quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Lena del rey



Regresso aos mercados III

Portugal pressiona compra de dívida por parte do BCE. O significado disto e sua relação com o "regresso" aos mercados está aqui.

Weimar, Buenos Aires e Atenas

Fabian Lindner faz uma comparação elucidativa entre a trajectória da Alemanha desde 1925 e a trajectória da Grécia desde 2004, tendo como referência os anos, que ficam na história, de 1929 e de 2008. A austeridade, sempre a austeridade permanente, a corroer as fundações das repúblicas democráticas, graças, entre outros factores, ao desemprego de massas. Entretanto, Mark Weisbrot, um atento analista das crises argentina e grega numa perspectiva comparada, desmonta pela enésima vez, é só seguir as ligações do seu artigo, o mito de que a argentina deveu toda a sua extraordinária recuperação, desde que, em 2002, se libertou da tutela monetária e financeira externa, a um boom exportador, salientando que a recuperação se deu sobretudo graças ao dinamismo do mercado interno, estimulado pela reconquista de instrumentos de política económica, pela reconquista de margem de manobra, de soberania democrática (duas palavras que têm de andar juntas, digo eu). A uma série de níveis, incluindo a capacidade exportadora, a Grécia está melhor posicionada do que estava a Argentina, afiança. Weisbrot afirma compreender a cautelosa posição política do Syriza, mas indica que a discussão sobre a saída do euro é inevitável, que mais não seja porque esta ameaça credível é uma das armas da periferia para evitar um destino trágico.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Sic transit gloria mundi

«Nunca norteei a minha vida por esse objectivo [de ter uma licenciatura], norteei a minha vida pela simplicidade da procura do conhecimento permanente».
      Miguel Relvas, Ministro dos Assuntos Parlamentares

«Houve sempre dois factores determinantes que pautaram a minha conduta e nunca foram postos de lado: o rigor e a exigência».
      Franquelim Alves, Secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação

(recomenda-se o clique nos respectivos links)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Choques

Luís Amado não se chocaria se Estado nomeasse um membro para a gestão do Banif. A lata desta gente não tem fim. Notem que estamos a falar de um periclitante banco, em que 99% do capital está neste momento em mãos públicas, mas em que o governo se abstém no essencial de mandar, já que não tem ninguém na administração. Negócios estrangeiros, de facto. Pelo seu percurso, Luís Amado, que acumula com a administração da sociedade de desenvolvimento da zona franca da Madeira, é um bom exemplo da bancarrotocracia vigente, a que tem em Ulrich um dos seus símbolos mais poderosos e em Franquelim Alves mais um exemplo da rotação entre negócios, com todo o empreendedorismo à mistura. Que força é esta? É a força de um governo que faz de tudo para agradar às fracções mais financeirizadas do capital. É a força de um enquadramento europeu que é a garantia das suas políticas. É a força de um passado recente, mas já com mais de um par de décadas, feito só de vitórias. É a força que já não se lembra de um certo decreto-lei, nos idos de Março de 1975, e do espírito dessa época. Esta falta de memória, e a arrogância que a acompanha, pode vir a ser a sua fraqueza fatal. Desculpem, mas é o optimismo da vontade, que escasseia, a falar. A verdade é que a história não acabou e a da banca muito menos.

Do comportamento financeiro das famílias


Num momento em que mitos e equívocos sobre a relação entre as famílias e o sistema financeiro nacional abundam, importa investigar como é que os portugueses entendem o sistema financeiro e se comportam financeiramente.

No âmbito do projecto "BEHAVE", desenvolvido no Centro de Estudos Sociais, foi colocado em linha um inquérito sobre a relação dos/as consumidores/as com as instituições financeiras. O inquérito demora cerca de 10 a 15 minutos a responder, assegurando-se anonimato e confidencialidade. Os resultados obtidos serão utilizados para fins exclusivamente científicos e serão analisados apenas pela equipa de investigação. Para responder ao inquérito, basta seguir a seguinte ligação: http://www.ces.uc.pt/behave/inqueritofinanceiro

O sucesso do inquérito depende do número de respostas. Gastem, por favor, um quarto de hora do vosso tempo e contribuam para o melhor conhecimento de uma esfera decisiva na vida de todos. A equipa responsável agradece.

Quarta-feira


No Auditório do Liceu Camões (Largo José Fontana, em Lisboa), a partir das 18.00h, tem lugar a Sessão pública de Apresentação da Conferência «Vencer a Crise com o Estado Social e com a Democracia», que o Congresso Democrático das Alternativas irá realizar em finais de Abril.

Esta sessão conta com as intervenções de Boaventura de Sousa Santos, João Galamba, Jorge Leite, Maria Eduarda Gonçalves e Tiago Gillot. Estão todos convidados.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Economia Portuguesa: Propostas com Futuro


No apelo de Abril de 2011 que fundou a Rede Economia com Futuro e levou à Conferência “Economia Portuguesa: uma Economia com futuro” alertava-se para que o “resgate” que acabara de ser anunciado iria resultar “em aumento do desemprego e da pobreza e em agravamento das desigualdades sociais e territoriais” e que “originando mais recessão … [poderia] falhar na necessária consolidação orçamental e não [reduzir] a dívida nem o fardo dos seus juros”.

Passado um ano e meio, os resultados deste “resgate” estão à vista de todos e são reconhecidos pela maioria. Importa agora, face à devastação económica e social do país, em vias de rápido aprofundamento, procurar vias de saída e propostas capazes de impedir o declínio e a dependência de Portugal no quadro de uma União Europeia dual e em risco de desagregação. Esse é o objetivo da conferência de 2013 da rede Economia com Futuro, que terá lugar a 16 Fevereiro, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa (inscrição, programa e página facebook).

A Conferência colocará em debate os resultados do trabalho e das discussões desenvolvidos no âmbito de grupos e seminários temáticos, abarcando os seguintes tópicos:

        Desenvolvimento, Emprego e Reanimação Económica
        Desigualdades e Inclusão Social
        O Futuro da Zona Euro e o Projeto Europeu
        Sistema Financeiro
        Estado, Direitos Sociais e Qualidade da Democracia
        Economia: Ensino e Investigação

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Procura


Os fatores limitativos ao investimento mais referenciados como principais pelas empresas continuaram a ser a deterioração das perspetivas de vendas (62,6% e 63,4% em 2012 e 2013, respetivamente) e, embora com menor expressão, a incerteza sobre a rentabilidade dos investimentos (11,9% e 11,6%) e a dificuldade em obter crédito bancário (8,9% nos dois anos em análise). 

