E mais: que o Parlamento deve adoptar legislativamente o que aí se julgar por bom.
O PS, por vezes, resiste a esta lógica de desparlamentarização (ou por outra, de corporativização do Parlamento), mas na prática acaba por seguir este argumento, porque - por razões diversas, nomeadamente comunitárias - não quer mexer muito na legislação laboral adoptada pela direita. E o diálogo social sempre representa... mais tempo.
Foi isso que aconteceu, também, há dias no Parlamento com os projectos de lei para mudar a legislação laboral. O Governo, depois de o PS ter chumbado com a direita as iniciativas à esquerda, anunciou que, a 23 deste mês, apresentaria um pacote de medidas laborais, que - presume-se - deverá depois baixar à concertação social.
Esta atitude revela três coisas:
A primeira, que esta lógica representa uma transferência de assuntos relevantes para o país de um Parlamento democraticamente eleito por mais de 56% do eleitorado de 9,6 milhões de eleitores, para uma instância não eleita, que representa apenas uma pequena parte desse país. Existem menos de 400 mil empresas e, dessas, as associações patronais apenas representam uns 19% das empresas nacionais, mas sobretudo grandes empresas (16% das micro-empresas, mas metade das grandes empresas). Reveja-se o Livro Verde das Relações Laborais (página 310). E, por acaso - claro está! - as forças mais à direita estão em maioria na concertação social. As confederações patronais tendem a alinhar estrategicamente com a CIP - Confederação Empresarial de Portugal, que marca o ritmo da posição patronal, e - dentre as confederação sindicais - a UGT tende a aceitar geralmente essa intervenção, mediante algumas concessões.
A segunda, que os deputados de direita até podem estar convencidos de que esse seguidismo do Parlamento é a melhor opção, porque - julgam eles - os empresários conhecem melhor os limites das empresas e, por isso, sabem o que é bom para o país. Mas ao fazê-lo estão a contribuir para uma lógica de corporativização do poder, que tem redundado numa governamentalização do diálogo social. Veja-se neste caderno do Observatório sobre Crises e Alternativas o capítulo dedicado às entorses desse diálogo.
A terceira, é que nada disto é novo. É mesmo muito velho. Releia-se Franco Nogueira, Marcello Caetano e o próprio Oliveira Salazar, para perceber como a Câmara Corporativa de então era gerida em prol do que fosse necessário. Forças hoje à direita herdam este tipo de pensamento com mais de 80 anos (!), sem se aperceber do que acabam por defender! Uma subtracção das duas funções, entregues sem luta, obedientemente, a outra câmara, a bem do que o Governo quer.
1950
Perante o avanço da oposição antifascista, António de Oliveira Salazar considera que, para que "a Constituição e o regime durem", é necessário abrigar a ditadura de "golpes de Estado constitucionais", através do reforço da Câmara de domínio patronal, a Câmara Corporativa: "Ora, sendo assim e paralelamente a toda a outra acção, inclusivamente a que tenda a evitar o que uma vez chamei a possibilidade de golpes de Estado constitucionais, entendo se devem rever alguns preceitos relativos à Câmara Corporativa" (Discursos e Notas Políticas, volume IV pag 381/411).
1951
Num parecer da Câmara Corporativa, cujo relator foi Marcello Caetano, essas alterações representavam "uma providência de legítima defesa constitucional e, ao mesmo tempo, um modo de impedir a apresentação de candidaturas fantasistas ou subversivas". "Nos tempos presentes a Nação não pode ficar à mercê de golpes de Estado constitucionais". (João Morais e Luís Violante, "Contribuição para uma Cronologia dos Factos Económicos e Sociais, Portugal 1926-1985, pag 160/65)
1952
E a Câmara Corporativa não era um "adversário". Escrevia Marcello Caetano a Salazar, a 27/11/1952: "A Câmara está em todos os meios com o prestígio devido aos seus trabalhos e compostura. Não encontro voz discordante". (Marcello Caetano, Minhas memórias de Salazar, pag 478/82). Caetano seria designado presidente da Câmara em Novembro de 1953.
