terça-feira, 13 de outubro de 2015

A lógica do cherne

Se os eleitores do PS não votaram neste partido para que se constituísse «um governo com o PCP e o Bloco» não sabemos. Tal como não sabemos se os eleitores do PSD e do CDS/PP queriam, em 2011, que estes dois partidos formassem governo depois das eleições. Entre os eleitores do Partido Socialista haverá hoje, como é natural, a quem agrada e a quem desagrada o processo em curso de convergência e compromisso, à esquerda.
Mas o que já parece razoável supor é que os eleitores que votaram na coligação PàF não o fizeram para que PSD e CDS/PP viessem, depois das eleições, adoptar o programa eleitoral do Partido Socialista.

Um terreno minado por todos os lados


Ao surgir como actor incontornável de qualquer solução governativa, o PS parece ter sabido transformar uma derrota eleitoral numa vitória política. No entanto, quem julga que os socialistas estão numa posição negocial confortável, desengane-se.

Nas negociações com a direita, dá a entender que o PS conseguiu quase tudo. As direcções do PSD e do CDS mostram-se disponíveis para acolher as principais bandeiras eleitorais dos socialistas: redução do IVA da restauração, maior celeridade na reposição dos salários da função pública e na eliminação da sobretaxa do IRS, recusa do plafonamento da segurança social e defesa da diversificação das fontes de financiamento, recusa do cheque-ensino, reposição dos feriados civis, entre outras. Depois de ter acusado o PS de ter um programa irresponsável e demagógico, os partidos da direita acabam por reconhecer que existem mesmo alternativas à sua própria governação.

Também nas negociações à esquerda o PS parece ter conseguido o impossível. PCP e BE passaram grande parte da campanha eleitoral a distanciar-se do PS, enfatizando as semelhanças entre o programa socialista e as orientações fundamentais da direita. Agora parecem estar dispostos a pôr de lado a oposição de sempre às regras orçamentais europeias e a exigência de reestruturação da dívida, em nome de uma solução que retire a direita do poder.

No entanto, há muito por esclarecer.

Apesar da sua aparente conversão às alternativas, PSD e CDS lá vão dizendo que aceitam tudo para continuar no governo, desde que não seja posto em causa o limite de 3% do PIB para o défice orçamental. Os jornais e os comentadores acreditam que há aqui espaço para aproximar posições, uma vez que até agora o objectivo do governo era atingir um défice de 1,8% em 2016. Acontece que o FMI prevê que o défice seja de 2,8% (e não de 1,8%), isto num cenário relativamente optimista para a economia mundial. A ser assim, a margem de negociação fica reduzida, na melhor das hipóteses, a 0,2%.

E se os cenários menos optimistas dos que os do FMI (aqueles que prevêem uma desaceleração acentuada do crescimento económico global em 2016) se concretizarem? Nesse caso, as finanças públicas irão degradar-se ainda mais e o cumprimento das metas vai exigir novas medidas de austeridade. E o que fará o PS se estiver na oposição? Se aceitar essas medidas, será acusado de compactuar com a austeridade (o que disse que não faria); se não as aceitar e forçar a queda do governo, será acusado de querer desrespeitar as regras europeias (o que também disse que não queria).

Os riscos das soluções à esquerda não são menores. Mesmo que PCP e BE reduzam ao mínimo as suas condições para viabilização de um governo do PS, caso a situação económica se degrade essas condições vão contribuir para colocar as metas orçamentais em risco. Nesse caso, o PS terá de optar entre regressar à austeridade ou desrespeitar os “compromissos europeus”. E se o PS se decidir pela a austeridade, que farão PCP e BE: deixar-se-ão co-responsabilizar pela adopção de políticas austeritárias (destruindo o espaço político que ocuparam nos últimos anos) ou retirarão o tapete ao PS (sendo responsabilizados pela instabilidade política)?

Ou seja, na perspectiva do PS, o sucesso de qualquer das possíveis soluções negociais depende crucialmente da evolução da economia nos próximos anos (o mesmo se aplica ao PCP e ao BE na solução de governo do PS). Alguns observadores atentos afirmam que estamos já a caminho de uma recessão económica mundial. A quebra recente das exportações alemãs é um mau prenúncio para o que se passará na Europa. Num contexto destes, a política mais acertada consistiria em adiar o esforço de consolidação orçamental até que o crescimento económico regresse de forma robusta. Mas nada indica que as lideranças europeias estejam disponíveis para mandar às malvas as regras orçamentas absurdas que insistem em aprovar e fazer cumprir. E não é nada claro que o PS esteja disponível para o fazer à revelia das lideranças europeias, tendo em conta o que tem vindo a afirmar.

O PS e os partidos à sua esquerda marcaram muitos pontos na última semana, mas ainda é muito cedo para fazer a festa. A viabilização de uma alternativa duradoura à governação de direita ainda vai exigir muito destes partidos, mais do que os passos corajosos que já foram capazes de dar.

Pedalar na RTP3


Para quem ainda não se tenha apercebido, o Ricardo Paes Mamede participa, desde a semana passada, no programa semanal da nova RTP3, «Números do Dinheiro». Moderado por António Peres Metello, o programa conta igualmente com a participação de Teixeira dos Santos e Braga de Macedo. A ver, porque a Economia não é uma ciência exacta.

Do afundanço da banca, no PSI-20


Digam o que disserem, a mim ninguém me tira que foi esta notícia de domingo, no Expresso, que ontem provocou a derrocada das acções da banca (Millenium BCP e BPI), no PSI-20.

Que se lixe o TINA mais as eleições

«Virar de página na política de austeridade e na estratégia de empobrecimento»; «defesa do Estado Social e dos serviços públicos»; «relançamento do investimento em ciência, na inovação, na educação, na formação e na cultura»; «um novo modelo de desenvolvimento e uma nova estratégia de consolidação das contas públicas, assente no crescimento e no emprego»; «uma política reforçada de convergência e coesão»; «restituição de feriados»; «política de rendimentos»; «IVA na restauração»; «combate à precariedade»; retirada do «cheque educação e das escolas independentes». Estas são algumas das medidas e domínios em que a coligação de direita parece estar disposta a ceder, em nome da obtenção de um acordo de governabilidade com o Partido Socialista.

É como diz o João Galamba: «PSD e CDS acusavam PS de ter um programa irresponsável e demagógico, que dava tudo a todos (...). A desorientação (...) é tanta que parecem ter mudado radicalmente de opinião e até já admitem governar com esse programa».
Acabou-se pois o TINA. Afinal há alternativas e as medidas do programa eleitoral socialista tornaram-se, num ápice, «compatíveis» com a estratégia política da direita. Tudo a bem da pátria, claro está. O ajustamento e os sacrifícios, nos últimos quatro anos, foi só por brincadeira.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Ainda mais necessário

Não é por acaso que um dos objectivos mais referidos nos últimos meses por todo o arco austeritário, nacional e europeu, tem sido o da «estabilidade». Os eleitores responderam, na sua maioria, que estão mais interessados numa outra estabilidade: não esta, parada e fechada, mas uma outra, a do movimento e da construção de alternativas possíveis. Alternativas possíveis, com tudo o que isso tem de abertura e de incerteza. É isso a política em democracia (...) Os resultados das eleições legislativas recuperam, na esfera da representação parlamentar, espaços de negociação e de compromisso que aliviam parte das imposições da legislatura anterior. Mas, sobretudo porque o diktat europeu não se alterou (quando pressionado, só se absolutiza), o debate político e a prática política terão de continuar, entre os cidadãos como entre os seus representantes eleitos, a ocupar todos os espaços em que possa informar, analisar, debater, juntar forças. Quando a União Europeia só dá duas hipótese, mais austeridade ou saída do euro, aceitamos sacrificar a vida de mais e mais concidadãos, de qualquer um de nós, ou juntamo-nos, nas ruas e onde bem entendermos, e fazemos política?

Sandra Monteiro, Viva a Política, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Edição de Outubro de 2015. No actual contexto político, um projecto editorial que dá espaço ao debate plural e qualificado entre as esquerdas é ainda mais necessário.

domingo, 11 de outubro de 2015

Registo de uma semana boa

1. À direita, o pessoal está nervoso, muito nervoso. E isso é tão bom de sentir. Basta ouvir Paulo Rangel no "Expresso da Meia-Noite" ou ler os comentadores do Expresso, todos a ter de usar tantas palavras para excomungar um governo à esquerda que quase nem é preciso esforçarmo-nos para rebatê-las. Pressente-se o medo que os torna ridículos, como aquele alerta ao PS de que, se se meter com os comunistas, vai ser "espremido". "Não entendo o que ganha o PS com isso", disse Helena Garrido. José Gomes Ferreira já veio avisar que os mercados podem não gostar e que as taxas podem subir... Assim, sem peias, sem perceber que deu voz à chantagem contra a democracia e que a verdadeira soberania reina algures. Podemos votar se votarmos no que nos mandam. Como se ser capturado por uma ideologia de direita fosse o cartão necessário para entrar num clube privado, cheio de palmadas nas costas.

