sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Tsipras e Mitterrand


Na noite de 22 de Março de 1983, véspera do dia em que se esperavam decisões cruciais, François Mitterrand pediu conselho a algumas personalidades sobre o que fazer perante a crise que a França enfrentava. A sua política económica de relançamento da economia pela procura interna, num contexto de recessão internacional após a crise petrolífera de 1979, confrontava-se com o agravamento do défice externo e com a especulação levada a cabo pela finança internacional, manifestamente hostil às nacionalizações já realizadas. O mecanismo de taxas de câmbio fixas, no quadro do Sistema Monetário Europeu (SME) da época, estava sob pressão especulativa e já tinha havido duas desvalorizações. Para manter a sua orientação política, Mitterrand teria de abandonar o SME, desvalorizar substancialmente o franco, controlar os fluxos de capitais e acelerar a sua política industrial de médio prazo para substituir importações de equipamento alemão. Teria de aceitar um pouco mais de inflação para estancar o desemprego e, condição central, seria forçado a suspender a participação da França na CEE para poder executar o seu programa político e o do PSF.

Sabemos que Mitterrand decidiu seguir a linha alternativa defendida por, entre outros, Jacques Delors. Preferiu a “política de rigor” (hoje “austeridade”) orçamental e subiu a taxa de juro para atrair capitais especulativos, segurando a taxa de câmbio, desse modo travando a inflação importada e, reverso da medalha, aumentando o desemprego. Ou seja, optou pela livre circulação dos capitais e a recuperação da “credibilidade” da França nos mercados financeiros, desiludindo as classes populares que tinham festejado na Bastilha a sua vitória e deixando cair a estratégia de desenvolvimento industrial já iniciada. A competitividade viria da “contenção salarial” em vez da desvalorização da moeda. Esta guinada política foi então justificada pela necessidade de “fazer uma pausa e comprometer a França com o caminho da integração europeia” para, mais tarde e numa escala superior, se acabar com a especulação através da criação de uma moeda única e da coordenação de outras políticas que levariam à convergência real das diferentes economias. A conquista da confiança dos mercados ficou selada com a reprivatização dos bancos e a liberalização do sistema financeiro francês (ver Liêm Hoang-Ngoc, “Refermons la parenthèse libérale”, La Dispute).

O drama de Tsipras, na noite do referendo que permitiu aos gregos recusar a chantagem e dizer NÃO aos Memorandos, foi estruturalmente semelhante ao de Mitterrand naquela noite de 1983. A sua formação cultural e política foi, tal como a de Mitterrand, profundamente marcada pelo ideal do europeísmo, pela confusão entre nacionalismo e soberania e por um entendimento da globalização que tolhe a iniciativa transformadora à escala nacional. Tendo que escolher entre a ruptura com um projecto europeu que reconhece ser antidemocrático e prejudicial ao povo grego e a manutenção da Grécia num espaço político supranacional, à espera de melhores dias, Tsipras foi fiel aos valores do europeísmo que defendeu nas eleições para o Parlamento Europeu.

A votação do próximo dia 20 é apenas o começo de uma nova etapa na vida política grega. Tsipras bem pode dizer que não tinha alternativa. Ser-lhe-á lembrado pelos ex-camaradas no Syriza que, em momentos cruciais, um dirigente político lidera. Um líder não se sente obrigado a seguir a opinião pública dominante no momento. Encurralado, fez bem ao propor um referendo (por más razões, porque esperava perder para obter um mandato de capitulação) e, depois, tinha a obrigação de ser consequente com o resultado, recusar a austeridade fazendo a pedagogia da saída do euro. Mitterrand ficará lembrado por ter metido o socialismo na gaveta. Tsipras será lembrado por ter dado o golpe de misericórdia no europeísmo de esquerda.

(O meu artigo no jornal i)

8 comentários:

Anónimo disse...

Parece haver diferenças bem diferentes:
Mitterand apesar de tudo ficou (na epoca) com a moeda ou seja manteve alguma soberania para o que desse e viesse.
Tsipras soberania já não tinha e o referendo foi apenas um truque que lhe saiu furado (como refere) e não quis reganhar a soberania mesmo em condições que iriam ser muito dificeis (plano B) como ele percebeu logo com o resultado e depois sem condições foi indo completamente amarrado e jogou outra vez com as eleiçoes para er se o despacham e poder dizer que não fez aquilo que "eles queriam e em que não acreditava". No final, porventura, uma grande confusão mas não importa porque a soberania vem de fora e também se prova que a direita arranja sempre uns aliados onde menos se espera que vão continuar a dizer que blá blá. Tiveram um passaro entre os dedos (situação única) e deixaram-no fugir mas ficam de bem com a sua retórica mas divididos e com uma expressão que se verá.

M.G.P. MENDES disse...

...E o vosso/nosso PCP ao votar o PEC IV continuará a ser lembrado com que epitáfio???

Anónimo disse...

