sexta-feira, 29 de maio de 2015

O que prepara o PS nas pensões?

O documento “Uma década para Portugal”, escrito pelo grupo de economistas que colaboram com o PS, tem de ser lido e relido com muita atenção, não só porque a escrita é deficiente, mas sobretudo por conter uma proposta para a reforma das pensões que parece ter sido propositadamente camuflada.

Refiro-me à subsecção 4.2.2 (pp. 48-9), intitulada “Compromisso de apoio ao rendimento e redução de restrições de liquidez das famílias”, um título que não refere o essencial. Deixemos de lado o vocabulário da microeconomia convencional que sustenta a análise, baseada numa visão problemática da racionalidade dos seres humanos, e vejamos onde quer chegar.

Muito mais que uma proposta de redução da TSU dos trabalhadores, tendo em vista o relançamento da economia portuguesa pela via do aumento do seu rendimento disponível, pretende-se reduzir as contribuições de trabalhadores com menos de 60 anos, entre 2016 e 2018, para fazer um “ajustamento das pensões num valor actuarialmente neutro para o sistema.”

Assim, a proposta raciocina como se cada trabalhador tivesse uma conta na Segurança Social e, com esta medida, visse transferida uma parte da sua pensão futura para o presente, ficando livre de decidir onde a vai gastar. Os mais necessitados consumirão o acréscimo do rendimento, o que estimula o crescimento. Os mais abonados aplicarão o dinheiro “da forma que entendam mais profícua”.

Nada de novo. Foi uma medida desta natureza que Pinochet adoptou, com o apoio dos economistas formados em Chicago, para liquidar o sistema de pensões do Chile, no início dos anos 80. Aí, a mudança foi radical e concentrada no tempo porque se tratava de uma ditadura sanguinária. Contudo, o método é semelhante.

Repare-se que o texto afirma candidamente que “a medida não tem qualquer impacto nos actuais pensionistas, nem nas pensões a pagar nos próximos 5 anos, já que os trabalhadores com idade superior a 60 anos estão excluídos da medida.” Contudo, porque os descontos de um dado mês são receita para pagar as pensões desse mesmo mês, surge naturalmente a pergunta: e quem paga aos actuais pensionistas?

De forma implícita, a resposta está no último parágrafo: a medida “não tem impacto directo nas metas orçamentais, se enquadrada como reforma estrutural ao abrigo do Tratado Orçamental”. Sub-repticiamente, diz-se que os cerca de 1050 milhões de euros (muito subestimados, segundo Bagão Félix) de pensões correntes podem ser pagos com endividamento público, porque se trata de uma “reforma estrutural” acarinhada por Bruxelas.

Porque será que este endividamento não conta? A razão é simples: na perspectiva da UE, todas as medidas que reduzam ao mínimo os sistemas públicos de pensões de base laboral são boas porque fazem a transição para um modelo radicalmente diferente: pensão pública muito reduzida e incerta porque ajustável à conjuntura, desligada dos salários, calculada como se fosse uma “capitalização” individual das contribuições, a complementar com uma pensão privada, no caso das classes de maiores rendimentos.

Tal como no Chile, o Estado endivida-se para fazer a transição entre os dois modelos. Claro, como diz o texto (com sublinhado), não há “uma alteração do contrato existente com o trabalhador”. De facto não há, nem para os pensionistas actuais nem para os futuros: as pensões por repartição não são pagas na base de um contrato de direito privado, são uma instituição fundada na lei que sustentou o contrato social do pós-guerra e fez da Europa um capitalismo de rosto humano.

Representando o ponto de vista neoliberal, Pedro Romano (blogue “Desvio Colossal”) regozija-se: “Tudo somado, só me resta dar os parabéns a quem teve a ideia. (...) Tudo isto sem ferir sensibilidades socialistas e contornando algumas das objecções políticas que seriam levantadas caso o framing fosse outro.” O acolhimento favorável desta medida em alguns sectores do “bloco central” é revelador. Se for incluída no programa eleitoral do PS, será penoso ver alguma esquerda continuar a defender entendimentos com este “socialismo”.

