisas, não é mais permitido ter qualquer dúvida: o comunismo é o inimigo implacável da democracia, a qual pôde consolidar-se e desenvolver-se apenas depois de tê-lo derrotado. Todavia, esta historieta edificante nada tem a ver com a história real. 

Excerto inicial do artigo “Revolução de Outubro e democracia no mundo”, da autoria de Domenico Losurdo, filósofo e historiador italiano. Losurdo faleceu anteontem aos 77 anos. A melhor forma de homenagear este grande autor marxista é lê-lo e usá-lo. Para quem nunca o fez, este artigo pode ser um bom sítio para começar. Infelizmente, não creio que haja qualquer obra sua editada em Portugal, em linha com grande parte do que há de mais vital nesta tradição, em geral, e nos seus veios mais críticos do chamado marxismo ocidental, em particular.

Para quem, como eu, tem dificuldade com o italiano, a obra de Losurdo está disponível em castelhano (Viejo Topo), em inglês (Verso) ou em português do Brasil (Boitempo). Por coincidência, na passada quarta-feira, fizemos-lhe uma homenagem, no lançamento do livro mais ‘losurdiano’, no método, na erudição e em várias das suas conclusões, que eu conheço em Portugal, o Manual de Sociologia Política, da autoria de João Carlos Graça.

Para alguma editora interessada, eu recomendaria começar pela tradução de duas obras de Losurdo: Liberalismo – uma contra-história e Luta de Classes – uma história política e filosófica. Por aqui, o primeiro livro já foi usado por Alexandre Abreu e o segundo por mim. E já nem falo da ascensão da China, onde Losurdo tem também uma visão relativamente rara nos meios da esquerda ocidental, coerente com o resto de uma obra em contra-corrente. Só conheço outro autor, por sinal italiano, com o mesmo tipo de olhar sobre esta complexa formação social: o economista político Giovanni Arrighi, infelizmente também já falecido.

Depois de se ler Losurdo, a história que se conta do liberalismo não pode ser a mesma. É-se compelido a concluir que o inacreditável à vontade com que gente que se diz de esquerda usa a fórmula “democracia liberal” é apenas o produto da sua submissão a uma poderosa ideologia, a que esquece como o liberalismo foi céptico em relação à democracia, ao poder do povo, ao longo da sua história cheia de “cláusulas de exclusão” elitistas e anti-democráticas e de uma imbricação mais longa e profunda do que se reconhece com o patriarcado, o racismo, o colonialismo ou o imperialismo. 

Depois de se ler Losurdo, passa a ser muito mais difícil excluir da luta de classes a dimensão da luta anti-colonial pela independência nacional. Depois de se ver a filosofia a trabalhar numa obra monumental de reinterpretação da história contemporânea, resgatando-a dos vencedores dos anos noventa, a Revolução de Outubro passa a ler lida sobretudo pelos seus efeitos externos emancipadores.

Se mais não houvesse, e há muito mais na leitura critica, comparativa e contextualizada das ideias enquanto forças materiais, associadas a determinados grupos sociais, isto bastava para afirmar que Losurdo merece ser tão lido por cá quanto o é por outros lados. Isto não quer dizer, naturalmente, que todas as suas análises históricas devam ser subscritas.

Seja como for, tivesse a linha de Losurdo tido mais influência política em Itália e talvez a esquerda desse país não se tivesse transformado na ruína actual.

Vai fazer falta.

13 comentários:

Jose disse...

«a senhorita Democracia pode agora coroar o seu sonho de amor mediante o casamento com o senhor Capitalismo»
Agora?
Nunca esteve separada do capitalismo e tem-no por pressuposto da Liberdade que é a sua âncora.

Anónimo disse...

A âncora de jose já nós a conhecemos

E de ginjeira

Aqui defende os franquistas, os seus crimes e ainda, numa atitude inédita por aqui, pede para se aguentar as consequências de tais crimes horrendos sem se fazer "queixinhas"

https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2018/06/quatro-notas-para-fazer-frente.html

Anónimo disse...

Mas a senhorita democracia continua amancebada com o senhor capitalismo

Pela boca do próprio empreendedor, esse tal que chamam de herr jose:

"Às bestas serve-se a força bruta se forem insensíveis a outros meios" (referindo-se a quem não seguia os seus mandamentos ideológicos)

Anónimo disse...

Ou ainda mais explicitamente as cenas de amor canalhas entre o empreendedorismo e a democracia made in Salazar:

"Não duvido que (os Pides) trinchassem um treteiro badalhoco de vez em quando que a higiene pública também é defesa do Estado"

Só âncoras abjectas as deste tipo.

Anónimo disse...

Mais pérolas do verdadeiro casamento entre o empreendedor jose e a democracia. Em forma de casamento tipo âncora:

"Devia a esquerda estar grata à polícia, pois nunca se viu um revolucionário esquerdista suficientemente convicto sem levar com um cassetete nos cornos. O cassetete vale mais do que uma enciclopédia de loas ao Lenine"

Esta linguagem tipo "cornos" é baixa. É reles, embora bem pior seja a apologia do cassetete de quem anda amancebado com o porrete e o Capital.

Quando todos os sonhos de revanchismo lhe eram possíveis este jose não hesitava nas palavras para declarar o seu amor à democracia.

Eram os "cornos" e o cassetete. E a mãozita levantada na saudação ao ídolo?

Jose disse...