1959
Em Junho, já no rescaldo das eleições para a presidência da República, em que o general Humberto Delgado foi o candidato da oposição, inicia-se finalmente a manobra para impedir os tais "golpes de Estado constitucionais". A Assembleia Nacional aprova a lei 2100 que organiza um colégio eleitoral para eleição do chefe de Estado. (Franco Nogueira, Salazar - A resistência 1958/64, pag.84/90). E em finais de Agosto, é o promulgado o disposivo que impedirá os tais "golpes de Estado constitucionais": o chefe de Estado é eleito, não por voto directo, mas indirectamente, por voto dos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corpotativa, representantes municipais de cada distrito ou províncias ultramarinas, mais os representantes dos conselhos legislativos e conselhos de província, num total de 602 membros (Salazar, Discursos e Notas Políticas, volume VI pag 55/74)
16 comentários:
Falta uma avaliação da representatividade dos sindicatos e do seu papel neste novo 'estado corporativo'.
Falha grave!
Segui o link do seu post pois gostaria de saber quais eram as propostas mas a ligação apenas mostra uma lista daas propostas dos vários partidos. Gostaria de saber se as iniciativas a que se refere são as alterações ao banco de horas e ao banco de horas grupal?
Excelente posta
Quando o governo de Passos Coelho, com maioria no Parlamento, quis aprovar a lei laboral, como foi? Não foi a "diálogo social"?
Parlamento = 56% dos Portugueses.
Concertação (anti)Social = 19% dos patrões (50% das grandes empresas), e nem 5% dos trabalhadores (UGT - União Geral de Traidores).
Isto é anti-democrático, isto é fascismo. PSD e CDS defendem um sistema fascista. E o PS não o defende, mas também não o enfrenta.
Quando há debates na TV e artigos nos jornais, perante adeptos do sistema fascista, porque é que nunca nenhum interlocutor da esquerda (portanto, não do PS), em vez de começar com ideologia para aqui e termos não-populares para ali, porque é que não falam claro sobre estes números?
Os acordos na Concertação (anti)Social, em desrespeito ou mesmo violação das vontades da maioria do país, não são democráticos!
E se o PS não renuncia a eles, por pressão da União Europeia, é porque esta também não é democrática.
Democracia-Cristã? Social-Democracia? Centro? Onde? É só fascismo de cara lavada (NeoLiberais a fazerem de conta que são modernos e democráticos).
Haja vergonha! Portugalexit da Zona Euro o quanto antes! Chega de ver a economia a crescer e os trabalhadores a empobrecer! A riqueza a quem a produz!!!
Um PS com vergonha na cara criaria uma Regra de Ghent para aumentar o Sindicalismo (não CGTP nem UGT), e faria como se fez nos países Nórdicos: mais impostos sobre quem deles foge (os mais ricos e mais sem vergonha) e um Estado Social 5 estrelas, para também Portugal se tornar um país desenvolvido, com pouca desigualdade, e erradicação da pobreza.
Ou fazem isto enquanto há gente com paciência em Portugal para partidos tradicionais, ou não faltará muito tempo para perigosíssimos movimentos demagogos tipo 5 Estrelas, a dar voz à democracia direta (foi o que levou à ditadura em portugal), ao egoísmo, ao racismo, aos anti-ciência que são contra vacinas, etc.
Posso dizer o óbvio? Nada disto seria possível se, de duas centrais sindicais, não tivéssemos uma cujo o único préstimo é assinar o que a direita quiser e a segunda que faz o seu número habitual de rasgar as vestes e libertar o espaço de manobra à primeira. Com sindicatos que nos defendessem, esta câmara neo-corporativa já seria menos apelativa ao patronato...
(Rasgar as vestes faz lembrar o paleio dum comentador que a propósito de tudo e nada utiliza tal expressão...sobretudo nos comentários de João Rodrigues e de Jorge Bateira.)
Mas essa história de tentar equiparar as duas centrais sindicais não colhe e cheira mal. Todas as críticas são passíveis de se fazer à actuação da CGTP. Mas que é a única que luta ao lado dos que trabalham isto é um facto. Claro que não é nem perfeita nem chega o seu combate.
Mas uma centralzita para defender as ideias e as defesas do das 21 e 34 seria o ideal para o das 21 e 34. Mas estaria condenada a fazer bem pior do que a UGT. Seria directamente proporcional aos interesses do patronato na sua reduzidíssima expressão.
O óbvio ficaria assim transformado num vestir de vestes de mais uma divisãozinha sindical para gáudio do patronato.
Estado Corporativo era o estado fascista.