Esta é uma das principais e repetitivas conclusões de mais um inquérito semestral do INE a milhares de responsáveis empresariais. A realidade parece ter mesmo um enviesamento keynesiano. Entretanto, perante estas perspectivas, cerca de 20% das empresas declara que irá reduzir a sua força de trabalho. A política em curso é parte do problema: dizem querer refundar, mas com um corte de 4000 milhões de euros irão mas é afundar a economia, comprimindo ainda mais a procura e garantindo que o Banco que não é de Portugal fará com 2014 o que já fez com 2013. A taxa de desemprego oficial ultrapassará, lá para 2014, os 20% a este ritmo, quase o quíntuplo da registada pouco antes de termos aderido ao euro, muito mais do dobro do máximo histórico antes de termos aderido ao euro. Coincidências, certamente.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

"Walking dead"

Quatro anos depois do início da crise, a banca europeia continua no seu estado "zombie", sobrevivendo à custa dos apoios públicos (BCE e Estados nacionais):

- O banco holandês SNS Reaal foi hoje nacionalizado (com accionistas e detentores de obrigações do banco a perderem o valor dos seus títulos).

- O banco alemão Deustche Bank anunciou perdas de 2,1 mil milhões no último trimestre de 2012.

- O banco francês Credit Agricole anunciou perdas recorde de 2,6 mil milhões de euros em 2012.

- A banca espanhola continua a assumir perdas causadas pela implosão da bolha imobiliária e subsequente recessão.

A Europa assemelha-se cada vez mais à economia japonesa dos anos 90. Estagnação económica com um todo poderoso sistema bancário que, aos poucos, vai assumindo as suas perdas sem nunca permitir uma verdadeira recuperação da economia.

O povo é quem mais ordena

Bom texto de Daniel Oliveira para ler na íntegra aqui:

Afinal, a Islândia saiu-se bem. Saiu-se bem na economia, já abandonou a austeridade, está a mudar a Constituição no sentido exatamente inverso ao que se quereria fazer por cá e manteve a sua determinação em não pagar as dívidas contraídas por empresas financeiras privadas, tendo sido, no fim, judicialmente apoiada nesta decisão. Porque o governo islandês assim o quis? Não. Pelo contrário. Porque as pessoas exigiram e mobilizaram-se. E as pessoas, até na pacata Islândia, podem ser muito assustadoras.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sin fondo?


O título do editorial do El Pais resume bem a situação económica num país com mais de um quarto da força de trabalho desempregada e que até há pouco era o destino de cerca de um quarto das nossas exportações: “No vemos el fondo”. Lembram-se quando a economia espanhola, movida a tijolo financiado externamente, com os seus superávites orçamentais, baixa dívida pública e bancos internacionalizados era um modelo de disciplina e de adaptação ao euro para os euro-liberais? Bom, afinal era um caso típico dos desequilíbrios gerados pela finança de mercado, num euro feito para a dinamizar, de captura do poder político pela construção e pela finança, com um novo caso de possível financiamento ilegal PP, com relatos de doações que chegam lá mesmo ao topo, a ilustrar uma dimensão de toda uma economia política feita de desigualdades sem fim: “uma pequena elite de 1400 pessoas, que representa 0,0035% da população espanhola, controlava recursos que equivalem a 80,5% do PIB” (Hay alternativas, p. 39). Ainda sem troika, mas já com as suas políticas, até porque o euro ainda é para todos na periferia, sem instrumentos de política dignos de relevo, até quando aguentarão aqui ao lado esta tóxica economia política? Deste lado, a elite da bancarrotocracia, a avaliar, uma vez mais, por Ulrich, aposta que aguentaremos tudo...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A importância das palavras

A propósito do alargamento do prazo de pagamento dos empréstimos do FEEF e do MEEF, a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, na entrevista que deu ao “Jornal de Negócios”, à pergunta “Como explica que não estamos perante uma reestruturação da dívida ou um novo programa?” respondeu: “Na pureza técnica, é uma reestruturação. Mas como a expressão ‘restruturação’ passou a ter uma conotação negativa, que implica perda para o investidor, é importante salientar que não é disso que se trata.” É fácil perceber porque é que o alargamento dos prazos representa uma perda para o investidor. Os empréstimos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) apresentam uma maturidade média de 14,6 anos, enquanto os do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeiro (MEEF) apresentam, em média, maturidades de 12,4 anos. Se viermos a obter prolongamento das maturidades para 30 anos, como conseguiu a Grécia, isso significará mais que duplicar as maturidades que tínhamos inicialmente contratualizado. É óbvio que este prolongamento representará perdas para os credores, que por via do efeito acumulado da inflação vão receber, em termos reais, menos que aquilo que emprestaram. É que, ao contrário do que muita gente pensa, o principal destes empréstimos é pago, na sua totalidade, no fim do prazo, e não ao longo tempo, como acontece com os comuns empréstimos à habitação.

Não é para evitar assustar os investidores que a secretária de Estado se recusa a falar em “reestruturação”. Até porque serviria de pouco. Se alguém sabe o que representa o prolongamento dos prazos são precisamente os investidores e os credores. A secretária de Estado foge da palavra, “tecnicamente pura”, porque quer esconder a verdade dos portugueses. Não quer assumir que, num contexto de recessão e austeridade, o nível de dívida pública acaba por se tornar insustentável e por obrigar a “reestruturações”.

(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)

Outros meios, o mesmo fim



No passado dia 23 de Janeiro, o país foi salvo. Outra vez. Desta feita, a notícia foi o regresso à emissão de obrigações do tesouro (OT). Como não podia deixar de ser, o acontecimento foi celebrado pelo Governo como a prova de que os mercados tinham finalmente recuperado a confiança no país.Os festejos têm sido de arromba e até há críticos do Governo que não hesitam em reconhecer que se trata de um "facto positivo".

Esta narrativa esbarra num pequeno detalhe, que é o facto de ser totalmente absurda. A última vez que o país foi salvo foi em Junho de 2011. Foi salvo porque não se conseguia financiar nos mercados. O que mudou entretanto? O país teve mais um ano e meio de recessão, a dívida aumentou para 198 mil milhões, o desemprego (registado) para 884 mil e o défice derrapou em 2011 e 2012, sendo sustido apenas por medidas extraordinárias, e mesmo assim acima das previsões iniciais. Hoje, não há nenhum economista sério ou que se leve a sério que seja capaz de dizer que o nosso nível de dívida é sustentável.