(O meu artigo no jornal i)

22 comentários:

Aleixo disse...

O ignóbil da "coisa", está nesses acólitos aldrabões
- de gravata, penteadinhos e barba feita, com pose de estadistas ! -

visarem a captura para a economia de casino, (os ditos mercados!)

de "poupanças do riso" do cidadão...para a chora!

Á espera do dinheiro de j o g o , imaginem a... d e s g r a ç a .

Anónimo disse...

Muito bom

De

Jose disse...

Uma coisa +e certa: nada de tocar nas gerações de Abril - heróicos conquistadores da liberdade de meterem a mão no pote que outros haverão de pagar!

Anónimo disse...

ainda há-de aparecer aqui um "comentário" do habitual Jose a falar das abriladas e das pensões dos vôvôs e dessa gentalha que por ser pobre se acha logo detentora de direitos

João disse...

A acção política tem muitas faces. Hoje, é vital esclarecer, informar, apontar alternativas, vencer o obscurantismo mascarado de gigabites e de zaping's inconsequentes. E nessa dimensão de esclarecimento há um aspecto essencial: tem que se chamar cada boi pelo seu nome, apontar responsabilidades, denunciar perversidades, interesses mesquinhos e alinhamentos que, no caso do PS, são, infelizmente, a sua marca essencial, desde Soares com Carlucci, até tudo o mais que se sabe.

Anónimo disse...

Quem se refere ao povo pobre como "gentalha" não merece qualquer crédito.

Anónimo disse...

É instrutivo perceber que por aqui a rapaziada tem as prioridades bem estabelecidas: antes continuarmos a ser governados pela direita que negociar com o PS o ão coerentes com o chumbo do PEC IV ! Não percebo é como depois ainda têm lata para reclamar ! Ou é apenas isso que pretendem: reclamar enquanto os outros governam ?

MRocha

Anónimo disse...

"Quem se refere ao povo pobre como "gentalha" não merece qualquer crédito." Ele não se refere ao povo. Se ler com mais atenção verificará que gentalha, para o autor do comentário, são os pobres. Especialmente os que se acham detentores de direitos!!!

Anónimo disse...

Estas medidas do PS são cópias do pensamento económico (e técnico) de Centeno. Por isso não votarei PS. Não existe programa político no PS, mas sim um arrebanhar de ideias dos 12 economistas. A alguns anos cheguei a ter aulas com Centeno e a ideia para o mercado de trabalho e pensões é o que está plasmado no documento do Partido Socialista.

Anónimo disse...

«Esta coisa de dizer-se socialista atrapalha tudo e todos e, tem muito a ver com a ditadura de Hitler no III Reich que se dizia Nacional-socialistas»
Porque não são somente cidadãos com vontade de Poder, com sede de Poder, com vontade de dominar o seu semelhante?
Ate parece que e´ difícil dirigir e gerir um pais de seres humanos como Portugal e os portugueses…Tao serenos que somos nas nossas reivindicações… Quando tudo parece arder, só sai e´ fumaça… Ao menos deixem-nos adormecer tranquilos…Podem roubar `a vontade! Estejam todos que se dizem ou julgam ser socialistas descansados… e mais os que se dizem ou julgam ser sociais-democratas descansados…em companhia dos cristãos-sociais. Afinal, vão `a missa ao domingo para que? Para que servem os proletas deste mundo? Para que operários e para que reformados? Por Adelino Silva


João disse...