Que grande azia!!!
«Está tranquilo Cuco, não te enerves!
O teu lugar como juiz noutra qualquer gloriosa Frente que reproduza os 'julgamentos' que presidiram às detenções e "sacas" de Madrid, está assegurado.
A ideologia é a mesma, a elevação de espírito coincide, a clareza de propósitos cumpre, o desrespeito pela verdade e pela diferença é o mesmo.»

Anónimo disse...

Este silêncio é mesmo lixado

Não, não se discute o prezado cuco nem a azia do jose. O que se discute mesmo é o casamento entre a senhorita democracia e o senhor capitalismo.

E a enorme âncora que representa para a democracia, no seu sentido mais corriqueiro, este sentir profundo e activo deste herr jose

Parece que se confirmam todos os seus amados preceitos de amante embevecido de Salazar e do porrete.

Ah, este gosto pelos cadáveres está-lhe entranhado desde a mocidade e dele foi ser herdeiro

Anónimo disse...

«Examinemos a história do colonialismo e do imperialismo: o Ocidente apagou os índios da face da terra e escravizou os negros; a uma sorte análoga submeteu outros povos coloniais, mas isso não impediu o Ocidente de apresentar a sua expansão como marcha da liberdade e da civilização enquanto tal. E esta visão acabou às vezes por conquistar e condicionar poderosamente as próprias vítimas que, na esperança de serem cooptados para o seio da “civilização”, interiorizaram a sua derrota, apagando a sua própria memória histórica e a sua identidade cultural."

Domenico Losurdo

Anónimo disse...

"Desde 1989, o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, desencadeou guerras contra Panamá, Iraque, Jugoslávia, Líbia e Síria. Apesar das diferenças entre as guerras, esses países têm duas características em comum: eles são importantes do ponto de vista da geopolítica e têm por trás deles uma revolução feudal e outra anticolonial. Na verdade, frente a essas guerras, os atacantes preferem falar de "operações políticas internacionais". Mas essa linguagem vem da tradição colonial.

No começo do século 20, o presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, uma referência do colonialismo, imperialismo e racismo, gostava de justificar suas intervenções na América Latina precisamente desse modo, referindo-se às "operações políticas internacionais".

É verdade para os dias atuais que os Estados Unidos e seus aliados e vassalos têm celebrado suas guerras como "humanitárias". E de novo somos levados de volta para a linguagem da tradição colonial. Em seu tempo, (o colonizador britânico) Cecil Rhodes (1853-1902) resumiu a filosofia do Império Britânico deste modo: "filantropia, mais 5%". Atualmente, as guerras coloniais e neocoloniais são frequentemente realizadas em nome dos valores e interesses ocidentais. "Filantropia" tornou-se "valores do Ocidente" e o percentual de 5%, tornou-se "interesses do Ocidente".

As guerras desencadeadas pelo imperialismo desde 1989 (depois da vitória na Guerra Fria) causaram dezenas de milhares de mortes; são centenas de milhares de feridos; milhões de refugiados; destruíram países e condenaram ao subdesenvolvimento e ao desespero muita gente. É óbvio que a luta contra essas catástrofes é uma luta de classes pela emancipação. Marx apontou: a barbaridade do capitalismo é manifestada primeiro nas colónias; por isso, a luta contra a dominação colonial e semicolonial é uma luta de classes por excelência.

Jose disse...

A luta de classes é uma coisa terrível!
Essa história da civilização romana e das línguas românicas é uma treta - foi pura luta de classes.
E a influência grega nos romanos é conversa que disfarça ferozes lutas de classes.
Sem falar do cristianismo essa classe invasora que lutou bravamente com a classe dos adoradores de Júpiter.

Vanitas peccata mundi

Anónimo disse...

Vanitas peccata mundi o tanas

A pregação idiota não serve nem para se esconder a crapulice, nem para fazer passar as idiotices de um tipo que se finge passar por idiota para ver se assim passa

Nem a senilidade ou a bebida podem desculpar as atoardas cantadas neste jeitinho de tonto:

A "história da civilização romana e das línguas românicas" e a "influência grega nos romanos"...e o "cristianismo" ...e os "adoradores de Júpiter"

À torpeza das suas cumplicidades junta-se a impotência disfarçada de imbecilidade?

Ouviu este tipo falar que a luta contra a dominação colonial e semicolonial é uma luta de classes por excelência.

E logo o seu espírito de colonialista se reergueu furibundo e naquele jeito de pároco dúbio, começou a rezar os predicados da ordem velha.

Se o deixássemos a seguir viria: "Para Angola, rapidamente e em força". No estilo já da sua Ordem Nova

Pedro disse...

O império marxista soviético também era patriarcal, imperialista e colonialista.

Basta ver o número de mulheres dirigentes na URSS (0) ou a avidez com que uma quantidade de repúblicas se separaram do "irmão russo" assim que tiveram oportunidade depois da queda da URSS apesar de uma política de colonização russificante levada a cabo durante décadas.

A russificação dos países bálticos, Crimeia e Sibéria, com a implantação passiva de colonos russos é a empresa colonialista mais bem sucedida da história do colonialismo moderno - apenas revertida no Báltico por a URSS ter caído antes da conclusão do processo.

Idem para o que se passou no Tibete.

Estas contradições minam o marxismo pela base.

Anónimo disse...

Tanto disparate do Pedro

Mas não faz mal. Apesar de minado pela base pode continuar na sua via do centrista da ordem. Ninguém lhe pede nem para ser marxista nem de esquerda. Nem para votar na esquerda ou no marxismo.

Agora aprender mais história e fazer os trabalhos em prol da santa Rússia ahahah