Neste contexto, a explicação para uma emissão de dívida a cerca de 4,9% tem de ser outra. Esta é, aliás, fácil de encontrar: a disponibilidade ilimitada do BCE para comprar títulos de dívida pública no mercado secundário. Essa disponibilidade foi concretizada através do programa de OMTs (Transações Monetárias Definitivas, ou diretas, conformes as traduções para português).

As declarações de Draghi a respeito deste programa foram fortes e inequívocas: "O Euro é irreversível". Aparentemente, o triunfalismo e a fanfarronice dos eurocratas aumenta com a degradação da situação económica concreta. De qualquer forma, estas declarações tiveram uma consequência imediata nos mercados de dívida, o que prova que a atuação do BCE pode, de facto, ter um enorme efeito estabilizador.

Mas será esse o caso com este programa? Vejamos o que diz o BCE sobre essa matéria, para lá da propaganda:

"Uma condição necessária para as Transações Monetárias Definitivas é a condicionalidade estrita e efetiva associada a um Programa apropriado do Fundo de Estabilização Financeira Europeu / Mecanismo de Estabilidade Europeu. [...] O envolvimento do FMI também será procurado para a elaboração da condicionalidade específica para cada país e para a monitorização desse programa."

Ou seja, exatamente o que temos tido até agora, sem tirar nem pôr um milímetro. A política económica e orçamental continuará a ser a que produziu os resultados a que estamos a assistir. A única alteração no "programa de ajustamento" será a forma de financiamento: em vez de empréstimos diretos, os países submetidos a este novo programa passarão a ser indiretamente financiados pelo BCE, através da intervenção deste nos mercados secundários de dívida pública.

O que é que isso muda na prática? Em primeiro lugar, o juro médio da nossa dívida irá aumentar. Se considerarmos a estimativa do relatório da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã para o juro médio dos empréstimos da Troika (3,4%), a emissão de OTs do dia 23 de Janeiro representa um aumento dos nossos custos de financiamento de cerca de 1,5%. Esta emissão custará cerca de 612,5 milhões em juros durante cinco anos, 187,5 milhões acima do que pagaria com juros ao nível dos da Troika e 518,75 milhões acima do que pagaria com a taxa de juro atualmente praticada pelo BCE.

Estes custos acrescidos poderiam valer a pena se significassem que o país ficava livre para prosseguir uma política de crescimento e combate ao desemprego. Mas não será esse o caso. Se olharmos para a Análise Anual de Crescimento para 2013 apresentada pela Comissão Europeia, o que encontramos é, nada mais, nada menos, do que a mesma conversa estafada sobre disciplina orçamental e confiança, competitividade e reformas estruturais. Se a isto juntarmos as declarações de vários responsáveis europeus, incluindo Mario Draghi, no sentido de que a crise do Euro está a aproximar-se do fim, concluiremos que a política de austeridade é para continuar.

Neste momento, o Governo faz a festa, atira foguetes e apanha as canas. No entanto, infelizmente, o confronto com a realidade não se fará esperar. A continuação da recessão em 2013 continuará a atirar a dívida para valores crescentemente insustentáveis e, agora, com a agravante de a nova dívida que entretanto for emitida ser paga a juros mais elevados.

A "libertação" do país é, assim, uma fraude pura e simples. Como consta do próprio documento sobre as OMT, o BCE terá plenos poderes para interromper ou encerrar o programa se não estiver satisfeito com as políticas implementadas. Uma entidade totalmente independente dos poderes democráticos europeus e dirigida pelos maiores fanáticos da austeridade continuará a determinar o essencial da política económica, com a colaboração entusiástica de um governo de extremistas.

Até, claro, que o país se farte da estratégia do bom aluno. O próximo dia 2 de Março será um momento único para apresentar essa alternativa: a dignidade de um país contra um Governo subalterno e corrupto e uma Eurocracia irresponsável.

Publicado no Esquerda

O Mali aqui tão perto?



“O sobreendividamento dos anos 1970 serviu de justificação para impor ao Mali uma reestruturação da dívida. Esta reestruturação foi condicionada a planos de ajustamento assassinos que impuseram a austeridade na despesa pública, privatizações e liberalização excessiva durante os anos 1990 e 2000. A França sempre apoiou esta política predadora, mantendo  este país sob a tutela monetária do Franco CFA, com as suas desvalorizações a serem decididas em Paris.”

De um recomendável dossier sobre a intervenção francesa no Mali.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Regresso aos mercados - mais algumas notas

Há uma semana escrevi, a propósito do “regresso aos mercados”, o seguinte: dada a recapitalização da banca portuguesa e o bom negócio que tem sido a compra de dívida pública, “é portanto provável que seja a banca portuguesa a ficar com o grosso da emissão agora anunciada”. Estava errado. O Governo, ao contrário do que é normal, prontificou informação sobre a composição dos agentes financeiros compradores desta emissão, vincando a procura estrangeira.

Partindo da minha errada conjectura das garantias do BCE não serem suficientes para atrair investidores estrangeiros, vale a pena olhar com mais cuidado para o que foi este leilão de dívida portuguesa. Foi prontamente assinalado por alguma imprensa que a procura neste leilão tinha vindo sobretudo de fundos de investimento e “hedge funds”, normalmente associados a apostas mais arriscadas no mercado, por contraponto a fundos de pensões ou a própria banca.

Este artigo do Financial Times, onde o caso português nem sequer entra, sublinha e explica este regresso de capital do exterior para a zona euro, sobretudo para a sua periferia. O artigo aponta o papel do BCE como decisivo para estes novos fluxos financeiros. Nada que já não soubéssemos. O risco de desintegração da zona euro foi, pelo menos no curto prazo, diminuído, sendo o suficiente para, num contexto onde activos financeiros com rentabilidades altas escasseiam, os agentes financeiros com um perfil mais especulativo integrarem dívida dos países periféricos nas suas carteiras de investimento (dívida mais arriscada, mas com maiores taxas de juro). Um investimento com chorudos lucros, como aliás verificámos da experiência da banca portuguesa ao longo do último ano. No entanto, como bem assinala um dos analistas citados pelo FT, este (ainda assim) modesto fluxo de capital, tendo a Europa como destino traduz sobretudo as crenças de curto prazo em mercados financeiros caracterizados pela miopia: “Talvez estejamos ainda a mover-nos em terreno negativo. Isso não interessa. Para os investidores o “momentum” é que importa" (tradução livre).