Meu caro Rocha, estou convicto - profundamente convicto, acredite - de que um dos factores em que radica a dominação de partes importantes do eleitorado português reside no efeito de "convergência social" que o PS tem protagonizado, baseado em duas premissas essenciais: um raciocínio de grande basismo no plano ideológico e a mensagem sub-reptícia de que tendo o consumo não precisamos da cidadania. Naturalmente que estas manobras foram fazendo o seu percurso nos anos do crescimento alicerçado no crédito e em que o PS dos dirigentes se instalou - nos negócios, na política de alcova, nos corredores da corrupção e do favorecimento, mesmo no lugarzinho de segunda linha (um deputadozito, uma coisinha assim)- perante o assentimento cúmplice de umas bases essencialmente treinadas para serem acéfalas e acríticas e que por conseguinte passaram a assumir as dores de muito crápula como se fossem as suas próprias dores. Neste momento, importa sobretudo que sejam as bases do PS a questionar-se e a questionar os seus dirigentes em relação ao contributo que esse mesmo PS deu para o estado a que chegámos. Nada pior por conseguinte para essas bases do PS do que continuarem a alimentar com o seu silêncio ou cumplicidade ingénua a mesma teia dominante de dirigentes que conta com eles apenas como quem conta com uma cadeira: como base para se sentarem.

Anónimo disse...

está visto que por aqui não se percebeu que a "gentalha" foi escrita em tom irónico pois é assim que o Jose "fala"

Anónimo disse...

Gerações de Abril?

O que será isso? As gerações que lutaram para o derrube do fascismo em Portugal? Ou a que foi contemporânea do 25 de Abril de 74? A que participou da revolução há mais de 40 anos?

Mas essas estão já reformadas na sua generalidade.O ódio a Abril é tanto que a senha persecutória estende-se até à presente data?

Vejamos outro pormenor maior:"em matéria de segurança social, o PS carrega pesadas responsabilidades.Com efeito, foi um seu Governo presidido por José Sócrates que rompeu o compromisso com a CGTP de que o novo sistema (em principio mais justo) de o valor das reformas depender do conjunto da carreira contributiva teria um período de transição, fazendo entrar imediatamente em vigor, quando esse período de transição era plenamente justificado para não se aplicar de sopetão a nova regra a trabalhadores que estavam perto da reforma.Era bom que aparecessem contas sobre quanto foi roubado aos reformas com esse rasgar de compromisso."
Vitor Dias

Mas há vários pormenores picarescos. A tentativa de colocar gerações contra gerações por parte da extrema-direita, aproveitando as "canduras " do PS.A manifesta incapacidade de compreensão do que está escrito no texto supra-citado. A "ignorância" dos tontos do regime tentando fazer passar a ideia que Portugal não é governado por políticas de direita há largos anos. E que o pote não tem sido assaltado quotidianamente pela cambada dos capitalistas néscios que nos governam e dos seus homens de mão que estão no governo, há mais de 35 anos

Um caso curioso é este. Perante o descalabro do BPN um dos entusiastas dos banqueiros dizia em defesa desta mafia que o que estava em causa eram apenas peanuts.Tal entusiasta era o "jose" e é o exemplo concreto da qualidade do verdadeiro pote e da identificação de quem o assalta

De

Jorge Bateira disse...

Caro MRocha

No que toca a pensões, SE o programa do PS adoptar as propostas de M Centeno e formar governo, teremos uma política de DIREITA. A reforma de 2007 de Vieira da Silva já era de direita, plasmada nas instruções de Bruxelas através do chamado Método de Coordenação Aberto ("soft law").

Anónimo disse...

É isso aí o que está aqui postado. É dar os parabéns à Escola de Chicago e ao Freeman (o Centeno do Pinochet) que tiveram a ideia que o Centeno adoptou e adaptou e na qual o Costa tem uma grande fezada que a Comissão Europeia ordoliberal até à medula vá aceitar como leitura ‘inteligente’ do tratado orçamental. Claro que para a CE isto é inteligentíssimo é como a descoberta do Wally e por isso tem direito à cenoura certamente. A verdade é que o PS disputa com o PSD qual é o melhor a destruir os princípios da Segurança Social com o CDS a assistir todo contente porque sabe que com qualquer um dos dois a privatização é certa. A menos que sejam impedidos.

