segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Uma pergunta aos comentadores da "economia doméstica"

Camilo Lourenço, comentador de economia no Jornal de Negócios, fala-nos da tomada de consciência da situação de crise grave em que nos encontramos:

"Esta alteração do "mood" do País, abrangendo personalidades da esquerda, é nova (até porque se sabe que outras vozes desta área, em privado, já fizeram saber a José Sócrates que a situação é insustentável e que o Governo não pode adiar cortes na despesa). E devia constituir um passo importante para o Governo arrepiar caminho, deixando de empurrar com a barriga: esperar que o crescimento económico gere receita fiscal suficiente para evitar cortes na despesa corrente. Cortando, inclusive, nos salários que paga aos seus servidores (se a Espanha e a Grécia, de governos socialistas, o fizeram...)."

Neste naco de prosa é interessante ver como da constatação de que a situação é grave se passa de imediato à inevitabilidade do corte nos salários dos funcionários públicos. Curiosamente, o texto não especifica se Camilo Lourenço também inclui nesse corte os automóveis, cartões de crédito, telemóveis, viagens em “classe executiva” e prémios anuais que hoje são atribuídos aos altos quadros da Administração Pública (central e desconcentrada), institutos e empresas públicas, incluindo as municipais, hospitais, etc.

Fiquei com esta suspeita: em nome da necessidade de “incentivar” uma gestão eficiente, e também para “segurar” esses quadros de nomeação política não vá eles zangarem-se e passar para o sector privado, Camilo Lourenço eventualmente admitirá que os cortes devem poupar esses rendimentos extra que não estão sujeitos a tributação.

Talvez não ocorra a Camilo Lourenço, acompanhado de algumas boas almas que se julgam de esquerda (Murteira Nabo, Luís Nazaré, etc.), que os níveis de remuneração dos funcionários públicos portugueses são escandalosamente desiguais. E também não lhes passa pela cabeça que a esmagadora maioria dos funcionários públicos não é responsável pela forma como os serviços onde trabalham são (des)governados. A estes comentadores, bem relacionados com os administradores e gestores nomeados pelos “partidos de (des)governo” se não mesmo ocupando um desses cargos, é conveniente meter tudo no mesmo saco e clamar por uma redução geral dos salários da função pública.

Na realidade, esse “corte geral”, a que o próprio governo já se sujeitou para dar o exemplo, é a solução que preserva as escandalosas remunerações que essa gente do topo (e muitos intermédios) recebe por fora da folha de salários. Essas remunerações representam um volume de despesa pública apreciável mas, de forma discreta, estão destinadas a escapar à austeridade.

Depois do que escreveu, Camilo Lourenço deve aos seus leitores um esclarecimento: considera, ou não, as mordomias dos altos quadros, gestores e administradores públicos como o primeiro alvo dos cortes na despesa pública corrente?

Há ainda uma pergunta que gostaria de fazer aos propagandistas da redução generalizada nos salários (e subsídio de férias ou/e Natal) da função pública:
como é que esse corte melhora “as perspectivas de crescimento da economia”, a razão de fundo pela qual os “mercados” estão com dúvidas sobre a capacidade do País para ir cumprindo os seus compromissos?

É que a Irlanda não esperou pelo FMI e, por sua iniciativa, esmerou-se nesses cortes generalizados com um resultado precisamente oposto ao pretendido. E na Hungria e na Lituânia a mesma política de austeridade conduziu a resultados desastrosos. Mas "os mercados", quais deuses sedentos de sangue, dizem-nos que não foi suficiente e é preciso cortar mais. Afinal, qual é a taxa de corte nos salários da função pública que definitivamente melhora “as perspectivas de crescimento da economia”? 20%, … 30%, … 50%?