Aqui chegados, vale a pena voltar à minha conjectura inicial. O BCE pode resolver os problemas de curto prazo de liquidez dos Estados, como este lucrativo "regresso" aos mercados demonstra. Porém, com a actual arquitectura institucional, os problemas de solvabilidade manter-se-ão. Com uma dívida em crescimento, contracção do produto e doses consecutivas de austeridade, o serviço da dívida dos estados será sempre um bloqueio ao crescimento económico da periferia europeia. O caminho para o abismo económico e social continua a ser percorrido.

Ladrões


O Ladrões de Bicicletas foi eleito o melhor blog de 2012, na área de economia, no concurso organizado pelo Aventar. Obrigado pelo reconhecimento. Continuaremos então por aqui com economia, política, economia política, política económica, sem separações artificiais.

Entranhamentos

“Estou seguro de que se exagera extremamente as forças dos interesses adquiridos quando comparada com o gradual entranhamento das ideias.” Talvez Keynes exagerasse, mas talvez devamos agir como se estivesse certo. O editorial de apresentação da nova Review of Keynesian Economics enfatiza precisamente a importância da interacção entre ideias e políticas: “As consequências do regresso da macroeconomia clássica foram enormes. Para a sociedade implicaram uma era de domínio neoliberal sobre as políticas, que contribuiu para a estagnação salarial e para a desigualdade de rendimentos maciça, em grande medida responsável pela Grande Recessão e pela perspectiva de estagnação. A teoria económica e a política andam de mão dadas, com a teoria a reforçar a política e a política a reforçar a teoria”. O primeiro número está disponível gratuitamente e contém artigos, entre outros, sobre a austeridade, em particular na zona euro, a política orçamental orientada para o pleno emprego no mundo real ou os efeitos macroeconómicos das desigualdades.

Outras ideias, altamente complementares em relação às keynesianas sem abastardamentos, que têm de se entranhar mais são as a da chamada economia política internacional crítica – a que insiste em falar de poder, classes, suas fracções, lutas, alianças e projectos hegemónicos –, em particular na área dos estudos sobre a integração europeia, até há pouco dominada por abordagens panglossianas, ou não fosse a Comissão um agente importante aqui, e onde a actual crise sistémica é coisa embaraçosa. Magnus Ryner e Alan Cafruny, por exemplo, há vários anos que vêm desenvolvendo um trabalho crítico importante, que está sintetizado num artigo desta revista, sobre uma crise em desenvolvimento, graças aos poderes que construíram uma arquitectura disfuncional, mas feita para garantir todas as vitórias de classe.

É, basicamente, isto

«Não é a austeridade que dá confiança aos mercados, os mercados querem é saber que não vão perder dinheiro».
(da entrevista de Catarina Martins ao «i», no passado sábado).

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Uma boa imagem


De Rodrigo de Matos, no Expresso deste fim de semana (via Nuno Oliveira, no facebook), para ilustrar o que se escreveu aqui, aqui e aqui.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Sucessos

A entrevista à secretária de estado Maria Luísa Albuquerque – “trabalha 15 horas por dia, um pouco menos aos sábados e domingos”, “tem-nos habituado a intervenções claras, concisas e assertivas”, etc. – feita ontem pelo Negócios reflecte a sabedoria económica convencional depois da “ida aos mercados”: “este sucesso não é uma enorme responsabilidade?”. As outras perguntas não são muito mais desafiadoras. É a própria secretária de estado que tem de colocar alguma água na fervura jornalística. A ideia central é clara: “sem manter a austeridade este sucesso desaparece.” Sem austeridade não há recessão e sem recessão não há aumento de desemprego e sem desemprego de massas não há quebras de salários e do consumo e sem quebras de consumo, e já agora do investimento, que continua a colapsar, não há reequilíbrio na balança corrente neste euro. Um combinado sucesso periférico, aliás, como este gráfico ilustra.


Entretanto, sobre a crise que realmente se aprofunda numa Zona Euro que aprofunda o desenvolvimento desigual (os choques assimétricos, como os economistas convencionais gostam de dizer), leiam este artigo no Vox. Cheguei a ele via Jorge Costa, agora no Insurgente. Apesar de dar marginalmente para o peditório da flexibilidade de preços, na linha da literatura sobre zonas monetárias óptimas, curiosamente o argumento central do artigo não corrobora em nada as previsíveis observações iniciais de Costa: os EUA, ao contrário da Zona Euro, já saíram da crise, graças ao uso muito mais aguerrido da política orçamental e monetária, as duas têm de andar de mão dada. Uma ideia keynesiana, perigosamente socialista, para entrar no universo insurgente, embora não seja keynesiano quem quer, mas sim quem pode, quem tem soberania monetária. Bom, a verdade é que os EUA são os Estados Unidos da América, o que significa que existe redistribuição entre Estados, e Estados Unidos da Europa é coisa que esta aberração monetária nunca será.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Dimitri e a emissão de dívida


(via Miguel Cardina, no Arrastão)

Leituras

«O regresso aos mercados não é o resultado da lucidez e sagacidade do Governo português. A lucidez, neste caso, tem perna curta: aceder aos mercados é uma das condições fixadas pelo BCE em setembro para a dívida de um Estado ser suscetível de compra pelo banco. O que o Governo agora anuncia com pompa como sendo uma vitória sua não é afinal mais do que um requisito de uma política europeia que o mesmo Governo sempre combateu. (...) Portugal regressou aos mercados no mesmo dia em que o Eurostat tornou público que a dívida pública portuguesa atingiu o seu valor mais alto de sempre. Do segundo para o terceiro trimestre de 2012, a dívida passou de 117,4% para 120,3% do PIB, sendo a terceira mais elevada da UE, a seguir à Grécia e à Itália. »

José Manuel Pureza, «Adeus até ao meu regresso (aos mercados)»

«Exemplo recente 1: O sector público era minoritário na dívida total portuguesa em 2007, correspondia a 25,3%. Note-se: com a crise (tendo injectado já 5,6 mil milhões de euros no BCP, BPI, CGD e Banif e outro tanto nos casos BPN e BPP) essa proporção aumentou para cerca de 35%, notavelmente ainda uma componente minoritária do nosso problema com a dívida total.
Exemplo recente 2: as despesas com protecção social sempre estiveram abaixo da média da UE-15. Note-se: os apoios às famílias e aos desempregados têm-se reduzido em plena crise, Portugal tinha em 2012 gastos sociais 3% menores em termos reais que em 2007. No meio de tudo isto qual a prioridade do Governo? Encomendar ao FMI (e agora à OCDE) textos para os quais fornece as opiniões, os dados, e as recomendações de proposta.»

