quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Banca e prémios de jornalismo económico

Agora que é fácil bater num gato morto, convinha lembrar que há panteras bem mais poderosas e ainda vivas. 

Vem isto a propósito de um livro do jornalista da SIC José Gomes Ferreira - A vénia de Portugal ao regime dos banqueiros - no qual relata, entre outras coisas interessantes, algumas das formas de relacionamento entre a banca e os jornalistas. E onde se afirma, com base "numa fonte ligada" à organização do Prémio Excelência em Jornalismo Económico da Ordem dos Economistas, presidida por Rui Leão Martinho, então presidente da Tranquilidade e da BES-Vida, que esta iniciativa foi para
"preparar o amortecimento, a relativização da importância, o adiamento ou até esvaziamento de futuras notícias sobre a situação alarmante do seu grupo, assim que a verdade começasse a aparecer à tona de água". 

Para quem é um ingénuo jornalista que acha que estes prémios são um reconhecimento remunerado da sua qualidade profissional, fica claro que estas iniciativas não são feitas apenas para associar o nome de uma marca - é giro usar este conceito de marca em vez de interesses, não é? - a boas práticas sociais e democráticas, como o jornalismo.

Faça-se uma pesquisa sobre "prémios de jornalismo" e ver-se-á que a intenção real - pelo número de prémios que existem - é outra: no mínimo, falar-se da instituição que a promove, mas igualmente encontrar formas de condicionamento de opiniões de quem escreve na comunicação social. E se calhar, tudo isto se passa com benesses fiscais do OE (não estudei o problema). Só nos últimos meses foram criados mais três prémios de jornalismo...  

Ora, o Prémio do BES apenas existiu de 2011 a 2013 e valia 30 mil euros, sem quaisquer candidaturas por parte dos jornalistas e com um júri composto por diversos ex-ministro das Finanças.
 Mas todos os anos desde 2006 é sempre notícia a atribuição dos prémios do jornalismo económico, atribuídos monetariamente pelo Banco Santander e a Universidade Nova de Lisboa. Neste prémio, são os jornalistas que se candidatam.

O prémio "visa distinguir os melhores trabalhos publicados anualmente na comunicação social de imprensa escrita, nas áreas de Gestão de Empresas e Negócios, Mercados Financeiros, e Economia e Sustentabilidade." E os prémios não são maus. "O galardão engloba três prémios monetários, num montante global de 20.000€: 10.000€ para o Grande Prémio, que será igualmente o vencedor de uma das categorias, (prémio não acumulável), e 5.000€ para o melhor trabalho concorrente a cada uma das restantes categorias."

Se o marketing é o objectivo mínimo, o que diferencia a participação ilegal de jornalistas em actos de marketing é o facto de os seus trabalhos serem avaliados também por pares.

No caso do Banco Santander e Universidade Nova de Lisboa,  os trabalhos são seleccionados por um júri composto ao longo dos anos nem sempre pelas mesmas pessoas, mas que reuniu: Francisco Caramelo (Diretor da FCSH/NOVA), António Granado (FCSH/NOVA), Conceição Zagalo (GRACE), Sérgio Figueiredo (Media Capital), Helena Garrido, Paulo Pinho (NOVASBE),  João Costa (Director da FCSH/NOVA), José Rodrigues dos Santos (FCSH/NOVA), Francisco Sarsfield Cabral (Rádio Renascença), José Albuquerque Tavares (NOVASBE), João Sàágua (Director da FCSH/NOVA), Luís Rochartre, Ferreira Machado, José Neves Adelino, Luís Almeida Costa.  

Essas jogadas de envolvência são assumidas e os jornalistas conhecem-nas e aceitam-nas. Sabem - acham - que não é isso que condiciona o seu pensamento, mas aceitam  que a palavra "prémio" e o nome da marca apareça nos seus CVs, bem como o dinheiro nas contas bancárias, o que faz sempre jeito. Mas - quero eu acreditar - é mais a existência de um elemento concorrencial que os anima, embora haja quem escreva especificamente para os prémios... 

Ora, neste caso, a marca Santander não é, de todo, um nome que se cheire. E os jornalistas deveriam ter algum cuidado. 

O Banco Santander, um colosso a nível europeu, tinha até há décadas uma escassa presença em Portugal, ao arrepio das suas pretenções. Pouco a pouco, e sobretudo a coberto de uma estratégia comunitária de concentração dos principais bancos europeus, o Santander fez parte dessa "lista" de vencedores, em que "será" o banco da península ibérica.

Foi longa a sua caminhada em Portugal - é já o segundo maior em Portugal -, e nem sempre da melhor forma. Veja-se os elementos recolhidos no livro "Os donos de Portugal", de Jorge Costa, Luís Fazenda, Cecília Homório, Francisco Louçã e Fernando Rosas (resumido aqui) e que apenas pecam por defeito.