Está na hora de os comentadores da “economia doméstica” nos explicarem em pormenor como é que os portugueses de baixos rendimentos, através da austeridade sacrificial, se vão redimir do pecado do despesismo e aceder ao paraíso da saída da crise. Até agora esses comentadores não se dignaram confrontar as políticas que propõem com os seus resultados nos países onde foram aplicadas. E como os cidadãos já não podem ligar a televisão sem ser sujeitos à propaganda (sem contraditório) dos cortes na despesa pública (na realidade querem dizer nos salários), pelo menos têm o direito a ouvir uma resposta detalhada a essa pergunta. Será que teremos de esperar sentados?

15 comentários:

Anónimo disse...

Nao sou um génio no que toca a economia, mas para alem do facto evidente dos salarios em Portugal nao puderem ser comparados aos de espanha, será que já passou pela cabeça desses iluminados comentadores que se a populaçao tiver menos dinheiro é impossivel que a economia cresça..
Infelizmente a comunicaçao social de hoje nao passa de uma maquina para ir fabricando conteudos de modo a quando os governos querem tomar uma medida impopular nas sondagens, o publico em geral pensa que era inevitavel... o Sr. Camilo é só mais uma peça dessa maquina

Rogério G.V. Pereira disse...

Subscrevo a pergunta. O grande problema é que estes comentadores são uma praga, não se vislumbrando forma de promover a uma desinfestação eficaz. Habitam parasitáriamente uma imprensa que lhe reconhece extrema utilidade. Vá lá saber-se porquê... (ou será que sabemos?)

José M. Sousa disse...

Manifeste d´économistes atterrés"

maria povo disse...

... se continuarmos à espera que sejam estes "comentadores de (ao) serviço" a abrirem os olhos ao povão, desengamem-se!!!

mas, não poderemos continuar "calados e parados"... como fazer chegar estas mensagens às pessoas???

por mim, punha carros de som em algumas praças histórias das nossas cidades, passando "cantigas para agitar a malta", e esclarecimentos politicos/económicos!!! as pessoas haveriam de ouvir!!!

será que ainda se pode fazer isso??? ou, não é permitido por estar a fazer ruido...?? e com isso agitar a ordem pública?!?!

... nunca se sabe...

Anónimo disse...

Infelizmente são muitos os Lourenços nesta praça.
Todos eles, claro, com a mesma conversa da treta - será que estão em concurso entre si para ver quem diz mais mata ou esfola(!?) ou será que trabalham todos para os mesmos patrões e daí o discurso único(!?).
Seja como for o que eles não esquecem é de estar sempre a mostrar-se na comunicação social. Pode ser que com tanta ciência algum dia alguém os nomeie para um bom lugar.
Tem sido sempre assim com muitos desses comentadores.

Carlos Albuquerque disse...

Os mercados é que nos dizem que é preciso cortar?

Então porque é que continuamos a dar dinheiro a ganhar a esses mercados?

Basta limitarmo-nos a não pedir nem mais um tostão emprestado e pagarmos rapidamente os juros e amortizações para nos livrarmos deles.

Manuel Rocha disse...

:)

Percebe-se que o Carlos Albuquerque não é funcionário público nem tem negócios com o Estado ...

Politikos disse...

Caro Jorge Bateira. Acho que se está a referir às empresas públicas e a alguns institutos públicos e não àquilo a que chama «Administração Pública (central e desconcentrada)». É que nessa automóveis - só de função e apenas para Directores-Gerais, nalguns casos Sub ou equiparados (a maior parte de provecta idade e com várias voltas ao conta-quilómetros), não há cartões de crédito, telemóveis têm um orçamento limitado - por acaso não sei o valor para esses cargos - mas para Chefes de Divisão e Directores de Serviços são €25 mês, viagens em “classe executiva” só as de função e apenas em alguns casos e, claro, não existem prémios anuais.
É que convém distinguir a Administração Pública «de linha» de todo o universo de empresas, institutos, agências, fundações, etc. que se encontram na órbita do Estado... Isso é outra, e bem diferente, conversa...

Carlos Albuquerque disse...

Manuel Rocha

As aparências iludem.

Tal como na física há leis de conservação, também na economia há limites nos recursos. Ora o estado tem estado a gastar muito mais do que o que recebe e é por isso que estamos numa situação crítica.