Sandro Mendonça, «O (det)Estado Social»

«Foi justamente aqui que começou a notável encenação em três actos que o Governo montou esta semana para fazer passar a sua nova narrativa. O enredo é claro: Portugal, graças à política de austeridade do Governo e aos sacrifícios dos portugueses, está a cumprir as metas do programa de ajustamento; é porque está a cumprir que teve agora condições para pedir e beneficiar de mais tempo no pagamento da dívida contraída junto da ‘troika' e é também porque está a cumprir que conseguiu o regresso antecipado aos mercados. Em suma, tudo valeu a pena. Não é que esta história não tenha a beleza das coisas simples e até o encanto do final feliz - mas tem um pequeno problema: não é verdade. Não passa de uma encenação, sem qualquer correspondência com a vida real.»

Pedro Silva Pereira, «A encenação»

Hoje

«Esta sexta-feira, dia 25 de Janeiro, será discutida e votada no Parlamento a segunda Iniciativa Legislativa de Cidadãos apresentada na democracia portuguesa. Será votada a Lei Contra a Precariedade, subscrita por mais de 40 mil cidadãs e cidadãos, que assinaram em mão esta proposta de lei. Numa altura em que mais de metade da população ativa é já composta por pessoas desempregadas ou precárias, a Lei Contra a Precariedade é uma resposta concreta cuja aprovação melhorará significativamente a situação de quase 3 milhões de pessoas.

Esta lei propõe mecanismos simples que enfrentam as situações mais comuns de precariedade: os falsos recibos verdes, a contratação a prazo para funções permanentes e o recurso abusivo ao trabalho temporário.


Esta iniciativa demonstra que há alternativas à precariedade e ao desemprego e uma clara vontade popular para que sejam implementadas. Num momento em que se tenta convencer o conjunto da população que não existe alternativa ao desastre social, nunca foi tão importante combater a precariedade e o desemprego. Esta é uma escolha de sociedade e do futuro. É com esta força que a Lei Contra a Precariedade confronta o parlamento. A força dos cidadãos pode ser lei.
»

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Até que o soberano se pronuncie


O nosso ministro das Finanças declarou em Bruxelas que Portugal é um país “que cumpriu e que cumpre” os seus compromissos do programa de ajustamento, e que a “forte capacidade de execução” permite que o país esteja agora “prestes a poder realizar emissões no mercado primário de obrigações”. “O facto de o Tesouro português recuperar o seu acesso ao mercado de obrigações permite que os bancos portugueses e as grandes empresas portuguesas possam também elas beneficiar desse acesso ao mercado”, e tal é “um impulso decisivo para a recuperação da actividade da economia em geral e do investimento em particular”.

Como era de esperar, estas declarações foram acriticamente recebidas pelos jornalistas dos negócios e pelos comentadores dos telejornais. Como qualquer cidadão minimamente informado sabe, Portugal falhou estrondosamente os objectivos da chamada “consolidação orçamental” e, no caso de 2012, além de ter aumentado o valor do objectivo para o défice, tratou de vender apressadamente uma empresa pública (ANA) para poder registar parte do encaixe como receita corrente. Hoje a própria troika admite que as metas orçamentais de 2013 também estão em risco. Por conseguinte, estas declarações só podem fazer parte de uma manobra de diversão, do governo e dos credores. Não podendo reconhecer que a destruição do tecido produtivo e social produzida pela desvalorização interna em curso falhou os objectivos anunciados, martelam agora a mente dos cidadãos com a retórica do sucesso nas reformas do mercado de trabalho, na redução das transferências sociais, nos primeiros passos do processo de reconversão da sociedade portuguesa numa sociedade de salários (ainda mais) baixos e dotada de um Estado assistencialista. É esta a nova meta, mas estão com medo. E se o povo português, o soberano, decidir pronunciar-se em tempo útil sobre esta via para o subdesenvolvimento?

Face ao estrondoso, mas previsível, fracasso desta política económica, há quem no seio da troika esteja aberto ao adiamento do reembolso da nossa dívida oficial. Sabem que a economia portuguesa não vai crescer e portanto gerar excedentes orçamentais para estabilizar uma dívida pública que já vai nos 120% do PIB. Aproximando-se o início dos reembolsos à troika (entre 2014 e 2016), só resta reciclar esta dívida, ou seja, pagá-la com a receita da venda de novos títulos vendidos nos mercados financeiros (bancos, seguradoras, fundos de pensões, fundos soberanos, etc.) a uma taxa de juro suportável. É a isto que se chama “regressar aos mercados”. Porém, sabendo que a dívida a reciclar é volumosa, e sabendo também que o país entrou numa espiral recessiva que se encaminha para uma depressão (desemprego a explodir e taxa de inflação a descer), o ministro das Finanças quer adiar esse momento da verdade. Entretanto, vai fazendo testes de emissão de dívida, de pequeno montante, no contexto da acalmia imposta pelo BCE. Resta saber quem vai financiar os défices orçamentais após 2013. Se os mercados ainda não estão preparados, e não vão estar enquanto a economia estiver deprimida, continuará a troika disponível para o fazer? E a que preço?

O ministro das Finanças acredita que as taxas de juro mais baixas dão “um impulso decisivo à recuperação da actividade da economia”, mas a sua teoria está errada. Mesmo com taxas de juro baixas, nenhum empresário investe se não tem encomendas. A teoria económica keynesiana diz-nos que temos uma crise da procura, pelo que só com programas públicos de investimento, de criação directa de emprego e de redistribuição do rendimento se tira a economia deste buraco e se reduz o peso da dívida pública. O que é incompatível com a permanência na zona euro. Mas o ministro e os seus amigos de Bruxelas e Frankfurt preferem acreditar na fada da confiança. Por isso se agarram a precários sucessos nos mercados financeiros. Até ao dia em que o soberano se pronuncie.