1) Presente desde 1988 em Portugal com uma escassa parcela de 10% do BCI, o Santander adquire em 1993 a maioria do seu capital.

2) Data dessa altura, um acordo secreto entre o governo Cavaco Silva para que Champalimaud entrasse nas "desnacionalizações" do sector financeiro - ele há coisa que também se desfazem à direita. Foi-lhe dado, secretamente, 10 milhões de contos, sob condição de que permanecesse em mãos portuguesas. Champalimaud entra na seguradora Mundial Confiança que depois, compra o Banco Pinto & Sotto Mayor (BPSM) - com financiamento conseguido dando de penhor as acções do proprio banco comprado. O BPSM compra - da mesma forma - o banco Crédito Predial Português. Até aqui tudo é português.

3) Mas a desnacionalização do Banco Totta & Açores (BTA) em 1989 esteve envolta em escândalo: a) o banco espanhol Banesto, com um arranjo com empresários portugueses, compra mais do que legalmente podia (como estrangeiro), o que levou o caso à Procuradoria Geral da República. E em 1994 os direitos de voto do Banesto são limitados pelo Banco de Portugal, o que levaria à demissão de Miguel Beleza como governador;
b) Anos depois, Champalimaud, ao arrepio do acordo com o Governo, vende a sua parte ao Banesto;

3) O Banesto entra em falência e o poder político - nos dois países - resolve o problema: em Espanha, entrega o Banesto ao Santander, enquanto em Portugal Champalimaud compra o BTA ao Santander, tendo Cavaco Silva dispensado Champalimaud de uma OPA parcial, contra a opinião da CMVM;

4) Em 1999, negociações entre Champalimaud e Botin do Santander concluem pela venda de 40% da holding Munfinac que controla a Mundial Confiança, o BPSM, o CPP, o BTA e o banco Chemical (600 milhões de contos). Champalimaud detém 1,6% do Santander. Nova polémica com o Governo Guterres a querer vetar o negócio, mas sem o conseguir. A Comissão Europeia interfere a favor do negócio. Cá também: a favor da venda está: Elias da Costa (o secretário de Estado das Finanças que atribuiu os 10 milhões de contos a Champalimaud), José Miguel Júdice, Jorge Bleck (advogado do Santander), António Vitorino (então comissário europeu e presidente da assembleia-geral e vice-presidente do Santander).  

5) Já com Pina Moura nas Finanças, acorda-se que o Santander venda o grupo Champalimaud à CGD, a CGD vende o BTA e CPP ao Santander, e fica com a Mundial Confiança e BPSM, entregando este banco mais tarde ao BCP, contra uma quota no BCP.

6) Em Espanha, o Santander tão-pouco é nome pacifico. Baltazar Garzón, no capítulo dedicado à banca, do seu livro El Fango sobre a corrupção nesse país, conta alguns episódios relacionados com o Santander.

Ora, a par deste processo, o Banco Santander e a Universidade Nova de Lisboa criaram o tal prémio. Que trabalhos foram premiados? Até agora, e apesar da sua história, nenhum sobre o Banco Santander, mas pode ser que venha a ser ainda. Eu duvido muito.  

Em 2006, o “Grande Prémio” foi atribuído aos jornalistas Raquel Almeida Correia, Bruno Faria Lopes e Mariana Adam, publicada na revista Dia D, do Público, com o trabalho "Os bancos sabem mesmo tratar do seu dinheiro?”, na categoria de Mercados Financeiros. E na categoria de Economia venceu o artigo do jornalista Paulo Pena com o trabalho "Como os nossos empregos vão mudar”, publicado na revista “Visão”.
  
Em 2007, premiou-se o trabalho intitulado "Presentismo, a nova epidemia" da autoria da jornalista Carla Pedro "sobre os problemas de produtividade, derivados dos fenómenos denominados absentismo e presentismo - versando os custos directos e indirectos para as empresas, "associados ao facto de os colaboradores doentes não se restabelecerem em casa".

Em 2008, escolheu-se o trabalho"Quem governa os governadores", da autoria do jornalista Rui Peres Jorge, do Jornal de Negócios. Na categoria de Gestão, premiou-se o artigo do Expresso "Quem é accionista do BPN?",", dos jornalistas Isabel Vicente, Nicolau Santos e Pedro Lima, enquanto na categoria de Mercados Financeiros foi distinguido o artigo da revista Sábado "O que as offshores não mostram",, de Ana Taborda e Helena Cristina Coelho."