2. Mas há um argumento que é estranho e que - ainda por cima - é repetido à exaustão: o de que os comunistas não respeitam os tratados europeus. Porque é quase como dizer que os tratados europeus - quaisquer que eles sejam - são um fim em si mesmo. Como se assiná-los fosse o sinal de que pertencemos a um dada grupo, a uma civilização e não fosse, antes, um meio instrumental para atingir certos fins, como um crescimento sustentável e uma vida melhor para todos. Se os tratados europeus criam obstáculos àqueles objectivos maiores, se calhar todos - mesmo o pessoal honesto de direita (a direita nem sempre defendeu o centro da Europa) - consigam fazer esse percurso intelectual e, quem sabe?, chegar à conclusão de que os tratados europeus - desde Maastricht - são estúpidos, do ponto de vista económico e até do ponto de vista dos objectivos comunitários. Quem sabe?

3. Mais estranho ainda é o argumento alegado pela coligação de direita sobre a reunião com o PS, ao estranhar que o PS não trouxera exigências para um acordo. Mas afinal não é a coligação que está em estado de necessidade, de ter de encontrar um acordo de Governo, porque não tem a maioria no Parlamento? Quem quer comprar uma casa, faz ofertas de preço.

4. Mas - mais que tudo! - sabe bem ver as novas caras de Pedro Passos Coelho e de Paulo Portas em minoria.

Até pode ser que nada se concretize, que as pressões sobre Costa sejam intoleráveis. A demissão de Sérgio Sousa Pinto é apenas o início de muitas que se seguirão. Antevejo já António Vitorino a precipitar-se contra um governo de esquerda. Mas a sensação de que é possível outro caminho, que a direita pode sair do Governo, que esta política de austeridade pode ser revertida, vale muito. Foi uma semana inédita e espero que continue.

sábado, 10 de outubro de 2015

Leituras


«Escreve Rui Ramos sobre a hipótese de um governo de esquerda: "Talvez a Constituição não o impedisse, mas à luz da tradição política nacional e das expectativas dos eleitores seria um autêntico golpe de Estado". Pois é, só que um golpe de Estado (ainda para mais um "autêntico", que o homem não faz por menos) é o que é feito contra a Constituição. Quanto à tradição política nacional, cada um tem a sua, como, de resto, é até relativamente bem sugerido num livro chamado "A Segunda Fundação", de que Ramos não desconhecerá o autor.»

José Neves (facebook)

«Instalou-se em Portugal uma ideia perversa: que desde que um partido ou coligação fique em primeiro, transformando as eleições numa mera corrida, uma minoria tem direito a governar contra a vontade da maioria. Ora esta ideia é o oposto da democracia. Numa democracia representativa a maioria dos deputados representa a maioria dos eleitores. E nunca um governo pode governar contra a vontade da maioria dos que foram eleitos.»

Daniel Oliveira, Em democracia manda a maioria

«No nosso sistema, cabe aos partidos interpretar o mandato que o povo lhes deu e agir no respeito desse mandato. O PS disse claramente que queria um mandato para governar diferente de e sem Passos Coelho. Ao afastar-se disto desrespeitaria o voto que pediu. Pode respeitar esse voto na oposição ou formando uma maioria nova. E é aqui que a história está a acontecer. (...) António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins têm uma tarefa histórica em mãos. Ou a realizam com sucesso ou são esmagados por ela e fica tudo como dantes.»

Paulo Pedroso, Com mandato para descontinuar governo de Passos Coelho, a nova maioria terá que formar-se em bases sólidas

«Ouvir António Costa na Soeiro Pereira Gomes a admitir um “trabalho sério” para “dar expressão institucional à vontade popular” é um acontecimento histórico. Em simultâneo, ouvir Jerónimo a garantir que o PCP em caso algum derrubaria um governo PS é outro. É possível que António Costa chegue a primeiro-ministro com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda? Para os fanáticos da série dinamarquesa “Borgen”, isto pode soar familiar. Birgitte Nyborg, líder do partido Os Moderados, não ganha as eleições, mas torna-se primeira-ministra por ser a única que tem capacidade de fazer um acordo de governo que garanta maioria no parlamento.»

Ana Sá Lopes, António Costa poderá ser Birgitte Nyborg?

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Não há coincidências?

Na presente estratégia de reforma da zona euro uma das principais propostas diz respeito à criação de um mercado único de capitais. A Comissão Europeia defende que o que é necessário é ter um mercado de capitais mais aprofundado e unificado à escala europeia, à imagem dos EUA ou do Reino Unido. Trocado por miúdos, quer construir novos mercados de títulos de dívida que respondam às necessidades de financiamento das empresas, particularmente as de pequena dimensão que estão hoje excluídas deste tipo de mercado, continuando dependentes da banca. As pequenas e médias empresas serão avaliadas no seu perfil de risco de forma homogénea à escala europeia e, através da notação (rating) que conseguirem, poderão emitir obrigações transacionáveis, que, por sua vez, poderão ser combinadas em tranches com diferentes níveis de risco por parte da banca de investimento. Onde é que já vimos isto?

Já vimos isto no processo de titularização das dívidas hipotecárias transaccionadas em mercado que tão bons resultados deram (sim, a crise financeira internacional começou neste mercado). Embora tal proposta seja vendida como uma homogeneização do acesso à finança, que ultrapasse a actual fragmentação nacional, as consequências para a economia portuguesa podem ser muito graves. Por um lado, estimula-se a reconversão da banca do seu tradicional papel de arrecadação de depósitos e concessão de crédito para uma banca de investimento, que organiza emissões de títulos, além de se promoverem as zonas sombrias do sistema financeiro (lembram-se do papel comercial do BES?).

Ora, à banca portuguesa faltam unhas para tocar esta guitarra. Por isso a pressão para as fusões e aquisições ao nível europeu, desejada pela UE, aumentará e terá os “pequenos” bancos portugueses como vítimas. Por outro lado, as pequenas e médias empresas portuguesas (e, já agora, as grandes) estão altamente endividadas. Qualquer perfil de risco de crédito, irá colocá-las numa posição competitiva inferior às suas congéneres europeias. O que elas precisam na verdade é de uma banca que perceba bem o seu negócio, a sua viabilidade operacional, e que conceda crédito numa base mais relacional e menos estandardizada.

Contudo, surpresas das surpresas, a banca e os seguros nacionais reagiram com quase euforia a esta proposta. Pode ser só miopia ao ver novas oportunidades de negócio. No entanto, tem de se olhar para o outro lado deste novo mercado para se perceber a euforia. O outro lado é a transformação das famílias em investidores neste mercado, desviando as suas poupanças dos depósitos para o mercado de capitais, onde se cobram chorudas comissões.

No caso português, o sector financeiro nacional queixa-se do actual sistema de Segurança Social como um bloqueio à emergência de fundos de pensões que apostem neste novo mercado (vale a pena sublinhar que os fundos de pensões existentes são extraordinários veículos de exportação de capital de Portugal para o estrangeiro). Estas queixas foram publicadas em Maio. Uma das propostas da coligação governamental este verão foi a recuperação de uma proposta com mais de 15 anos: o plafonamento das pensões. Não há coincidências, pois não?

Bom sinal


A declaração de Jerónimo de Sousa sobre a reunião do PCP com o PS deve ser escutada com atenção, em particular pelos que ainda alimentam, em sectores do campo intelectual progressista, por exemplo, preconceitos anti-comunistas, de onde de resto não tem estado ausente, aqui e ali, uma irritantíssima condescendência de classe.

Esta declaração de abertura negocial, que aparentemente terá surpreendido muita gente, confirma duas ideias. Em primeiro lugar, só quem tem um horizonte estratégico claro e, na minha modesta opinião, fundamentalmente correcto, pode ter a flexibilidade para intervir na complexa conjuntura política que se abriu depois das eleições sem tentar perder de vista os interesses e os valores essenciais. Em segundo lugar, e seja qual for o seu desenlace, todo este processo negocial será bastante pedagógico e clarificador, indicando que os comunistas são uma componente necessária, se bem que naturalmente não suficiente, de qualquer alternativa séria para este país.