(O meu artigo no jornal i)

Escrutínios há muitos

Fala-se muito da ausência de alternativas. Pois bem, o que é que faz a generalidade da comunicação social quando surge um documento como este? Corrijam-me se estiver enganado, mas julgo que o relatório produzido pela Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida foi recebido com estrepitoso silêncio. E, no entanto, trata-se de um documento com mais de cem páginas (isto talvez possa explicar o atraso no escrutínio, espero), que apresenta uma “narrativa” clara, como agora se diz, das origens da crise da dívida externa que não é soberana e da captura do Estado por vários interesses e que contém um roteiro para uma reestruturação séria e a sério da dívida.

Coisas certamente de pouco interesse, muito menos agora que Portugal começa a regressar aos “mercados”. Na realidade, o país continua entre a parede da condicionalidade austeritária, seja por via da troika ou futuramente “apenas” do BCE/CE e a espada de fundos especulativos, agora temporariamente eufóricos com as garantias dadas pela tal parede política pós-democrática que, à escala da zona euro, é absolutamente determinante na formação de convenções financeiras. Há um detalhe que ameaça esta nova convenção: a abismal diferença entre taxas de juro positivas e um PIB em contracção intensa não mudou e garante que a reestruturação da dívida e tudo o que se lhe segue continuam a ser de um rematado realismo. Por agora, a austeridade recessiva e regressiva consolida-se, até porque se difunde a ideia de “que há quem tenha tido confiança na recuperação económica e financeira pelo caminho da austeridade que estamos a seguir” (Helena Garrido).

Ao contrário do que li ontem, a recuperação da soberania não está obviamente mais próxima, bem pelo contrário: basta olhar para Espanha, com uma taxa de desemprego recorde de 26,6% sem troika, mas com toda a austeridade, basta olhar para toda a estrutura de constrangimentos de uma moeda feita à medida do desenvolvimento do subdesenvolvimento periférico e em que as elites europeias continuam a apostar, garantindo todas as vitórias políticas do projecto ideológico de Gaspar e seus aliados na finança e nos grandes grupos económicos. De resto, pelo menos numa coisa concordo com Garrido: “Portugal vai ser agora ainda mais escrutinado do que no seu passado recente”, se por escrutinado entendermos condicionado e comandado pelo exterior e por aqueles que por aqui servem de sua correia de transmissão. A política interna da periferia é determinada externamente, embora os hábitos de pensamento ainda não tenham integrado inteiramente uma dimensão que, se não resolutamente enfrentada, nos garante derrotas sem fim. No fundo, na periferia nada de novo.

Qualificando o tecido produtivo


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Regresso aos mercados

O ministro das Finanças de Portugal, Vítor Gaspar, pediu aos ministros das Finanças dos 27 países da União Europeia uma extensão dos prazos dos empréstimos assegurados pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira. A Comissão Europeia e o Eurogrupo preparam-se para aceitar o pedido de prolongamento dos prazos de empréstimos que venceriam entre 2014 e 2016.

Desta forma conseguir-se-á reduzir a elevada concentração de refinanciamentos previstos para esses três anos e facilitar o regresso aos mercados. O governo tem assentado a sua narrativa no sucesso da sua governação no regresso aos mercados e na saída da troika do nosso país. Primeiro importa lembrar que a possibilidade de o país regressar aos mercados para obter financiamento em nada se fica a dever ao trabalho do governo português.

Ficará a dever-se, exclusivamente, ao novo papel que o BCE decidiu assumir, na senda daquilo que foi sempre defendido pelo Partido Socialista mas nunca pelo governo PSD/CDS. Foi apenas a decisão e o anúncio do BCE da sua intenção de comprar títulos de dívida pública no mercado secundário que retirou pressão sobre as taxas de juro cobradas aos países em dificuldades. E será essa mesma decisão do BCE que permitirá o regresso aos mercados a taxas de juro mais baixas que as cobradas nas vésperas do pedido de resgate financeiro.

Segundo, importa também lembrar que o BCE só apoiará o regresso aos mercados mediante condições. O que isto quer dizer é que a receita da troika continuará a ser implementada em Portugal, mesmo depois de ela se ter ido embora. Olhemos para Espanha. Tem-se financiado nos mercados, não tem a troika fisicamente presente, mas está igualmente afundada numa austeridade imposta de fora. O país pode regressar aos mercados e a troika ir-se embora, mas isso não significar nada no que ao fim da austeridade e da espiral recessiva diz respeito.

(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O Estado português regressa aos mercados. Bem-vindos ao segundo resgate da troika.


                                                  
O regresso aos mercados não assinala o fim da intervenção da troika em Portugal? Confuso? Não é para menos. É nesta confusão que o Governo joga as suas fichas. Portugal prepara-se para regressar ao financiamento dos mercados através de uma emissão de obrigações a cinco anos. O Estado recapitalizou a banca nacional com o empréstimo da troika, com o compromisso, explícito no caso do Banif, de a banca comprar dívida pública portuguesa. É portanto provável que seja a banca portuguesa a ficar com o grosso da emissão agora anunciada.

Que importa que seja a banca portuguesa a comprar? O que interessa é livrar-nos do financiamento e da austeridade da troika. Aliás, é excelente para a nossa economia que se dê uma substituição dos credores estrangeiros por domésticos (o serviço da dívida deixa de ser uma sangria de rendimento para o exterior). Pois. No entanto, se a banca portuguesa pode substituir os agentes estrangeiros em algumas emissões, duvido que tenha arcaboiço para aguentar o exigente calendário de obrigações a refinanciar nos próximos três anos, mesmo com as facilidades de liquidez do BCE. Aparentemente, não sou o único a duvidar se tivermos em conta a extensão das maturidades do financiamento europeu também hoje anunciada.

Mas então isto não passa de uma vã manobra de diversão para enganar os mercados financeiros? Também não. O que o governo português consegue com esta jogada é obedecer a uma das condições fixadas pelo BCE para as operações de compra de dívida comunicada em Setembro. O BCE só compra títulos de dívida pública de um determinado país se este tiver efectivo acesso aos mercados. Ora, é exactamente isso que Portugal poderá agora apresentar em Frankfurt. Posto de forma muito simples, com o apoio do BCE, a banca portuguesa poderá comprar dívida, vendê-la ao BCE e em seguida comprar mais dívida ao Estado.

