Declaração de Coimbra sobre a Água
«Os representantes do povo de Coimbra democraticamente eleitos declaram que a água é um bem público inalienável, cuja propriedade, gestão e provisão cabe por inteiro à esfera pública e à deliberação democrática, visto que é um recurso do território e um bem essencial para a dignidade humana, sendo um limite intransponível de salvaguarda dos interesses comuns dos povos.
Declaram, ao mesmo tempo, que todas as medidas relacionadas com a organização do uso, provisão e acesso à água devem prosseguir as finalidades anteriores, sendo inaceitáveis e ilegítimas as ações que organizem ou reorganizem o sector para facilitar a sua sujeições a lógicas de exploração financeira privada.
A experiência já demonstrou que a gestão dos serviços de interesse comum e a solidez da democracia aconselham a que se atenda ao princípio da precaução e a que se evite o risco de falhas graves já vistas em domínios cruciais da sociedade e da economia. Entendem também os representantes do povo de Coimbra que é ao poder municipal democrático que cabe o controlo deste recurso, pelo que a municipalização e o papel da comunidades locais deve ser sempre reafirmado.»
A Declaração de Coimbra sobre a Água foi adoptada por unanimidade no passado dia 22 de Dezembro de 2014, pela Assembleia Municipal, sob proposta do movimento cívico Cidadãos Por Coimbra. Para além do seu enunciado, vale a pena conhecer também a intervenção de apresentação do texto da declaração, feita por José Reis, deputado municipal do movimento:
«Este texto afirma uma posição do nosso município mas também se dirige ao país. Está escrito com frases positivas e a pensar no futuro. E revela um momento de grandeza em que uma instituição como a Assembleia soube tratar do essencial e definir princípios claros acerca de um bem tão importante como a água.
Vale a pena lembrar que em 1972 só 40% da população portuguesa tinha distribuição de água ao domicilio e que só 17% dispunha de saneamento básico. A generalização do acesso a estes serviços essenciais foi parte crucial da edificação do Estado democrático e da constituição da democracia económica, social e territorial.
Tratou-se de um extenso processo de infraestruturação que alterou radicalmente as condições de bem-estar e mobilizou muitos recursos. O agente principal de tal transformação foi o poder local, que nisso fundou muita da legitimidade justamente alcançada. De facto, nas primeiras duas décadas depois do 25 de Abril foi pelo investimento realizado através dos municípios e da EPAL, uma empresa pública, que se alcançou o essencial da criação de sistemas minimamente modernos.
Também sabemos que a história da empresarialização e tendencial privatização de um sector assim estruturado vem de 1993, com o decreto-lei 372/93. Ela tem na sua base a distinção entre sistemas em “alta”, capital intensivos, e sistemas em “baixa”, próximos dos cidadãos. Iniciou-se aí o processo de “desmunicipalização”, assim como se abriu a porta à entrada de privados no próprio fornecimento doméstico. Sabe-se hoje que assim se começou a desenhar um quadro em que dominam empresas poderosas, em geral ligadas às de construção civil. Esta lógica de privatização e parcerias-publico-privadas municipais desencadeou um processo, porventura desastroso, de enormes custos. Para isso concorreram contratos que o Tribunal de Contas considerou deficientes por não acautelarem devidamente a quem cabiam os riscos, que ficam sempre às costas da entidade pública, e por promoverem uma enorme sujeição financeira. Revisões, sobrestimação da procura, más estimativas, investimentos excessivos, extensões dos tempos de concessão, revisão das tarifas: eis os ingredientes da nova situação criada.
No entanto, da soma de tudo isto resultou um importantíssimo património, com ativos dos sistemas intermunicipais estimados em mais de 6 mil milhões de euros e com um endividamento de menos de 2,5 mil milhões.»
A Declaração de Coimbra representa, de facto, a afirmação democrática de uma posição de princípio que se reveste da maior relevância. E constitui igualmente, como sublinha José Reis, uma iniciativa que transcende as fronteiras concelhias, dirigindo-se ao país e podendo servir de exemplo para que iniciativas semelhantes possam vir a ter lugar noutros municípios portugueses.
4 comentários:
Deviam estear bem encharcados (mas não de água) estes maduros de Coimbra. Não falta nada e estão a decretar que a água passa a subir as montanhas e o mar a subir para as serranias, tal qual os bêbados da minha terra quando o nevoeiro entrava pelo vale os adeptos do copo corriam para o tasco a gritar: ! Vem aí o mar! quem vai secar tanta auga! Viva a democracia alcoólica da democracia municipal coimbrona ( pois claro, dá melhor rima!)
Parece-me que aguerreiro é que devia soprar no balão :)
aguerreiro...vai desinfectar a seringa que andas a apanhar doenças esquisitas daquelas que comem o encéfalo
Além da agua também a reciclagem(vendida a privados por largos milhões) mostra como os cidadãos e a sua generosa colaboração, quando pensam que o bem é comum, são espoliados quer por "servidores" de interesses próprios ou corporações privadas - no caso por inacção dos cidadãos que amorfos se calam e engolem.
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