Entretanto, a malta da política dos grandes negócios, que andava relativamente caladinha na comunicação social, começa a agitar-se, pressionando a favor do bloco central dos interesses. Bom sinal.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Robin dos Bosques ao contrário

Agora que se deram início a um rol de conversações entre partidos à esquerda com vista à discussão de uma política concertada no Parlamento, gostaria de trazer aqui uma afirmação recente do Carlos Farinha Rodrigues sobre o resultado da política de austeridade seguida nos últimos tempos.

"Todos os decis registam um decréscimo do seu rendimento disponível como consequência da profunda crise económica e das políticas seguidas. O rendimento dos 10% mais ricos regista um decréscimo de cerca de 8%. Os rendimentos dos decis 3 a 7 descem menos de 7%. O rendimento dos 10% mais pobres diminui 24%!"

Sair do aquário, chegar às massas

1. O Ricardo Paes Mamede já se referiu aqui à eficácia do discurso com que a maioria de direita se apresentou às legislativas do passado domingo, construído a partir de uma «narrativa» tão simples quanto poderosa (ou justamente poderosa porque simples): «i) o PS pôs o país à beira do abismo, ii) com o empenho e sacrifício dos portugueses conseguimos pôr a casa em ordem e iii) se o PS ganhar as eleições todo este esforço pode estar em causa».


2. A partir dessa base, foi abundantemente explorada - na própria estética da campanha - a ideia de que o governo PSD/PP conseguiu recolocar o país «na rota do crescimento». Num dos tempos de antena do Portugal à Frente, uma criança desenha no ar, com o indicador, a linha da suposta «inversão» da situação em que o país se encontrava, surgindo no final o logotipo da coligação, a formar uma seta, para reforçar a noção de que à «queda necessária» (inerente aos sacrifícios) sucedera a «recuperação».


3. O João Ramos de Almeida já o disse aqui: no decurso da campanha, a esquerda «não conseguiu esvaziar a tese oficial de que a frágil retoma económica que se verificou desde meados de 2013 (...) teve a ver com a política levada a cabo pelo Governo». A desconstrução dessa tese permitiria aos eleitores constatar o fracasso do governo nos seus próprios termos e objectivos, desmascarando eficazmente as manobras de dissimulação da realidade e sinalizando os verdadeiros factores que contribuíram para a percepção de uma melhoria difusa da situação do país (entre os quais o travão à austeridade imposto pelo Tribunal Constitucional ou o papel do BCE na descida das taxas de juro).


4. É verdade que a coligação de direita perdeu a maioria no passado domingo, dado o reconhecimento do seu falhanço por parte do eleitorado. Como é verdade que a desconstrução da «narrativa» que alçou o PSD/PP ao poder, sobre as origens da crise e sobre o «êxito» da governação nos últimos quatro anos, tem vindo a ser feita. E também é verdade que persiste um bloqueio quase total dos meios de comunicação social, sobretudo das televisões de canal aberto, a vozes dissonantes do situacionismo e do mainstream. Mas a perplexidade subsiste: como foi possível à coligação, mesmo assim, fazer vingar a sua «narrativa» e desse modo vencer as eleições, depois de quatro anos de destruição e retrocesso, de mentira e de degradação generalizada da nossa vida colectiva?

Consegue a esquerda fazer chegar as suas mensagens ao mais comum dos cidadãos? Será que apenas alcança - em debates, publicações e iniciativas - circuitos e universos («reais» ou «virtuais») demasiado restritos? Com a ilusão de comunicar de forma ampla, quando na verdade não sai dos aquários em que se move, mobilizando essencialmente os «mesmos de sempre», as militâncias e os já convencidos?
Sabemos bem que a «narrativa» da direita funciona facilmente com imagens e ideias simples, do senso comum. Mas talvez também por isso se torne necessário repensar as estratégias, a codificação das mensagens e os meios para comunicar com as «massas». Talvez seja preciso algo tão bem engendrado e eficaz como o «Observador». Só que de esquerda.

Garante da independência nacional?


Cavaco faltou anteontem às comemorações da República aparentemente para ter tempo para preparar o discurso de ontem. Este discurso previsivelmente confirmou que este Presidente da República é o que sempre foi ao longo da sua carreira, ou seja, é um garante político da continuação e aprofundamento da dependência nacional. As limitações programáticas que fixou para a formação do governo, para já não falar do procedimento, clarificam a natureza da “constituição” europeia informal que, segundo algumas influentes luminárias ligadas ao governo dos credores, hoje verdadeiramente nos define enquanto “país” com aspas e, logo, com a verdadeira constituição esvaziada.

Neste contexto crescentemente pós-democrático, só pode participar numa qualquer solução de governo quem adira acriticamente ao programa neoliberal, fixado pela tralha eurocrática e feito de austeridade (“disciplina orçamental”) e de desvalorização social (“competitividade”) permanentes. As esquerdas só podem estar contra este programa e contra tudo o que lhe dê força interna e externa, digo eu. A unidade necessária e possível, e estes dois termos talvez acabem por coincidir, começa pelos que levam a sério a ideia de soberania democrática e todas as suas decorrências.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A coligação não ganhou, é o PS que está a definhar (e não é de agora)

A grande questão sobre os resultados de ontem, claro está, é saber como foi possível a vitória dos partidos que impuseram ao país uma austeridade sem precedentes. As respostas habituais a esta questão passam, de uma forma ou de outra, por quatro tipos de factores.

O primeiro diz respeito à melhoria da situação económica no último ano. É raro o governo que não beneficia de sinais positivos na frente económica, mesmo que sejam temporários e que resultem de factores exógenos (como é frequente em pequenas economias abertas, como a portuguesa). A conjugação das baixas taxas de juro (resultandes da política do BCE), da queda do preço do petróleo (devido à desceleração do crescimento nas economias emergentes) e da desvalorização do euro face ao dólar (que se deve àqueles e a outros factores), têm vindo a proporcionar um contexto internacional ligeiramente favorável à economia portuguesa. Simultaneamente, o governo suspendeu a austeridade, não adoptando medidas de consolidação orçamental perante os sinais de risco para as metas orçamentais. Tudo isto se reflectiu de forma ligeira (e, suspeito, passageira) nos indicadores económicos e de emprego.

O segundo factor diz respeito à eficácia do discurso da coligação de direita. Resume-se tudo a três ideias: i) o PS pôs o país à beira do abismo, ii) com o empenho e sacrifício dos portugueses conseguimos pôr a casa em ordem e iii) se o PS ganhar as eleições todo este esforço pode estar em causa. O discurso é simples e claro, o que não quer dizer que seja correcto (deixarei esta discussão para outra ocasião). Mas acabou por resultar, por um lado, porque a melhoria relativa da situação económcia tornou mais credível a ideia ii) e, por outro lado, porque o PS não soube ou não conseguiu desmontar as ideias i) e iii).

Isto conduz-nos ao terceiro factor explicativo dos resultados eleitoriais: a falta de clareza sobre a estratégia do PS para o país. Escrevi aqui que a coligação tem um projecto claro e coerente para Portugal. O PS, por seu lado, diz que não se revê nesse projecto, no entanto não é nada claro como pretende evitá-lo. Em termos simples: como acabar com a austeridade respeitando os compromissos europeus, depois da experiência da Grécia? Como se defendem as pensões cortando a TSU? Como se defende o trabalho impondo um contrato único? Como defender o Estado Social sem reestruturar a dívida?

Por fim, os últimos meses e a campanha eleitoral foram marcados por uma sucessão de casos reveladores de desorientação das hostes socialistas, que diminuiram o grau de confiança de muitos eleitores: a difícil relação do PS com o caso Sócrates; a hesitação em relação às presidenciais; a interpretação dos dados de evolução económica; entre outros.

Qualquer um destes aspectos me parece relevante para perceber o que se passou ontem. No entanto, os gráficos abaixo ajudam a perceber que isto é apenas uma parte da história.

O primeiro gráfico mostra a diferença do nº de votos (em milhares) entre 2011 e 2015 (nota: os dados não incluem os votos dos emigrantes, o que altera apenas ligeiramente a dimensão das barras e ajuda a explicar os votos em falta). Há três ideias importantes que ressaltam deste gráfico:

1) a coligação perdeu uma quantidade muito significativa de votos desde 2011 (mesmo com os votos dos emigrantes, os valores ficarão acima do meio milhão), revelando que a direita foi mesmo penalizada nesta eleições;

2) Não apenas o BE, mas também o PS recuperaram muitos votos (sendo acompanhados pelo crescimento moderado dos pequenos partidos). No caso do BE, tratou-se de um regresso aos níveis de votação de 2009 (depois de o eleitorado ter penalizado fortemente a atitude da direcção do BE em 2010 e 2011, valorizando agora, por contraste, a adopção de um discurso mais construtivo). No caso do PS, trata-se da recuperação face a uma queda contínua entre 2005 e 2011 - é isso que nos mostra o gráfico seguinte.