O Estado Corporativo. Vem no manual do que é um regime fascista. O jose devia saber isto, já que tem os discursos de Salazar, devidamente engraxados e polidos. Esta sub-literatura inenarrável foi tida pela brigada do reumático ( não se riam por favor) como "clara e lúcida"
A organização corporativa da economia do fascismo suprimia a liberdade sindical, ampliava a esfera de intervenção do Estado ( para controlar o mundo do trabalho e para funcionar como garante da defesa dos interesses privados de meia dúzia de donos disto tudo) e visava alcançar a colaboração dos "sectores produtivos" sob o controle do regime, para alcançar os seus objectivos de poder, preservando a propriedade privada, contribuindo para a sua concentração e instaurando o domínio patronal.
Tenho duvidas que haja muita gente que saiba efectivamente o que é democracia.
"Parlamento = 56% dos Portugueses.
Concertação (anti)Social = 19% dos patrões (50% das grandes empresas), e nem 5% dos trabalhadores (UGT - União Geral de Traidores)."
Essa visão é redutora pois são os patrões os donos das empresas e quem paga salários!
E repito, no governo da troika, a liberalização da lei laboral também não foi feita no Parlamento, e se tivess sido apenas feita no parlamento democraticamente eleito, o que a esquerda não diria da "falta de diálogo social"
Caro José,
Bastava olhar para o link deixado do Livro Verde das Relações Laborais: tem lá a representativa respectiva. Mas o que importa é que os sindicatos, como há-de concordar, estão sempre em minoria proporcional. Por que razão os sindicatos hão-de representar metade da CPCS quando representam bem mais do que os 19% dos empresários?
Mas ora aí está um bom tema para um novo post. Bem haja.
"Essa visão é redutora pois são os patrões os donos das empresas e quem paga salários!"
Ainda não é desta ( mas tentam ) que vence a tese que a posse dos meios de produção confere mais votinhos do que aos demais cidadãos.
Nem é desta que temos que aceitar as ordens dos patrões porque são eles "pagam salários". Quem paga o patrão é quem trabalha para ele. O patrão vive em função da mão-de-obra que emprega.
E em Portugal a distribuição de rendimentos tende cada vez mais para o Capital.
Ou seja, a visão dos donos das empresas como donos da cidadania é um velho axioma da tralha neoliberal. É altura de começarmos a chamar os nomes aos bois e ir desmontando este monte de tretas
"E repito, no governo da troika, a liberalização da lei laboral também não foi feita no Parlamento, e se tivess sido apenas feita no parlamento democraticamente eleito, o que a esquerda não diria da "falta de diálogo social"
Este comentário enferma de dois grandes óbices.
Ignora a realidade.
E ignora o que o autor do post escreveu.
Se no primeiro caso a questão passa por ir estudar mais, no segundo basta ler de novo a posta. Não é difícil, se bem que não se saiba bem onde começa a iliteracia ou termina a manipulação ideológica destes neoliberais assumidos
Caro João
Se bem entendo a concertação social não é órgão em que contem votos mas sim onde contam interesses que desejavelmente visam conciliar-se.
Os votos contam-se para feitura de leis, e tanto melhor se o legislador procurar que as leis regulem interesses conciliados, sempre que possível.
A diferença para a Câmara Corporativa é que esta incorporava um vasto espectro de técnicos especialistas em larga medida não vinculados a interesses que, pelo menos na área jurídica, asseguravam leis claras e exequíveis.
Uma das conquistas de Abril foi a de leis 'que fazem figura' e a ninguém servem ou obrigam; uma espécie de consenso inconsequente.
Se da sua posterior análise desta sociedade cheia de corporações formalmente estabelecidas e reconhecidas vier a resultar a promoção de uma Câmara Corporativa que nos livre do caos legislativo, cometerá acção de elevado mérito.
Repare-se neste mimo:
"A diferença para a Câmara Corporativa é que esta incorporava um vasto espectro de técnicos especialistas em larga medida não vinculados a interesses que, pelo menos na área jurídica, asseguravam leis claras e exequíveis."
Leis claras e exequíveis? Como os discursos claros e lúcidos do bandalho criminoso?
Agora repare-se como as leis pós-Abril são descritas por este tipo: uma espécie de consenso inconsequente.
Percebe-se o que este tipo quer. Quer fazer o elogio da trampa institucionalizada no período do dito Estado Novo, fazendo passar por legislação séria leis que, objectivamente, serviram o corporativismo fascista e que encheram os bolsos aos DDT.
