terça-feira, 21 de setembro de 2010

Indigência intelectual

Os comentários mais agressivos à minha posta de ontem revelam que anda por aí muita gente que se atreve a falar sobre economia a partir de conceitos de senso comum, do estilo "Então não é evidente que é o Sol que gira à volta da Terra?". Ignoram as diferenças entre senso comum, ideologia e conhecimento científico. São uma amostra da indigência intelectual que hoje prevalece no espaço público.

Não perco o meu tempo com quem não sabe do que fala. Prefiro dar a conhecer uma perspectiva da economia política que está excluída da comunicação social.

Hoje chamo a atenção para este texto publicado há dias por Robert Skidelsky. Aqui fica um pequeno extracto:

"Os argumentos do BCE [Banco Central Europeu] parecem-me o raspar do fundo da panela intelectual. A verdade é que não é o medo da bancarrota do governo mas a determinação dos governos em equilibrar as contas que está a reduzir a confiança dos negócios através da degradação das expectativas sobre o emprego, rendimentos e encomendas. O problema não é o buraco no orçamento; é o buraco na economia.
(...)
O problema é que a actual crise apanha os governos em situação de desamparo intelectual porque a sua teoria económica é uma trapalhada. Os acontecimentos e o senso comum levaram-nos aos défices de 2009-2010 mas não os levou a abandonar a teoria de que as depressões não podem acontecer, e que os défices são portanto prejudiciais (excepto em guerra!). Por isso agora competem uns com os outros na pressa em cortar o tubo de oxigénio a que eles próprios ligaram a economia. Os políticos têm de reaprender Keynes, explicá-lo com clareza e aplicar as suas lições, e não inventar argumentos pseudo-racionais para prolongar a recessão."

8 comentários:

JP Santos disse...

Um dos problemas de(ambas)as correntes é que como julgam possuir a solução "mágica" para todos os problemas (para uns assente na contenção orçamental e para outros em políticas agressivas de investimento público) são incapazes de distinguir entre situações diferentes e a não conseguir perceber que a aquilo que pode ser verdade para a Europa no seu conjunto pode não o ser para Portugal. Curioso e louvável por isso que Skidelsky refira no seu artigo que "Let us assume, though, that that the ECB is right and that fears of “unsound finance” are holding back economic recovery. The question still needs to be asked: are such fears rational? Are they not exaggerated in today’s circumstances (except, possibly, in countries like Greece)?".

Carlos Albuquerque disse...

Caro Jorge

Pensa que o governo de Portugal tem condições para aplicar em Portugal os conselhos de Keynes? Será que o governo em Portugal, sem moeda própria e dependente de empréstimos estrangeiros, além de comprometido a limites do défice, pode preocupar-se exclusivamente com aplicar o que Keynes prescreveu?

Ou vamos discutir qual a melhor política ao nível dos grandes blocos enquanto a situação financeira do país resvala para o abismo?

No estará a pensar como a dona de casa que está tão ocupada a discutir a política económica do governo que se esquece que já tem a conta a descoberto e que amanhã talvez não tenha com que pagar o empréstimo da casa ou o supermercado?

Pedro Marques disse...

Estou perplexo com a quantidade de economistas que falam sobre estes problemas e não os sabem resolver nada. É como se houvesse um vírus informático e nenhum dos milhares de engenheiros do mundo o soubesse combater. Das duas uma: ou são incompetentes ou pura e simplesmente corruptos.
A economia actual, que é também aquela que foi forjada há cerca de duzentos anos, é uma falácia, uma mentira que alimenta apenas uma pequena quantidade de iluminados que gerem tudo como se fossemos marionetas.
Mas o tempo está a chegar, meu senhores. Está a chegar a altura em que todas as iniquidades e injustiças e mentiras com quem têm mantido as pessoas na escravatura, serão reveladas, serão percebidas, e todos esses empréstimos e dívidas não servirão para nada, porque o dinheiro apenas vale aquilo que nós deixamos que ele valha. Enquanto que uma maçã será sempre uma maçã, com vitaminas. Não sei se percebem o raciocínio. Será demasiado abstracto?
Tudo para dizer que as próprias parvoíces e irracionalidades que nos conduziram a este estado de coisas não nos vão livrar de nada. A estupidez do nosso sistema monetário será a sua própria queda. O capitalismo selvagem está a comer-se por dentro e nós assistimos, e não posso deixar de sorrir ao ler este debate de ideias completamente inócuo e inconsequente que os economistas conseguem desenvolver. Sejam eles portugueses, americanos, suecos, chineses ou russos. São todos risíveis.
Disponham-se a falar daquilo que realmente vale a pena e talvez possam ser um bocadinho mais úteis a todos.

maria disse...

eu concordo consigo Pedro Marques. a economia actual é pescadinha de rabo na boca e podre. não se pode "crescer" eternamente ,não se pode manter o consumo sempre em níveis elevados e em crescendo de forma a manter os empregos. e com recurso a crédito ainda menos ( mas é isso que defendem , não é ? a banca agradece )
ainda por cima metade , ou mais , das coisas que se consomem , publicitadas como imprescindíveis para a nossa felicidade , não vale uma boa maçã. e fazem da Terra uma lixeira.

Carlos Albuquerque disse...

Caro Jorge

Sobre a indigência intelectual, a minha opinião está aqui.

José M. Sousa disse...

Economia da Irlanda contrai inesperadamente no segundo trimestre

O título desta notícia está errado quanto ao "inesperadamente"; bem pelo contrário, como se vem assinalando neste blog.

Carlos Albuquerque disse...

E o que teria sucedido se a Irlanda não tivesse tomado as medidas que tomou?

José M. Sousa disse...

O que é que teria sucedido? Se fizesse o mesmo que fez a Islândia, se calhar teria conseguido melhores resultados, incluindo no défice...