Quando se analisa a evolução do número de votos nos últimos 10 anos, somos confrontados com duas tendências de sentido oposto: o PS perde votos num volume idêntico ao da subida da abstenção (perto de 850 mil votos). Por contraste, PSD e CDS, considerados em conjunto, mantiveram a sua votação praticamente inalterada nos últimos 10 anos (o que aconteceu também com a CDU).




As coisas são sempre mais complicadas do que parecem. Ainda assim, o que este gráfico sugere é que o PS tem um problema sério e que não é de agora. Nos últimos 10 anos o PS perdeu quase um milhão de eleitores, o que aconteceu de forma continua entre 2005 e 2011, e foi apenas ligeiramente invertido nas eleições de ontem (ver primeiro gráfico). Esses votos perdidos não serviram para fortalecer os partidos de direita e só parcialmente se reflectiram no crescimento do BE e dos pequenos partidos. O definhamento do PS reflecte-se antes de mais no aumento da abstenção.

O corolário é este: a falta de confiança de uma parte substancial dos portugueses no PS não só permite à direita governar com cada vez menos votos, como contribui para o definhamento da democracia portuguesa.

Nota: os gráficos foram alterados, tendo sido corrigidos os títulos  (por alerta de um leitor) e revistos os valores da abstenção.

sábado, 3 de outubro de 2015

A brincar sem complexos às maiorias...

Está o mainstream político muito preocupado com a possibilidade de o Partido Socialista, não sendo o primeiro partido, não dever formar governo.  Mas aquela que é considerada a mais velha democracia europeia - e não falo da Grécia - parece não ter quaisquer complexos dessa ordem. Veja-se como a BBC brinca sobre a possibilidade de se formarem coligações, desde que tenham os 326 MP necessários para manter estável o Governo... 

Na realidade, tudo é usado para criar obstáculos ideológicos à possibilidade de um Governo de Esquerda. Todos estes comentaristas cheiram demasiado a bafio. Digo: por serem pouco arejados.

Radiohead: How to disappear completely



sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Por que deixaram Passos e Portas sozinhos a explicar a frágil retoma económica?


Há algo que me escapa nesta campanha. Por que foi que a esquerda - e refiro-me ao Partido Socialista, ao PCP e ao Bloco de Esquerda - não conseguiu esvaziar a tese oficial de que a frágil retoma económica que se verificou desde meados de 2013, mas sobretudo de 2014, teve a ver com a política levada a cabo pelo Governo?

Em 2011, a mensagem era clara. O Memorando era o seu programa. Mais, o seu programa era ir além do Memorando, porque apenas isso garantia condições de crescimento económico. Curiosidade: debaixo de Passos Coelho, as percentagens parecem algo longínquas: PSD 38,6%, PS 28,1% CDS 11,3% CDU 7,9% BE 5,2%. Em conjunto, a coligação de direita teria 126 deputados.


"Vai ser difícil, mas vai valer a pena", dizia Passos Coelho. "Não descansaremos enquanto não pusermos Portugal a crescer" (6:30). "Essa é a única forma derradeira e duradoura de defender o nosso Estado Social (...) e para poder garantir uma melhor distribuição do rendimento e da riqueza". Uma meta que se seria possível "se formos capazes de cumprir o programa a que nos vinculámos também, mas se conseguirmos ir além, de modo a dar perspectiva de crescimento à economia portuguesa e de criação de empregos que possam absorver o desemprego historicamente elevado que hoje perdura"(7:20) "Conto com todos, para fazer desta situação difícil uma grande oportunidade que vamos a tempo de agarrar, para transformar as dificuldades em aventuras e os tempos terríveis que deixámos para trás substituí-los pela esperança de poder vir a ter dias mais felizes que vamos celebrar nesse dia todos em conjunto." (10:20).

Isto foi em 2011. Mas em 2013 tornou-se claro que, afinal, estava tudo "mal desenhado". O desemprego explodia. E o Tribunal Constitucional chumbava lei após lei. Gaspar demite-se. E Portas, no mesmíssimo dia em que tinha de entregar o seu maravilhoso plano de reforma do Estado que pudesse contornar o TC, demite-se. E a política económica mudou. A austeridade ficou congelada. E deixou de ser aprofundada. Passos desiste de reformar a economia e o Estado. Só queria que o tempo corresse.

Se houve frutos, eles tiveram a ver, sim, com a atenuação da austeridade e não com a aplicação da austeridade. E a coligação de direita tirou frutos da retoma como se fosse sua filha e não sua enteada mal desejada. E a esquerda deixou-o cavalgar essa tese, sem o atacar.

Por que não enumeraram as malfeitorias? Por que não pegaram nos desempregados, nos emigrados, nos portugueses sem médico de família, nos desapoiados, nos pobres mais pobres, em todos que - ao arrepio do discurso de 2011, ficaram para trás, caídos? Por que fizeram uma campanha sem imagens reais?

Como foi possível?

As boas notícias vêm de Inglaterra

Os comentadores locais, seguindo a moda internacional, têm insistido que Jeremy Corbyn, o novo líder do Partido Trabalhista britânico é um radical, um anacrónico, um erro de 'casting', que nunca chegará às eleições legislativas de 2020, quanto mais a Primeiro-Ministro do Reino Unido.

A liderança de Corbyn tem vindo a mostrar que não quer saber desses piropos. Tem estado a preparar-se para fazer um trabalho sério e consequente com aquilo que defendeu desde o início - basicamente, a construção de uma sociedade mais justa. Nesse sentido, constitui recentemente a comissão económica de apoio ao seu 'governo sombra' (onde se destacam Joseph Stiglitz, Thomas Piketty e Marianna Mazzucato), visando preparar propostas sustentadas que permitam ao Partido Trabalhista ressurgir como uma força progressista que não se resigna a prosseguir políticas conservadoras pintando-as de cor-de-rosa.

Num artigo de hoje do Financial Times, o colunista Martin Wolf (cujo último livro "As Mudanças e os Choques" recomendo a todos, de preferência na versão inglesa original, pois a tradução é uma desgraça) chama a atenção para o potencial transformador - e para a razoabilidade - de muitas das propostas que têm sido avançadas, seja nos domínios orçamental, do sistema de impostos ou das orientações do banco central, as quais permitiriam distribuir melhor a riqueza, salvaguardar o Estado Social e diminuir o poder devastador do sistema financeiro.

Ainda é cedo para saber no que isto vai dar. Uma coisa é certa: assim é mais fácil explicar aos eleitores que diferença pode fazer um partido de centro-esquerda.

O que é um voto útil?


A poucas horas de ir votar, muitos portugueses ainda estão indecisos. E não admira, porque o país está numa encruzilhada decisiva para o seu futuro e, ao mesmo tempo, há uma enorme insatisfação com as propostas políticas disponíveis, o que, aliás, se manifesta há muito tempo através da abstenção e do voto em branco. Sendo isto sinal de um mal-estar latente na democracia portuguesa, os partidos deveriam sentir-se motivados a realizar uma revisão dos seus projectos políticos no sentido de dar resposta à frustração que cada vez mais se faz sentir. Mas não creio que algo fundamental venha a mudar depois do próximo domingo.

E assim, em vez de responder aos anseios de um povo profundamente marcado pelo que viveu desde 2010, o maior partido da oposição (há quem diga que é de esquerda) entendeu prosseguir na via centrista cujos resultados conhecemos em toda a Europa: mudou de líder e prometeu ao eleitorado que cumpriria as regras da UE com o menor sofrimento possível para os portugueses. Com alguma boa vontade criativa de Bruxelas, quem sabe até poderia aumentar o investimento público para voltar a criar emprego que se veja. No fim de contas, o PS optou por meter a cabeça debaixo da areia e fazer de conta que pode cumprir o Tratado Orçamental, pagar os juros da dívida pública mais os encargos com as PPP que estão à porta, dar sustentabilidade à dívida pública e externa, executar a “reforma estrutural” da segurança social que Bruxelas exige e, ao mesmo tempo, acabar com a austeridade nefasta e impulsionar o emprego. Muito significativo, promete fazer tudo isto com recurso ao aconselhamento de economistas neoliberais, deixando mesmo passar a ideia de que alguns virão a integrar o futuro governo, presume-se que para lhe conferir maior credibilidade junto de Bruxelas e da finança. Um dos banqueiros mais mediáticos já veio dizer que também se sente à vontade com um governo do PS.