Os problemas de financiamento do estado não interessam a quem depende do estado, mas ajudam bastante quem quer desmantelar o estado, sobretudo o estado social.

Anónimo disse...

Credo!

Apanhei cá um susto.

Quando vi a imagem do senhor comentador no post, pensei que ia ouvir mais uma missa cantada sobre o "funcionamento" da economia.

Anónimo disse...

...DIZIA O SENHOR HOJE DE MANHÃ QUE AUMENTAR O IVA É QUE ERA BOM, POIS PODIA-MOS SEMPRE EVITAR COMPRAR BENS DE LUXO...MAS ELE VIVE ONDE? E POR QUE NÃO AUMENTAR O IRS NOS ESCALOES MAIS ELEVADOS? E PORQUE NÃO AUMENTAR O IMI PARA IMOVEIS DE VALOR SUPERIOR A 300.000 EUROS, E PORUQE NÃO IMPEDIR AS ENGENHARIAS FINANCEIRAS DOS BANCOS QUE LHES PERMITEM FUGIR AOS IMPOSTOS DEVIDOS, E PORQUE NÃO...IMPEDIR QUE SEJAM OS MAIS DESFAVORECIDOS DE SEMPRE A PAGAR?

Jorge Bateira disse...

Caro Politikos

Provavelmente desconhece o que se passa nas Comissões de Coordenação Regionais e nas gestão dos programas do QREN.
Obrigado pelo comentário.

José Luiz Sarmento disse...

Caro Carlos Albuquerque:

Basta limitarmo-nos a não pedir nem mais um tostão emprestado e pagarmos rapidamente os juros e amortizações para nos livrarmos deles.

Foi o que fez o Lula da Silva no Brasil. Os mercados não gostaram nem um bocadinho, mas tiveram que se conformar. Os brasileiros mais ricos, habituados a não pagar impostos, também não gostaram de financiar esta política. Tenho tanta peninha deles!

Politikos disse...

Caro Jorge Bateira
Delimitou a coisa às CCDR e ao QREN e no que delimitou tem razão. Nas CCDR, apesar de se aplicar integralmente aquilo que eu disse, há empresas públicas que gravitam na sua órbita e em que os respectivos presidentes e vices podem exercer cargos na administração das mesmas, desconheço com precisão se podem acumular; mas caem na esfera das empresas públicas (é tal qual como as empresas municipais); nos QREN e outros programas, os gestores têm de facto um estatuto remuneratório próprio, ganhando creio que até mais do que o próprio PM.
No primeiro caso, são empresas públicas e no segundo eu talvez os classificasse dentro dos fundos autónomos. Nunca por nunca me referiria aos «altos Quadros da Administração Pública (central e desconcentrada)» a qual - reconhecerá - é uma designação demasiado abrangente e injusta para os alvos que está a querer atingir.
Cpts

Anónimo disse...

Sobre os ordenados e benesses na Administração Pública, desculpem lá mas o regabofe começou quando os piratas do PS, do PSD e do CDS, começaram a transformar a Administração em Agências ( de tudo e de nada mas sobretudo de empregos para os seus apaniguados).
Extinguiram inumeras Direcções Gerais (e criaram as tais Agências...)todas elas com niveis remuneratórios mais todas as alcavalas (que não existiam) incomparavelmente superiores aos que anteriormente vigoravam.
Hoje a nivel de direcção é só Gestores Públicos cujas tabelas de vencimento e de tudo o resto nem sequer se conhecem.
Depois dizem que isto foi feito para segurar os bons Gestores.
Miseráveis.!!!!!!
E tudo isto pela mão da pirataria.
Acabem pura e simplesmente com a Administração Pública, seus bandidos.!!!!
É que não faz sentido, por ex, o Estado ter técnicos superiores precisamente para dar pareceres técnicos e depois ir pedir pareceres fora, consultoria, dizem eles, onde se gastam muitos milhões.!!!!
Quanto ao C.Lourenço.Pim, morra o Dantas.!!!!