Se Tsipras ficar na História como o coveiro do europeísmo de "esquerda" já não é nada mau. Nessa singular, mas benéfica,obra só numa coisa falhou: o enterro do cadáver veio tarde, pois o morto já cheirava mal. Contudo, um dos cheiros pútridos do dito cadáver connosco,por muito tempo, ficará: a hecatombe dos refugiados sírios e líbios aí está como resultado das belíssimas políticas dos EUA+UE(=NATO) tão fervorosamente apoiadas por figuras da "esquerda" europeísta tão clarividentes como Ana Gomes, Rui Tavares e toda a rapaziada bloquista (ou ex-bloquista) que arrastava as suas sapientes e proféticas crenças pelo defunto "Arrastão". Nesta hora de profundíssima dor pelo seu precoce passamento, aqui fica uma singela homenagem consubstanciada num grande "bem hajam!" pela extraordinária obra produzida.

Jaime Santos disse...

Nao sei se Mitterrand tinha alguma alternativa, mas parece-me claro que Tsipras não a tinha. Era a capitulação ou o Caos. Esse e que e o problema que aqueles que tentam racionalizar a sua decisão com base no seu suposto Europeísmo não conseguem entender. A Grécia não tinha qualquer plano para uma saída do Euro, o próprio Varoufakis confessou que lhe faltava gente para preparar tal coisa. Nao e seguramente com um comité de cinco pessoas que isso se faz. Enquanto continuarem a insistir que a culpa e da Esquerda Europeísta porque não e capaz de abandonar o ideal europeu ou porque não e suficientemente radical (ver artigo abaixo do J. Rodrigues), vão continuar a perder batalhas atrás de batalhas. O problema não e de Ideologia, e de Forca (ou falta dela). As Guerras ganham-se pela forca das armas, e neste caso a arma era a capacidade de um Pais absorver um choque como a saída da Moeda Única sem deixar colapsar a sua Economia. Essa arma a Grécia não a tinha, ponto. E quando um Exercito sabe que vai ser esmagado, a atitude responsável do General que o comanda e essa mesmo, capitular. A luz disto e claro incompreensível porque e que Tsipras enveredou por este caminho a partir de Fevereiro, mas isso e outra questão.

Anónimo disse...

O imperialismo francês tem destas coisas - ajoelha-se de vez em quando perante o vizinho prussiano para não deixar de ser império, mesmo que seja um imperiosinho não faz mal..!
Que necessidade tem o povo grego de ter como parceiro e aliado o exército de Israel?
Que necessidade tem a União Europeia de apoiar as políticas belicistas dos USA/NATO?
Sendo que uma boa parte dos estados da Uniao Europeia compõem a NATO – NÃO TEM POR ONDE ESCAPAR.
Bem, hoje esta tudo claro – são farinha do mesmo saco –
Mas ainda assim… que gozo terão os “manda chuvas ca´ do sitio” em ver, como vimos, seres humanos pedirem um pais, trabalho, agasalho e terem como resposta o cemitério aquático Mediterrâneo?
“Vem pedir, precisamente, aos seus algozes, aos que os desalojaram das suas casas, do seu País.”
Fazem-me lembrar os refugiados húngaros e austríacos
Na 2ª guerra mundial – eles que foram recebidos por ca, hoje negam lugar aos semelhantes. Coisas da porca miséria gerada pelo capitalismo sendo ou não selvagem!
De o “Catraio” respeitosamente

Anónimo disse...

Oh Mendes, ainda não te curaste dessa? Passaram 4 anos, pá! e isto está porreiro!
Então o PEC IV? Queres que te faça um desenho, pá? O PEC IV é (quase), sem tirar nem pôr, o rascunho e rampa de lançamento do "memorando de entendimento" que o arco da corrupção (PS/PSD/CDS) ao serviço durante décadas dos BPN's, BES, Melos e Mota's, assinou com larápios a que chamam investidores/mercados.
Abre os olhinhos...pá. Há mais de 25 anos também dava para esse peditório, mas com o P"s" a resvalar dia a dia para a direita, safei-me do rebanho...

Anónimo disse...

O Mendes nem reparou que o governo PS/Sócrates só caiu pq o primeiro-ministro se demitiu.

Vale a pena ler António Filipe http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2015/09/o-choradinho-habitual-do-ps-sobre.html - um post no facebook que curiosamente ninguém publicou.

E já agora lembrar refraseando uma pergunta de Catarina Martins: O PS, em vez de dizer o que quer fazer pelo país, entretém-se a exigir que a esquerda faça algo pelo PS.

Anónimo disse...

Para que culpar o Sirysa/Tsipras por tal politica?
Para que culpar o Partido Comunista Grego por não aceitar tal politica?
Afinal, nesta guerrilha parvalhona da esquerda, quem fica a ganhar e´ a direita.
Quando as gentes ditas de esquerda, “Isto de esquerda indefinida, não diz nada a ninguém”, cada qual por si, proclama aos “sete ventos” que tem o processo revolucionário em mãos, estão a chamar a atenção para a sua fragilidade social.
“Os actuais dirigentes de esquerda, estendem as mãos para que os ajudem a escapar de tanto suplício por que lhes falta o saber e não tem escrotos para tanto”.
Procurem unir-se em volta do povo!
O vosso partido, o nosso partido, nunca estará primeiro que o povo, porque fazem parte desse mesmo povo!
Se não aceitarem isto como certo…Então aquela de que – O povo e´ quem mais ordena-- não terá sentido—“proletários de todo o mundo uni-vos” torna-se uma aberração.
Mas se verem e acreditarem que tudo isto não faz sentido, que a Historia e´ um embuste, então, gritem ao povo: A Esquerda Unida, O Povo Unido, e´ uma Fraude! De o “Catraio” respeitosamente