Anónimo disse...

A redução da tsu dos trabalhadores reduz também a sua dedução para o IRS, logo é uma transferência do orçamento da segurança social para o orçamento do EStado. Ao contrário do IRC o IRS não incide sobre um excedente, e é mais provável que esse pequeno aumento do rendimento disponível venha a ser utilizado numa redução do crédito mal-parado do que num aumento do consumo (logo do iva). O principio de que a um maior risco (precariedade) para o trabalhador deve corresponder uma maior remuneração tem mérito. O problema é que um recibos verdes gera um valor+iva mas só recebe valor-retençãoIRS, ou seja a empresa que contrata um recibo verde só precisa de valor-retençãoIRS para gerar valor+iva... A eficiência dos trabalhadores portugueses é tanta que quando emigram é lhes logo reconhecida.

Anónimo disse...

MRocha, Você não tem bagagem económica nem política para mais, mas gosta de repetir acriticamente as balelas pós-democráticas dos treinadores das bancadas militontas do PS.

Anónimo disse...

Parece nem toda a gente perceber que tem de pagar impostos, principalmente, os mais ricos por se julgarem todos poderosos…ate´ aqui ao meu redor, os vendedores de tudo que seja vendável fazem-nos a pergunta fatal: Com IVA ou sem IVA?
Há trabalhadores que abominam os descontos por que não há equidade!
Pessoalmente não acredito neste “Estado de Direito”. Há Paulos de Tarso por tudo quanto e´ lado…
Um estado dito de direito que se reprime quem produz bens para todos. E´ um estado de ignomínia! Por Adelino Silva

Anónimo disse...

Vamos lá fazer as contas: PSD ou CDS, nem pensar! PS, já é claro aquilo em que se transformou: não, obrigado! então restam-nos, nas próximas eleições, pr'aí uns 20 partidos: parece ter chegado a altura de darmos uma oportunidade aos outros! É que: pior não é possível! então, talvez possam daí vir melhores ventos...

Anónimo disse...

E entretanto, toda a comunicação social já alinhou pela duas alternativas de segurança social. A da Cologação e a do PS.

A verdadeira alternativa, a da CDU (e que será tb a do BE e outros), convocar ao pagamento extra as BAncárias, as Informáticas e as Corretoras que quase sem mão de obra geram milhões de lucro,

aliviando a carga das empresas industriais e agrícolas que geram bens transaccionáveis mas dependem de esmagadora quantidade de mão de obra.

Anónimo disse...

Mergulhados que estamos na “Ignorância Global” o “Folego” para resistir e vencer terá de ser também “Global”. Quanto ao resto, la´ chegaremos a seu tempo…
O processo de formação de antagonismos de classe na sociedade Portuguesa ainda agora começou…
Como em qualquer sociedade capitalista ou dita não capitalista, as Organizações Não Governamentais, os Sindicatos, os Partidos políticos e outras estruturas ditas da civilidade subsidiadas pelo Estado só poderão, quanto muito, amenizar o sofrimento dos necessitados… O que já não e´ mau?! E o Estado Burgues facilita claro…
Os do Arco da desgovernação comem `a Tripa-forra. Como poderia então o A. Costa/PS apresentar “Uma Alternativa Credível”?
Os Rostchilds, os Rockefelers e Soros entre outros não perdoam a quem lhes encurtam os lucros. Por Adelino Silva





Anónimo disse...

Tem alturas em que muitos dos comentários aqui existentes( tipo os do José) cheiram mal e tresandam.
Mas tal gentalha que não se enxerga e que se julga dona disto tudo, há-de ser derrotada.
Vamos ver o que vai acontecer nas próximas eleições. Pode ser que se lixem.