Uma coisa sabemos: o PS foi claro quanto à sua vontade de respeitar os tratados, sem deixar de apoiar as propostas de mudança na UE que nos sejam favoráveis. Entretanto, se alguém no PS tinha expectativas sobre uma evolução progressista da UE, após a experiência grega já sabe com o que pode contar. Os portugueses também. Por isso, não admira que haja tanta gente indecisa quanto ao sentido do voto. Uns porque, tendo votado nos partidos da coligação em 2011, se sentem traídos e, assimilada a ideia de que a crise foi causada pelo “despesismo que nos levou à bancarrota”, também não querem de volta os amigos de Sócrates. Outros porque, desejando correr com esta gente mentirosa, sentem que todos somos poucos para vencer a propaganda dos media e o seu discurso de que o pior já passou. Estes estão indecisos entre o voto num partido à esquerda e o voto no “mal menor”, o PS.

E o que é melhor para o país? Se aceitarmos que a estagnação em que caímos desde o início deste século, a que se juntaram as políticas regressivas da troika que nos fizeram mergulhar no desastre, se deve a factores de debilidade estrutural históricos e à nossa integração na zona euro, então só os partidos que dizem isto mesmo ao povo merecem o nosso voto. Nenhum doente vai buscar a energia que ainda lhe resta para vencer a doença se lhe é ocultada a gravidade da sua situação. O voto útil é o voto num discurso de verdade tendo em vista a mobilização do país para a superação das suas dificuldades, não é um voto nos que agravaram os problemas nem é um voto nos que se propõem suavizar os problemas com paninhos quentes. Ainda assim, introduzindo algum pragmatismo na reflexão, arriscaria dizer que o voto útil pode ser um voto no PS quando, num círculo eleitoral, a disputa se faz apenas entre este e a coligação. Nos restantes círculos, o voto útil é o voto naqueles que têm a coragem de dizer, com todas as palavras, o que o país precisa de ouvir: dentro desta UE, Portugal não tem futuro.

Na verdade, um governo minoritário do PS só é melhor do que um governo minoritário da coligação de direita porque permite acelerar o processo de tomada de consciência de que a saída da crise não está no rotativismo entre aqueles que nos trouxeram até aqui. Se o PS não desperta o entusiasmo do eleitorado, em vez de dizer que o voto na esquerda é inútil, que procure dentro de si as causas do seu fracasso. Que tal seguir o exemplo do Labour, no Reino Unido?

(O meu artigo no jornal i)

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O que está mesmo em causa nas legislativas

Eu e o João Rodrigues escrevemos um artigo e enviámo-lo para o jornal Público há três semanas. Foi hoje publicado. Ainda vai a tempo:

A campanha eleitoral está, aparentemente, a ser marcada por demasiada apatia, sobressaindo posições cujas linhas de demarcação parecem ser tão artificiais quanto de difícil escrutínio para os eleitores.

Depois de quatro anos de profundos cortes nos salários, pensões e serviços públicos, níveis de desemprego nunca vistos desde o 25 de Abril e uma nova onda de emigração em massa, o eleitorado dá sinais de desmobilização e de resignação. Parece paradoxal, mas não é: vivemos tempos em que a democracia parece ter sido esvaziada de opções políticas. Tudo já está decidido, tudo é inevitável, diz-nos a sabedoria convencional.

Bom exemplo disso é o artigo de Paulo Trigo Pereira (PTP) no PÚBLICO do dia 6 de Setembro, onde um dos actuais ideólogos do PS analisa os programas dos diferentes partidos. Em relação aos partidos da coligação de direita aponta o histórico da governação, sublinhando as propostas economicamente mais recessivas e socialmente mais regressivas no que toca a cortes. Um histórico que, acrescentamos nós, terá uma continuidade, mais ou menos radical, conforme o andamento da economia mundial, os apetites dos mercados financeiros e as decisões do BCE, os principais factores que influenciam as condições de pagamento de uma dívida, privada e pública, insustentável. Mais do mesmo, em menor ou maior dose, e com as graves consequências conhecidas.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Pode ser


Fernanda Câncio faz uma pergunta pertinente: “Campanha. Que é feito dos empresários faladores e interventivos de outrora?”Creio que o silêncio relativo das fracções mais poderosas deste capitalismo diz muito sobre o seu triunfo, num contexto, é certo e sabido, de um país mais pobre e dependente; diz muito sobre anos de reforçada transferência de recursos do trabalho para o capital, processo articulado com a transferência de recursos de dentro para fora do país; diz muito sobre a sua satisfação com a actual correlação de forças e com a tutela externa tão reforçada quanto por desafiar, que é, tudo somado, ainda seu melhor seguro político contra veleidades de recuperação democrática de instrumentos de política económica. Estes poderiam constituir freios e contrapesos ao seu poder.

Satisfação também pela possibilidade de uma alternância sem verdadeira alternativa a esta política. É claro que eles também não precisam de se maçar, até porque grande parte da comunicação social está cada vez mais domesticada e, de qualquer forma, os que mandam só falam fora dos corredores do poder, na praça pública, em situações excepcionais, de algum perigo. No entanto, pode ser que a sua aposta, até agora aparentemente acertada, no “aguenta, ai aguenta, aguenta” se venha a revelar mais frágil. Pode ser que, por exemplo, graças ao crescimento das forças de esquerda portadoras de uma verdadeira alternativa nas próximas eleições, eles ainda tenham de vir a terreiro. Pode ser que não tenham sempre o mesmo sucesso. Pode ser.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Melhor só mesmo o armamento?


Será que Isabel Vaz, agora da Luz Saúde (antiga Espírito Santo), tinha razão quando afirmou que melhor do que a saúde só mesmo a indústria do armamento? Ficámos a saber, numa notícia que dá voz à Associação de Hospitalização Privada, que, nestes últimos dez anos, a facturação dos hospitais privados mais do que duplicou. Não sei como foi no armamento, mas se calhar Vaz foi pessimista.

Numa década perdida de estagnação e crise económicas, a prosperidade do capitalismo da doença muito deveu à contracção da provisão pública, mas também à promoção pública directa, por via do financiamento público ao privado e das parcerias público-privadas, de uma lógica que faz mal à saúde pública e à saúde da vida pública, dando incentivos aos grupos privados para viverem à custa do controlo sobre a procura e da influência sobre políticos do bloco central dos interesses. Isto num contexto de provisão cada vez mais iníquo. Todo um modelo, toda uma política.

domingo, 27 de setembro de 2015

O conhecimento económico e o mundo real (amanhã, 2ª feira, 28 de Setembro, em Lisboa)


Este seminário visa apresentar e discutir as conclusões de um projecto de investigação sobre a discussão pública do Memorando de Entendimento em Portugal (coordenado pela Ana Costa, minha colega do Departamento de Economia Política do ISCTE-IUL). O cartaz está em inglês, mas o português também será língua de trabalho. A julgar pelo programa (disponível aqui), a coisa promete.

A coligação de direita tem um projecto claro e coerente para o país

A coligação de direita tem um projecto claro e coerente para o país. Assume que a economia portuguesa, tal como existe, não tem possibilidade de vingar no mundo globalizado. Como tal, defende que o país tem de ser profundamente transformado, de modo a torná-lo mais atractivo ao investimento. Para isso, é preciso tornar o investimento empresarial mais rentável, o que só se consegue no curto-prazo reduzindo os custos para as empresas.

Grande parte dos custos que as empresas enfrentam são receitas de outras empresas (por exemplo, a energia, os transportes, as comunicações) e nesses não se pode tocar, pois estar-se-ia a retirar lucros a uns para dar a outros. Há que reduzir os custos das empresas noutros lados, onde os investidores não saiam prejudicados. Onde? Nos salários, nos impostos e nas contribuições para a segurança social.

Os salários reduzem-se desregulamentando as relações laborais, destruindo a negociação colectiva, permitindo a generalização da precariedade, mantendo o desemprego elevado e reduzindo as condições de acesso ao subsídio de desemprego (para forçar os trabalhadores desempregados a aceitar salários mais baixos). Os impostos reduzem-se restringindo ao mínimo, e de forma duradoura, os compromissos do Estado com a educação, a saúde e a protecção social. As contribuições sociais das empresas reduzem-se diminuindo as pensões e outras prestações sociais financiadas pelo orçamento da segurança social, bem como exigindo aos trabalhadores que paguem do seu bolso uma parcela cada vez maior da protecção contra a doença, a invalidez, o desemprego e a velhice.