Em 2009, foi a vez do trabalho "PT é o Euromilhões para os accionistas", da autoria dos jornalistas Anabela Campos, João Ramos e Nicolau Santos, do Seminário Expresso. Na categoria de Gestão de Empresas, o Prémio foi atribuído ao artigo do Jornal de Negócios " Cortar bónus pode prejudicar ainda mais a economia", das jornalistas Elisabete Sá e Elisabete Miranda."

Em 2011, escolheu-se o trabalho “Eles chegaram ao topo e não são doutores nem engenheiros”, da autoria da jornalista Ana Rute Silva, do jornal Público. Na categoria Sustentabilidade Empresarial o Prémio foi atribuído ao artigo da Visão "A vida nas grandes barragens", de Alexandra Correia, enquanto na categoria de Mercados Financeiros foi distinguido o artigo do  "Os resultados das empresas parecem sempre bons", de André Veríssimo e Paulo Moutinho. 

Em 2012, premiou-se o trabalho publicado no Jornal de Negócios, “E se Portugal saísse do Euro?”   dos jornalistas Rui Peres Jorge, Elisabete Miranda, Maria João Gago, André Veríssimo, Paulo Moutinho e Maria João Babo, sobre a possibilidade da moeda única acabar e de todas as consequências que esse acontecimento traria para o País. O artigo do Expresso, “Vale a pena trabalhar nas empresas municipais?” foi escrito por Anabela Campos, Joana Madeira Pereira, João Silvestre e Margarida Fiúza, "que fizeram uma análise detalhada sobre a realidade das empresas municipais. Por sua vez, o artigo da revista Visão “A força do terceiro sector”, da autoria dos jornalistas Alexandra Correia e Mário David Campos, retrata o tema da Economia Social e de alguns dos seus maiores empregadores."

Em 2013, premiou-se as jornalistas Ana Taborda e Patrícia Silva Alves, da revista Sábado com o trabalho “Os segredos do Pingo Doce”. Publicado na revista Sábado, é um trabalho aprofundado sobre as características dos contratos assinados entre a Jerónimo Martinse os seus fornecedores. O artigo da Exame, “Cimpor, o fim de uma multinacional portuguesa”, escrito por Anabela Campos, visa uma análise das consequências da Oferta Pública de Aquisição (OPA) sofrida por esta empresa. Por sua vez, o artigo da revista Sábado “As 10 pessoas que podem parar o país”, da autoria de Sara Capelo, retrata indivíduos cujo desempenho profissional é vital para o funcionamento de serviços básicos da economia nacional."

Em 2014, "os jornalistas Maria João Gago, Maria João Babo, Pedro Santos Guerreiro e Celso Filipe foram os vencedores com o artigo publicado no Jornal de Negócios, “Ricciardi falha destituição de Salgado”. Na categoria de Mercados Financeiros, destacaram-se os jornalistas João Silvestre e Jorge Nascimento Rodrigues, do Expresso, com o artigo “O poder dos bancos centrais”. Marta Marques Silva, do Diário Económico, ganhou o prémio na categoria de Sustentabilidade Empresarial, com o artigo “O que a elite da banca mundial aprendeu com a crise”.

Em 2015, venceu o trabalho do jornalista Pedro Santos Guerreiro “O fim de um regime”, publicado no Expresso. Publicado no Observador, o vencedor da categoria de Mercados Financeiros. “Engenheiros, matemáticos, físicos. O dinheiro também está nas mãos deles” é uma análise ao currículo invulgar de alguns agentes que operam em mercados financeiros, elaborada pela jornalista Ana Pimentel. O artigo “Empresas que criam filhos”, venceu na temática de Economia e Sustentabilidade, da autoria de Alexandra Machado e Elisabete Miranda, do Jornal de Negócios, onde se aborda como algumas empresas reagem à ausência, por motivos de maternidade, das suas funcionárias.

Em 2016,  o trabalho “Crescer muito, perder muito, encolher muito. Como a Caixa queimou milhões em Espanha”, de Bruno Faria Lopes publicado na Sábado, foi o grande vencedor, tendo vencido igualmente na categoria de Gestão de Empresas e Negócios. Publicado no Observador, o vencedor da categoria de Mercados Financeiros. “Como Salgado usou o saco azul para implementar um esquema de financiamento fraudulento do GES?” apresenta uma análise elaborada por Luís Rosa sobre os esquemas ilegais utilizados pelo antigo Grupo Espírito Santo. Por sua vez, o artigo “Gestoras da bolsa ganham menos 30% que os homens” venceu na temática de Sustentabilidade e Inovação Empresarial, publicado Rui Barroso, Elisabete Miranda, Patrícia Abreu, Catarina Pereira e Paulo Moutinho, do Jornal de Negócios.



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