Alguns dos ditos técnicos estavam atolados em interesses que passavam não só pelas comezainas da Legião, como também na chafurdice imunda das negociatas a que tal gentalha se aplicava. A dita gente "séria" despida de interesses as mais das vezes não passava de prostitutas venais em cumprimento dos seus preceitos ideológicos e de classe.E enchiam o bandulho a transmitir aos filhos por herança.
E quer fazer crer que Abril,que pôs fim a um regime caduco, podre, corrupto e clientelar e a uma guerra colonial que nos encheu de vergonha e de sangue, é um "consenso inconsequente"
Mas quer mais. Quer ocultar o significado do que é uma Câmara Corporativa, misturando agora o paleio das corporações, manipulando conceitos e confundindo significados
E ansiará por uma dita cuja.
Como também subscreverá, com requebros suspeitos, a frase daquele que mandava matar e morrer em África, e que abençoava como felizes as nações que nos momentos cruciais da sua vida não eram obrigadas a escolher e às quais a Providência com desvelado carinho providenciada a miséria e o opróbrio.
Livrai-nos do "caos legislativo" e venha aí uma câmara corporativa.
Eis o sonho exemplar que nos mostra como o dito tecido patronal está prenhe destas coisas. Viúvos sentidos dum salazarismo doentio e caduco a aspirar ainda pela vinda da besta
Não me parece que a governança deste nosso país se tenha ainda dado conta do que se passou eleitoralmente! Também não entendo que após o bom uso da confiança eleitoral ainda não tenha sido alcançado na pratica o que a teoria de uma Esquerda convergente agourava. Será que Antonio Costa e quejandos ainda não se inteiraram? Será que a Esquerda (PCP e BE) se tornaram em meros co-pilotos com inconsequentes avisos a navegação? Será que é o uso medicinal da canabis, o direito a eutanásia, o direito dos animais, os fait divers gramaticais de chauvinismos machistas e ou o assedio no trabalho, etc, a realidade o busílis da questão da nossa sociedade?
Meus caros, sem desprimor para as reivindicações acima mencionadas, urge mais do que nunca uma profunda alteração na sociedade portuguesa mas essa passa pelo codigo laboral. Essa é e sempre foi a mãe de todas as questões. O ponto de partida para deixarmos de ter uma sociedade tão desigual. Querem debater os géneros? Então comecem a bater na mesma tecla acerca da gritante imparidade salarial entre homens e mulheres. Querem debater o direito a uma morte digna? Então primeiro insistam incessantemente numa melhor qualidade de vida através de melhores condições de trabalho exigindo as 35 horas semanais para todos. Querem debater o uso de substancias psicotropicas na saude? Pressionem antes com vigor que os nossos profissionais de saúde não tenham que emigrar por falta de condições laborais. Querem mais direitos para os animais? Caramba! Lembrem-se antes das condições sub-humanas de pobreza em que muitos dos nossos concidadãos vivem actualmente com 2 ou mais empregos precários para alimentarem as suas famílias. Desejam alterar o léxico de género? Então façam-no mas não sem antes fazerem um uso constante e sistemático da 3ª pessoa do plural para reivindicarem a alteração do Codigo Laboral.
"O Presidente da República tem “vergonha” da gritante desigualdade social em Portugal e exigiu “uma estratégia de combate à pobreza”. “É uma vergonha nacional”, insistiu Marcelo."
Sem duvida que sinto o mesmo mas e se fossemos todos perguntar ao nosso presidente que mudanças faria no Código Laboral, qual seria a resposta que ele daria? O que acharia ele que essa "estratégia de combate a pobreza" começasse com o aumento geral dos salários em pelo menos 4%, o direito a 25 dias úteis de férias, o combate à precariedade, a negociação coletiva, o direito universal a 35 horas semanais de trabalho?
O governo tem se esquivado ao tema de uma forma que já se torna, no mínimo, preocupante, como se estivesse à espera de Godot esquecendo-se para quê foi lhe dado o voto de confiança.
As sucessivas greves, na 3ª pessoa do plural, são o resultado desse "esquecimento" portanto é já tempo de o governo mexer com os barões da CIP e lembrá-los que Portugal somos nós. Somos nós que para eles trabalha mas também somos nós quem lhes paga.
A.R.A
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