Portugal continuará a estar dependente de financiamento oficial, desta feita de um dos elementos da troika, mas agora não haverá memorando nenhum a cumprir. Teremos financiamento sem austeridade? Não. As operações anunciadas pelo BCE estabelecem explicitamente condicionalidade aos países “ajudados”, no quadro do FEEF e do FMI. Trocado por miúdos, teremos novo financiamento associado a nova austeridade desenhada pela troika. Bem-vindos ao segundo resgate.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Frentes

O historiador britânico Perry Anderson recorda que no Congresso de Viena, em 1815, se verificou uma concertação entre cinco potências (França, Reino Unido, Rússia, Áustria e Prússia) para prevenir a guerra e esmagar as revoluções. A seu ver, a ordem mundial está agora a ser governada por uma nova «pentarquia» informal, que reúne os Estados Unidos, a União Europeia, a Rússia, a China e a Índia. Esta Santa Aliança conservadora, constituída por potências rivais e cúmplices, sonha com estabilidade. Mas o mundo que ela está a construir garante que vão ocorrer novos sobressaltos económicos. E vai alimentar, faça ela o que fizer, as próximas revoltas sociais.

Serge Halimi, Frente antipopular

No ano que agora começa, o «Basta!» que invadiu as ruas em 2012 e mostrou o crescimento da revolta social vai continuar a recusar um programa de empobrecimento e subdesenvolvimento do país, mas vai traduzir também a rejeição de um programa que nunca perdura para sempre: desprezar os povos, tomá-los por parvos. É este duplo «Basta!» que tem de ser inscrito em qualquer solução governativa futura que seja uma verdadeira mudança.

Sandra Monteiro, Descartáveis ou sujeitos de mudança?

Para além de artigos sobre serviço público de televisão ou sobre corrupção, destaque na edição deste mês, no quadro de um dossiê sobre avaliação de políticas públicas, para a desmontagem que o Nuno Serra efectua, no seguimento deste poste, de um estudo encomendado pela fundação pingo doce, e que a comunicação social difundiu sem qualquer escrutínio crítico, para legitimar a criação de ainda mais iníquas barreiras monetárias no acesso ao ensino superior.

Concurso de blogues do Aventar

Graças à escolha dos seus leitores - que muito nos honra e nos incentiva a continuar - o «Ladrões de Bicicletas» ficou entre os cinco blogues de Economia mais votados na primeira fase do concurso promovido pelo «Aventar».

Vamos assim bem acompanhados, com o «Economia e Finanças», «Má Despesa Pública», «Poupar Melhor» e «Pedro Lains», para a segunda fase, que decorre até ao próximo sábado, dia 26 de Janeiro. No dia 27 serão conhecidos os resultados finais em todas as categorias do concurso.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Enviesamentos

Esta semana ficámos a saber que um dos co-autores da fraude que não é sobre Portugal, também conhecida por relatório do FMI, e que por sinal foi autor do programa económico de Zapatero, faz campanha contra a austeridade nas horas livres. Qual é a surpresa? A Comissão Europeia, ou melhor a sua direcção-geral de emprego, assuntos sociais e inclusão, também fez um estudo detalhado, onde conclui que a austeridade leva, olha a surpresa, a uma compressão da procura agregada e que não há nada que faça mais pela destruição de emprego, ao mesmo tempo que se cava um fosso entre centro e periferia, o tal desenvolvimento desigual. O próprio FMI é conhecido por rever em alta os multiplicadores orçamentais: agora, por cada euro de austeridade, a economia pode cair até 1,7 euros, o que faz com que a economia portuguesa, só devido ao corte adicional de 4000 milhões de euros a que estamos “condenados”, a expressão é de Passos, possa dar um tombo adicional de 4% do PIB, segundo Eugénio Rosa. Só o BCE, por sinal a instituição mais poderosa das três, insiste em negar que a realidade tem um enviesamento keynesiano, para retomar Krugman, ao nível macroeconómico, embora BCE, Comissão e FMI mantenham o enviesamento anti-keynesiano nas políticas, o que aliás está na sua natureza. De resto, é cada vez mais claro qual é o objectivo destas políticas: “O horror que está diante dos nossos olhos é a ruina social. A estratégia europeia face à crise consiste em partir a espinha à resistência dos trabalhadores aos cortes salariais, deixando que o desemprego exploda. É nisto que consistem as ‘desvalorizações internas’. E isto causa repulsa.” Quem escreveu isto não escreve por aqui, mas sim num jornal conservador britânico: vale a pena seguir Ambrose Evans-Prichard, comentador económico do Daily Telegraph. Parece que a realidade também tem uns enviesamentos marxistas...

sábado, 19 de janeiro de 2013

Hoje


No Instituto Franco-Português (Av. Luís Bívar, 91, em Lisboa), o Primeiro Encontro Nacional da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida: «Crises não pagam dívidas». O Relatório Preliminar, que será apresentado e discutido neste encontro, pode ser descarregado aqui.

Adenda: Os trabalhos podem ser acompanhados em directo na página da IAC.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O milagre da descida dos juros


Os gráficos falam por si (e comparam a evolução dos juros da dívida a dez anos em Portugal, na Espanha, na Itália e na Grécia - clicar na imagem para ampliar). Mas não deixem de ler o notável post no Aspirina B, que os colige.

Como é possível tamanha sincronia entre países que passam a vida a dizer que não têm nada que ver uns com os outros? A explicação está basicamente aqui. Mas não se iludam, pois isto está muito longe de poder significar o fim da crise.

Nem a emigrarem, nem a sairem da «zona de conforto»

«A falar aos jornalistas no consulado-geral de Portugal em Paris, no fim de uma visita de trabalho a França, Pedro Passos Coelho esclareceu que "ninguém", no Governo, "aconselhou os portugueses a emigrarem".» (Jornal de Negócios, 17 de Janeiro de 2013).

Claro que não. Apenas há um ano atrás o primeiro-ministro «aconselhava os professores a «abandonarem a sua zona de conforto e a procurarem emprego noutro sítio»; o Dr. Miguel Relvas desafiava os jovens desempregados a «terem uma visão cosmopolita do mundo»; e Alexandre Mestre (secretário de Estado do Desporto e Juventude) sugeria à malta «sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras».

O que vale é que, há um mês atrás, preocupado com a quebra histórica da natalidade, Feliciano Barreiras Duarte (secretário de Estado Adjunto do Ministro-Adjunto), nos assegurou que o governo irá «olhar cada vez mais para a imigração como uma área prioritária ao nível das políticas públicas» (foi para isso, aliás, que a maioria de direita aprovou recentemente uma nova lei).

A gente é que já nem liga, não é?

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A factura detalhada da dívida


O Primeiro Encontro Nacional da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida, é já depois de amanhã, sábado, a partir das 9.30h no Instituto Franco-Português (Avenida Luís Bívar, 91, em Lisboa).