O resultado será um país com mais pobreza, mais desigualdade, onde a precarização da vida é a regra e onde todos os que podem procurarão construir o futuro noutras paragens. Vários exemplos históricos mostram que uma sociedade assim está condenada a prazo. Eu olho para este projecto e vejo Portugal a transformar-se numa reserva de mão-de-obra barata do continente europeu, onde a paz social dependerá cada vez mais do exercício de um poder autoritário e repressivo.

A coligação de direita diz que não, que é assim que se constrói o futuro. Foi isso que procurou fazer nos últimos quarto anos e é isso que continuará a fazer se ganhar as eleições. Quem acredita que é este o caminho faz bem em votar PàF.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Como é sempre possível ganhar eleições sem mudar de política

Partilho convosco um vídeo montado na perfeição em que Passos Coelho de 2011 debate com Passos Coelho de 2015. Mais do que a graça, é interessante notar como é possível pegar nos argumentos que serviram para vencer os insucessos da política de austeridade de 2011 (praticada por Sócrates, ainda que a contra-vontade) de modo a serem usados desta feita após 4,5 anos de coligação de direita partidária dos benefícios da austeridade.

O problema da austeridade é um benefício para os maus políticos e um malefício para a população: como a austeridade é ineficaz, é sempre possível dizer que não teve os resultados pretendidos, de modo a ser aplicada mais uma vez, para atingir os objectivos que se pretendia no início.

Algo importante, porque nos arriscamos a que se assista a este debate nos próximos anos.

PS: Tentem não ouvir a música de fundo que só distrai...


Memória (XIV)



«Não foram só os 3,9 mil milhões que Passos perdeu. Perdeu também um bom argumento: a principal vitória do governo era ter controlado o défice. Mas o défice de 2014 ficou exactamente igual ao de 2011. O défice está igual ao que estava há quatro anos. E fartámo-nos de cortar e de aumentar impostos. Mas Passos Coelho parece não estar preocupado com esta situação: "Trata-se portanto apenas de uma contabilização estatística, que não tem qualquer efeito".
Ou seja, quando é para cortar pensões: «Eh pá, desculpem lá mas tem que ser, por causa do défice... O défice é um número importantíssimo! Não posso aparecer na Alemanha com um défice destes... Só porque vocês querem receber salários, ou lá o que é...". Quando é para tapar buracos de bancos: "O défice? O défice? Isso é uma contabilização estatística... Quer dizer, é um número... Não vamos estar aqui a chatear-nos por causa de um número...".
Ainda por cima, esta situação - que à partida parece péssima - parece que tem vantagens [segundo o primeiro ministro]: "Se emprestámos dinheiro ao Fundo de Resolução, para criar o Novo Banco, o que se passa é que o Estado até hoje já recebeu mais de 120 milhões de euros de juros desse dinheiro que emprestou. O que significa que, quanto mais tarde esse dinheiro que emprestámos regressar aos cofres do Tesouro, regressar à esfera pública, mais dinheiro em juros o país acumulará". Juros? Alto, ai estamos a receber juros? Então quer dizer que não termos conseguido vender o Novo Banco é bom! Porque estamos a ganhar juros. Se tivéssemos mais três ou quatro bancos falidos, vivíamos todos dos rendimentos!»

Isso é tudo muito bonito, mas, «Novo Banco, Velho Défice» (A imperdível história de uma resolução, em dez actos, a ver na íntegra)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Apenas dois gráficos para sublinhar o que escreveu aqui (no post anterior) o Ricardo Paes Mamede... 


Fonte: INE, Contas Nacionais


Antevisão da política económica pós-4 de Outubro

Há algum tempo que ando a dizer que os discursos optimistas sobre a economia portuguesa têm como prazo de validade o dia das eleições. As notícias recentes sobre as contas públicas e sobre as contas externas permitem perceber bem do que estou a falar.

Ontem ficámos a saber que o défice orçamental em Julho atingiu 4,7% do PIB. Hoje ficámos a saber que Portugal regressou aos défices externos no segundo trimestre de 2015. Nada disto é inesperado nem (na minha perspectiva) completamente negativo.

Em termos simples, a explicação para a evolução registada é esta: o governo resolveu aligeirar a austeridade no início deste ano (e nós sabemos porquê), o que se reflectiu num aumento do défice orçamental e do consumo privado. Por sua vez, o aumento do consumo fez com que as importações crescessem, deteriorando assim o saldo das contas externas.

O motivo pelo qual afirmo que esta evolução não é completamente negativa é que só será possível a economia portuguesa crescer o suficiente para criar emprego em condições nos próximos anos se a pocura interna crescer (é o que tento mostrar no cap. 4 de "O Que Fazer Com Este País"). Para que tal aconteça temos de estar dispostos a aceitar défices públicos e externos maiores do que o actualmente previsto.

Agora vêm as más notícias: mesmo que um aumento dos défices público e externo face ao que está previsto não seja um problema para a economia portuguesa (pelo contrário), são exactamente aquilo que as instituições europeias e o FMI não querem para Portugal. Ora, qualquer um dos partidos que se perfila para governar o país nos próximos tempos mostra muito pouca vontade para pôr em causa o que a tutela externa nos diz para fazer.

Em resumo: com grande probabilidade, a seguir às eleições teremos uma nova vaga de austeridade orçamental e de contenção dos salários, com consequências negativas para o crescimento da economia e do emprego.

Um vídeo curto sobre os refugiados sírios que vale pena ver (em inglês)



Um esquerdista, uma publicação radical

[P]orque é que o centro-esquerda, de modo geral, não beneficia das falhas dos seus adversários políticos? A principal razão reside na sua absorção das políticas do centro-direita, que remontam há quase três décadas: a aceitação de acordos de livre comércio, a desregulamentação de tudo e, na zona euro, das regras orçamentais vinculativas e da versão mais extrema de independência do banco central no mundo inteiro. Eles são completamente indistinguíveis dos seus adversários (...) Quando a zona euro foi construída foi com alicerces neoliberais. Lembro-me de um proeminente político social-democrata que tinha orgulho em saber de cor todas as regras do Tratado Europeu. Ninguém questionou se as regras faziam sentido (...) Será que os partidos de centro-esquerda teriam um melhor desempenho se se voltassem de novo para a esquerda? A eleição de Jeremy Corbyn como líder do Partido Trabalhista britânico pode anunciar essa mudança. Mas a Grã-Bretanha não está vinculada ao consenso da zona euro. Aí basta apenas uma mudança de governo para mudar a política, enquanto na zona euro seria necessária uma alteração do Tratado - ou, mais provavelmente, uma revolução. Está longe de ser evidente que os atuais partidos de centro-esquerda vão aparecer como agentes de mudança. Eu suspeito que não.

Wolfgang Munchau, editor associado na área de assuntos europeus, Financial Times (traduzido no DN).

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Uma Europa com Amos

Através de uma análise de economia política, esta comunicação procura contrastar a sabedoria convencional sobre os efeitos da integração europeia em Portugal, sobretudo desde a adoção do euro, com a realidade do declínio socioeconómico e do aumento da dependência política nacionais. Ao mesmo tempo, procura avaliar as alternativas, mais europeístas ou mais soberanistas, à integração neoliberal, refletindo neste processo sobre os resultados de outras experiências recentes que nos devem ser próximas, nomeadamente a experiência grega.

Este é o resumo da comunicação Uma Europa com Amos - Portugal perante a integração realmente existente que irei efectuar amanhã, dia 24 de Setembro, pelas 21h, no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Loulé. Trata-se de uma intervenção no quadro do ciclo de conferências “Horizontes com futuro”, organizado pela Câmara Municipal e que se deve sobretudo à iniciativa cívica e plural, que vem de longe, do seu Presidente, Vítor Aleixo, neto do poeta António Aleixo. A entrada é livre e o debate também. Já agora, também eu espero que não se lembrem da quadra de Aleixo: “Sem que o discurso eu pedisse/Ele falou e eu escutei./Gostei do que ele não disse/Do que disse não gostei”. Veremos se esta é melhor: “Mostra-lhe o saber moderno/Que levou a vida inteira/Preso àquela ratoeira /Que há entre o céu e o inferno”...

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Grandes ilusões?

O syriza combaterá a corrupção, dado que é gente com as mãos limpas, aplicará a austeridade com mais suavidade, dado que é gente com sensibilidade social, melhorando as coisas dentro do possível, dado que é gente obrigada a converter-se ao pragmatismo reformista que produz sempre resultados. Três grandes ilusões, que dizem bem da degradação da cultura política de uma certa esquerda, agora reduzida a sensibilidade e bom senso.

Dadas as experiências passadas de governos de esquerda sem rupturas com as políticas neoliberais, a probabilidade de acabarem corrompidos e integrados numa oligarquia, ainda que eventualmente recomposta, é muito maior do que a de combaterem a corrupção e a tal oligarquia, até porque essas só se combatem com um nível de mobilização popular que o governo pela apatia não permite: de resto, das privatizações às parcerias público-privadas, indissociáveis de planos como o de Juncker, as estruturas aí estão; o combate à corrupção não é obviamente questão de carácter que paire para lá delas.

Quanto à austeridade com sensibilidade social, trata-se de uma contradição nos termos para quem tem de fazer cortes severos e reformas favoráveis à concentração de poder no capital, para quem governa sob tutela dos credores, sob tutela do memorando, do tratado orçamental, do semestre europeu e da restante tralha eurocrática.

A conversão à arte do possível, o tal reformismo, é, por sua vez, a confissão da derrota, dado que o importante em política é quem fixa os limites do possível e nós sabemos onde está a soberania, a autoridade, na zona euro. Mas há mais e pior: a expressão reformista presta-se a todas as confusões, dado que, por ausência de instrumentos e falta de capacidade de os recuperar, não se trata sequer de alterar as regras para promover um capitalismo mais igualitário e com mais espaço para a democracia como noutras épocas. Não é esse o sentido das reformas hoje em dia e esta situação faz com qualquer reformista social-democrata sério pareça um utopista radical. Na zona euro, é um utopista radical: não, não é um elogio, dado que eu gosto muito de realismo...

Dito isto, e usando a distinção entre legitimidades pelos procedimentos e pelos resultados, Tsipras terá baseado a sua vitória sobretudo na primeira: o seu triunfo deveu-se provavelmente à percepção mais generalizada de que o importante foi ter travado um combate e que isso até lhe permitirá polir alguns ângulos, sobretudo pelo combate à corrupção e ao desperdício, ou seja, ter resultados, sendo que as expectativas em relação a estes foram profundamente diminuídas (para quê votar, perguntam-se muitos, entretanto, sendo a abstenção provavelmente mais intensa entre as classes populares, as que tinham sido mais mobilizadas pelo oxi). As duas formas de legitimidade são inseparáveis, na realidade, restando então saber por quanto tempo a legitimidade dos procedimentos sobrevive à falta de resultados, mesmo num contexto de desesperança insuflada.

Pela minha parte, continuo a considerar que a melhor aposta política é a que acha que insistir na depressiva receita macro produzirá resultados socioeconómicos e, quem sabe, políticos, aparentados, mesmo que os cozinheiros sejam diferentes. Apesar da pesada derrota e dos erros, as razões que levaram à formação da unidade popular parecem continuar válidas. Porquê desistir neste caso?

Há uma maioria de esquerda. Ponto final

Fonte: Sondagens Marktest
Todos os pensamentos são possíveis. Pode pegar-se nos programas dos diversos partidos de esquerda em campanha, ler aquelas partes que os distingue e ver o quanto são incompatíveis (com fez David Dinis do Observador na TVI24, a noite passada, agitando o fantasma da Instabilidade).

Todos conhecemos os múltiplos e possíveis anticorpos existentes na política à esquerda. E muitas das coisas são verdades, aliás para grande gáudio da Direita em Portugal.

Mas o certo é que olhando friamente para o gráfico é que há uma maioria de portugueses que - desde Março de 2012 e independentemente dos partidos em que possam votar - não quer mais um governo de Direita e nunca aceitará um novo governo de Direita em Portugal.

E nada disso se passará, o que torna estranha ver a campanha eleitoral na estrada. Basta seguir o raciocínio seguinte:

O governo chumba-se a si próprio

À luz da sua própria avaliação, o governo PSD-CDS deixa um “triste legado” que “vai marcar inexoravelmente as nossas vidas e as dos nossos filhos”.

Em maio de 2011, a poucas semanas das últimas eleições legislativas, Álvaro Santos Pereira procedeu no blogue Desmitos a uma avaliação do desempenho do anterior governo PS à luz de oito critérios – oito indicadores económicos, analisados em sucessão a fim de proporcionar uma perspectiva abrangente da situação da economia portuguesa.

Santos Pereira concluiu essa análise ao legado do governo PS afirmando que estávamos perante, “de longe, os piores indicadores económicos desde 1892” e apelando a que os portugueses não esquecessem esses factos no dia das eleições. Poucas semanas depois, tomava posse um novo governo de coligação PSD-CDS, sustentado por uma maioria absoluta parlamentar. O Ministro da Economia desse governo era o próprio Álvaro Santos Pereira, certamente determinado a inverter a catastrófica situação que tão exaustivamente diagnosticara.

Quatro anos depois, é da mais elementar justiça que avaliemos os resultados alcançados por este governo à luz dos indicadores que o seu próprio Ministro da Economia original considerou mais apropriados para aferir o desempenho governativo. Quais eram os desequilíbrios então identificados? E qual o desempenho do governo PSD-CDS à luz desses mesmos critérios? Quando actualizamos os gráficos de Santos Pereira, trazendo-os até ao presente, verificamos que os resultados são esclarecedores.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Mistérios do plafonamento (Parte 2) e o bónus aos assalariados mais ricos

Pedro Passos Coelho disse ao Expresso que o "plafonamento" que quer vai aplicar-se apenas "a pensões que são muito elevadas". E explicou: "A pensão média estatutária anda, em Portugal, por valores que não são muito superiores a 900 euros. Estamos a falar de múltiplos disto, quer dizer, três vezes isto, quatro, cinco vezes isto. Não estamos a falar de uma coisa que deva preocupar a grande maioria daqueles que recebem".  O Expresso acrescentou que, fazendo as contas, só haverá "plafonamento" para pensões acima de 2700 euros, ou 3600 euros, ou 4500 euros...

Ora, nada disto faz sentido. O PM falou de "algo que deva preocupar a grande maioria daqueles que recebem"? Mas não era suposto o "plafonamento" ser uma coisa boa?

Depois, o "plafonamento" aplica-se a salários brutos e não a pensões. 

Mas fazendo fé que o PM sabe do que fala e que estaria a dizer que o tecto contributivo proposto aplicar-se-ia a salários que iriam corresponder a pensões de 2700 euros, ou 3600 euros, ou 4500... então estamos a falar de um universo mesmo elitista. Segundo a Conta da Segurança Social, em 2013 (contas mais recentes, veja-se lá!!), havia apenas 13.628 pensionistas com pensões superiores a 2500 euros e só 592 pensionistas com mais de mais de 5600 euros. Um número que pouco variou face a 2012.

Sobre isto, há que dizer:
1. Será que o PM se deu conta que já não fala do "plafonamento" só para os novos contratos?

domingo, 20 de setembro de 2015

Linhas vermelhas


Pesada derrota para as forças anti-memorando na Grécia, em particular para a unidade popular, que não terá ultrapassado o limiar dos 3%. Isto significa que os comunistas gregos serão a única força a contestar, no parlamento e pela esquerda, as privatizações e a austeridade, o que diz bem da tragédia grega, por agora com uma apatia mais generalizada. Hollande já enviou felicitações e tudo. Significa isto que os militantes que formaram a unidade popular em condições muito difíceis fizeram mal em romper com o syriza? Não creio. Mesmo em política há coisas que têm de ser feitas, linhas vermelhas que não se passam, independentemente das consequências no curto prazo. Não se desiste.

sábado, 19 de setembro de 2015

O que esteve e o que está em cima da mesa?

1. Numa entrevista recente, Vítor Constâncio confirmou o que aqui sempre defendemos: a expulsão da Grécia do euro nunca esteve seriamente em cima da mesa, expondo assim o bluff das finanças alemãs e do BCE de forma tão clara quanto é possível a um vice-presidente do pós-democrático banco dos bancos europeus. As alternativas nunca foram a expulsão ou a submissão, mas sim a submissão ou a libertação. A submissão, a capitulação, prevaleceu, graças, em última instância, às decisões tomadas pela maioria da elite dirigente do syriza. Temos muitos interessados em envolver isto numa nebulosa de confusão para facilitar o esquecimento de um dos mais reveladores marcos da história desta distopia monetária.