Será apresentado e discutido um Relatório Preliminar, que condensa os resultados do primeiro ano de actividade da IAC, analisando o processo de endividamento e as suas causas, a composição da dívida pública e a relação entre dívidas privadas e públicas. E que coloca também sob escrutínio algumas fontes específicas de dívida (das despesas orçamentais aos resgates bancários e parcerias público-privadas).

Para acabar com a mistificação do «andámos a viver acima das nossas possibilidades» e para exigir a factura detalhada da dívida.

As consequências económicas da estupidez


E pronto. Como não podia deixar de acontecer, a recessão chegou à Alemanha (-0,5% no último trimestre de 2012). A imposição de cada vez mais austeridade a cada vez mais (e maiores) economias voltou a mergulhar a Alemanha na recessão, depois de ter feito o mesmo à Zona Euro no seu conjunto.

O mecanismo era igualmente previsível: o abrandamento das exportações alemãs, ou seja, a compressão da procura nas economias da Zona Euro pela política de austeridade. Quando uma economia aposta toda a sua estratégia de crescimento nas exportações, os resultados não podem ser brilhantes. E não foram. Ao contrário do que se possa pensar olhando para os excedentes da Balança corrente alemã, o crescimento desta economia durante a vigência do Euro foi extremamente reduzido e situou-se, aliás, abaixo da média da Zona Euro.

Quando, ainda por cima, uma economia dependente das suas exportações impõe, ao mesmo tempo políticas europeias de austeridade frenética, o resultado não pode ser bom. Trata-se, no fundo, de arruinar os clientes. O mau karma que a Alemanha lançou sobre a Europa, através da sua política de compressão salarial, associada à sua radical oposição a política económicas e orçamentais solidárias à escala europeia, regressou agora à origem.

Assim, e paradoxalmente, as escolhas impostas pelas elites económicas alemãs podem ser contra-producentes, incluindo do ponto de vista das mesmas. Dizem alguns analistas alemães que esta dinâmica é para continuar em 2013. Os que preferem a estratégia da negação, e são muitos, lançam olhares esperançosos para a recuperação no Estados Unidos e China, ou seja, para gente, apesar de tudo, mais sensata que eles.

Recusar o passado, escolher o futuro


«Chegou a hora. Chegou a hora de agir. De responder a um país que não pode tornar-se céptico a ponto de descrer da própria vida. A crise. Esta crise não pode ser pretexto para regressarmos ao passado. Temos direito a um país livre, a um país limpo, a um país justo. (...) Durante muito tempo, muito muito tempo, o meu país esteve dominado por vozes que foram explicando as nossas particularidades como povo. Teríamos nascido para intermediários, para mercadores. Teríamos nascido para ligar culturas e continentes, mas não para produzirmos. E muito menos para criarmos ciência, para criarmos conhecimento, para criarmos tecnologia. (...) Desperdiçamos. Desperdiçamos cinquenta anos do século XX abandonados a uma pobreza resignada, a um país sem educação, sem ciência, sem cultura. Como se a liberdade e os direitos se pudessem trocar por um pouco de segurança e de paz, que afinal não era paz mas sim guerra. (...)
Este é o problema de Portugal. Um problema que começamos a resolver no ano em que houve mesmo primavera, no mês de Abril. Desde então, desde então passaram quarenta anos de uma vida nova. De uma vida que fica também marcada pela Europa. Dedicamo-nos, e bem, à educação, à cultura, à ciência. Conseguimos ser Europa e colocar-nos a par de países que há séculos investem continuadamente em educação e em ciência. (...) E assim entramos no século XXI. Entramos no século XXI com três camadas que coexistem sobrepostas: uma geração qualificada e bons índices de educação e ciência; uma estrutura de administração e um tecido empresarial frágeis e em grande parte ineficazes; e um país com zonas de pobreza e enormes desigualdades. Quando a crise se abateu sobre a Europa, estávamos mais desprotegidos do que os outros. E certas ideologias logo se apressaram a explicar que era preciso recuar, que em vez de futuro teríamos de voltar a ser passado. (...) Mas também eu, tal como Alexandre O'Neill, também eu não quero que Portugal sejam só três sílabas - e de plástico, que sai mais barato.»

Do discurso de António Nóvoa, na abertura do ano académico da UL/UTL 2013.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Entrevista

O Alexandre Abreu foi entrevistado pelo jornalista Nuno Rodrigues na Antena 1 sobre economia africana, sobre economia política do desenvolvimento e do subdesenvolvimento. Vale mesmo a pena ouvir.

Corrida para o fundo

O governo conseguiu impor no país o debate sobre a reforma do Estado social, e nos termos que lhe interessava. Numa economia em recessão, com as receitas fiscais a cair, as despesas sociais a aumentar e com elevados encargos anuais com o serviço da dívida, torna-se cada vez mais difícil o financiamento das funções sociais do Estado. A austeridade mingou a capacidade da nossa economia de criar riqueza e agora a solução que apresentam é mingar o Estado social até ele caber nessa economia encolhida. Acontece que o corte nas despesas sociais não é menos austeridade. Se os portugueses pagarem mais no acesso aos serviços públicos vão ter menos rendimento disponível. Assim, uma reforma como a que o governo e o FMI querem fazer em vez de tornar o Estado social – que sobreviver aos cortes – sustentável só vai agravar a espiral recessiva, destruir mais economia e obrigar a ainda mais cortes no futuro. É uma corrida descontrolada para o fundo. Uma economia estrangulada pela austeridade e pelo peso da dívida não consegue crescer nem garantir o financiamento das funções sociais do Estado.

São infelizmente poucos os políticos com a coragem necessária para confrontar os problemas com a verdade e para assumir posições com clareza. Foi o que fez Ferro Rodrigues nas jornadas parlamentares do Partido Socialista e Correia de Campos na sua crónica semanal no jornal “Público”. O primeiro defendeu a necessidade de “uma unidade nacional muito forte” para “renegociar com a troika e se necessário incluir nessa renegociação alguma reestruturação dos valores e dos prazos da dívida”. O segundo argumentou a favor da adopção pelo governo português de uma política de firmeza nas negociações com a troika. Como escreveu Correia de Campos: “Os nossos parceiros só conhecem a linguagem do lucro e da força; têm de passar a conhecer a da sobrevivência colectiva. Os credores só nos prestarão atenção caso os ameacemos com a ruptura.”

(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)