2. Através do infogrecia, fiquei a saber que Yanis Varoufakis apelou ao voto nas forças de esquerda anti-memorando, em particular na unidade popular. Fez muito bem, sendo que o lastro desmoralizador dos acontecimentos de Julho faz com que as perspectivas não sejam particularmente animadoras. Veremos amanhã. Zoe Konstantopoulou é candidata independente desta aliança. Não por acaso, os dois lideram um apelo internacional em torno do plano b que terá de ser o a; apesar de ter limitações, este apelo supera a linha da esquerda europeísta ainda apoiante do syriza. Esta última, claro, continuará a falhar, quer o syriza ganhe as eleições de amanhã, quer esta força agora favorável ao memorando as perca.

O misterioso custo do plafonamento de "cerca de 538 milhões de euros"

A 6 de Setembro passado, o ministro da Solidariedade Pedro Mota Soares afirmou algures que o "plafonamento" para os novos trabalhadores não era muito caro. Poderia "custar cerca de 538 milhões de euros". Diversos jornais publicaram-na. Mas a notícia já não pode ser encontrada porque foi retirada...

Faça-se uma busca com "Pedro Mota Soares" e "cerca de 538 milhões de euros" e obter-se-á vários resultados, todos remetendo para uma notícia com um título assustador para a Coligação: "CDS admite fazer derrapar o défice". E escrevia-se: "Luís Pedro Mota Soares disse que a proposta da coligação sobre o 'plafonamento' nas pensões poderá custar cerca de 538 milhões de euros/ano - ou seja, 0,3% do PIB". Mas quando se tenta ler cada uma das notícias, remete-se para o site do DN e o que se vê é isto: aqui ou aqui.

Não se sabe o motivo dessa desaparição. Mas calcula-se... No mesmo dia, surgiria outra notícia a substituir a primeira, desta vez com um título bem mais simpático: "CDS garante que o plafonamento nunca fará derrapar o défice".  A ideia passa a ser de que, saindo-se dos procedimentos de défices excessivos, então poderão "utilizar-se até 0,5% do PIB (cerca de 890 milhões de euros) para o plafonamento através das normas de flexibilidade do Tratado Orçamental - normas implicam que essas verbas nunca poderão ser contabilizadas no défice. Nunca haverá derrapagem do défice, explicou a mesma fonte". Mas os "cerca de 538 milhões de euro" nunca mais apareceriam nos noticiários.

Vários factos interessantes a sublinhar:

1) No dia anterior, a 5/9/2015, o mesmo Pedro Mota Soares afirmou que a proposta do PS de reduzir a TSU faria o défice derrapar. Veja-se  aqui. Mota Soares disse: "Só a medida da redução da TSU que tem um impacto de 0,33% coloca o défice efectivamente nos 3%". Portanto, o "plafonamento" é possível, mas a medida do PS não é, apesar de ter o mesmo impacto...;

2) Coincidentemente, os "cerca de 538 milhões de euros" aproximam-se muito dos "cerca de 600 milhões de euros" que o Governo cortou na rubrica de pensões e que não esclarece como quer lá chegar. Mas como foi anunciado que se tratava de uma reforma a discutir e concertar com o PS, cola muito bem com aquela argumentação apresentada por Mota Soares (a de não contar para o défice);

3) A que corresponde na realidade os "cerca de 538 milhões de euros"? Essa é uma boa questão. Veja-se as contas a seguir.

Memória (XIII)



«A política sem escrutínio e a política sem responsabilidade pode-se tornar perigosa. Portugal tem passado bem por essa realidade nos últimos cinco anos. Temos hoje gente no poder, gente com responsabilidades que acha que não é escrutinável, que acha que não tem que prestar contas, que acha que não tem que ser responsabilizado. (...) O que Portugal e os portugueses exigem ao maior partido da oposição é que se prepare, que estude, que apresente propostas que levem a uma nova visão sobre a sociedade portuguesa. É esse trabalho que estamos a fazer. Quando as eleições se tiverem que verificar, quando se verificarem, o PSD será sempre solução e nunca problema. Estamos em condições, estamos preparados e temos um projecto. (...) Quem está a cortar no Estado Social é este governo. Porque aumenta os impostos, porque todos os dias tira direitos, porque não tem dinheiro, porque tem que pagar dívidas, porque tem um serviço da dívida altíssimo. Esses sim, esses é que são os adversários do Estado Social. (...) Estamos nos últimos anos a fazer um grande investimento em educação, gastámos milhões e milhões, a formar gerações de gente com qualidade, e depois não somos capazes de lhe criar as oportunidades de terem um emprego.»

Miguel Relvas (algures em 2010/2011)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

E a alternativa?


Os actuais debates entre líderes políticos confirmaram o que já sabíamos: o desplante com que a direita se dirige aos portugueses, como se não tivesse entusiasticamente assumido o programa da troika; as ambiguidades de um PS que condena a austeridade, mas pouco promete, sabendo que terá de aprovar os orçamentos em Bruxelas; a crítica da esquerda, demasiadas vezes enrodilhada na discussão das medidas mais gravosas, talvez para ocultar a lógica global da política, a da zona euro, que tem dificuldade em discutir abertamente. Assim sendo, é de esperar que até ao dia das eleições sejam os media a comandar o debate, não apenas pelas perguntas que marcam a agenda, mas sobretudo pela sua formulação a partir dos pressupostos do pensamento neoliberal.

O que abriria novos horizontes aos portugueses, a tal luz ao fundo do túnel, era ver candidatos de oposição apresentarem uma política económica alternativa, aquela que coloca o pleno emprego como o primeiro objectivo, ao qual todos os outros se subordinam. Nestes debates, quantas vezes a expressão “pleno emprego” foi pronunciada? E, no entanto, o que hoje separa com clareza a esquerda da direita é a defesa, ou não, deste objectivo central. Se o PS quer reduzir o desemprego, mas não pode comprometer-se com políticas de pleno emprego porque a moeda única é a prioridade, então estará a propor-se como partido de alternância, não como alternativa de esquerda. Se o BE fustiga o governo porque falhou nas metas do défice e da dívida, então ainda adopta o paradigma pré-keynesiano das finanças públicas, o da troika, pelo que não está em condições de apresentar uma alternativa de esquerda. Uma esquerda que não coloca à cabeça a questão da soberania monetária (“sairemos do euro se não houver outro remédio”) não entende que um programa de pleno emprego pode ser financiado pelo banco central e que, por se tratar de dívida do Estado a si próprio, não é um encargo para os contribuintes. Mas, admitindo-o, o BE teria de abandonar o internacionalismo que defende um “euro bom”, uma zona euro bem construída. Nisto, o PCP é muito mais sólido, embora precise de apurar algumas formulações e, sobretudo, de perder o pudor que ainda tolhe o seu discurso nos media.

Em relação directa com o debate sobre a evolução da taxa de desemprego, não se vê os candidatos da esquerda porem em causa o paradigma neoliberal do crescimento económico, tanto na sua relação com o emprego como nas suas implicações ambientais. Frequentemente, mostram as insuficiências do indicador do desemprego publicado pelo INE, o que, sendo certeiro, ainda assim é limitado, porque permite à direita a crítica fácil de que negam a existência comprovada de algum crescimento económico, aliás, devido à travagem na política de austeridade. A esquerda deve fazer a defesa do desenvolvimento, o que é muito mais complexo e envolve outras dimensões, incluindo estruturais, que a direita ignora ou até rejeita, porque exigem uma intervenção estratégica do Estado. Assim, uma alternativa de esquerda defende a criação de empregos socialmente úteis, em colaboração com as autarquias e agências de desenvolvimento local, com níveis de qualificação diversos, numa escala que se reduzirá à medida que a economia recupere a utilização da capacidade produtiva instalada. Em complemento, uma política fiscal fortemente progressiva, aliada ao reforço do poder negocial do trabalho, daria um contributo fundamental para a criação de emprego e a revitalização do Estado social. Claro que isto significa uma ruptura com o euro mas, na vida das pessoas como na das sociedades, há momentos em que apenas a ruptura é portadora de futuro. Sem alternativa global e consistente é que não teremos luz ao fundo do túnel.

Todos sabemos que o desemprego subiu fortemente depois da entrada de Portugal na UEM e que o pleno emprego já não é possível dentro da zona euro. Por isso, passado o dia em que irá votar sem entusiasmo, o povo continuará à espera de uma alternativa que lhe dê esperança em melhores dias. A esquerda deve-lhe isso, mas tem a obrigação de saber que tal não é possível dentro do paradigma dominante. A menos que não tenha aprendido nada com o fiasco do Syriza.

(O meu artigo no jornal i)