Escreve-se melhor uma notícia com pouca informação disponível. O lead é escorreito, directo, claro. Dá um bom título, mas é capaz de não ser muito real. Com muita informação disponível, é mais difícil saber o que escolher para lead, encadear os factos numa leitura em fio. Tudo parece estar relacionado com tudo e o título tende a torna-se uma confusão, cheio de nuances.
Todos os jornalistas já passaram por isto. E arriscam-se a sentir o mesmo de cada vez que tiverem de escrever sobre o desemprego. Tudo porque as estatísticas oficiais padecem de várias limitações.
No seu Inquérito ao Emprego, o INE não publica valores absolutos do desemprego, mas apenas estimativas, construídas com base numa amostra de pessoas, inquiridas trimestralmente. Por isso, a definição dessa amostra tem um papel fundamental.
E tudo indica que a amostra esteja mal calibrada.
Veja-se o caso dos desempregados que declararam receber subsídio de desemprego. A pergunta - recebe subsídio? - é feita regularmente no Inquérito do Emprego. Mas o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) publicita valores administrativos - e absolutos - do número de desempregados apoiados. Seja com o subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego ou social de desemprego subsequente ou ainda com prolongamentos. Ou seja, é possível verificar neste caso como foi desenhada a amostra.
A tendência nas duas linhas é a mesma. E isso é bom.
Mas os números do INE e do IEFP deveriam ser aproximados porque se trata da mesma realidade. Só que a diferença é visível - há uma subavaliação pelo INE entre 80 e 120 mil pessoas desempregadas - e, no novo Inquérito ao Emprego, parece ser crescente.
E, como se pode ver no gráfico ao lado, esse hiato entre os valores do INE e do IEFP parece aumentar (linha azul) quando o desemprego sobe (linha vermelha) e diminuir quando o desemprego diminui. Mas nem sempre na mesma dimensão. O novo inquérito ao Emprego (desde 2011) parece acentuar essas oscilações. [nota: juntou-se os valores de 2011 apenas para dar a continuidade, embora não sejam os correctos, porque não comparáveis com 2010]
Isso quer dizer o quê? Apenas isso. Que o número de desempregados que declara receber subsídio está mal representado na amostra e de forma significativa. O INE deveria ter ajustado a sua amostra.
Tem esse facto consequências para o total de desempregados? Não se sabe, porque não há um valor absoluto do IEFP para o desemprego. Há apenas o "desemprego registado". E esse dado é um número administrativo dos desempregados inscritos nos centros de emprego, mas que é expurgado de diversas situações, incluindo as acções de política activa de emprego. É uma estatística gerida administrativamente e que não tem por isso de ser equivalente ao número de desempregados do INE.
Não há informação pública sobre o que motivou a sua variação, se foi a reforma, a emigração, a morte, a anulação administrativa de inscrições no IEFP ou as políticas activas de desemprego. Ou seja, o número de "desemprego registado" subavalia o desemprego inscrito nos centros de emprego.
Veja-se, no gráfico acima, a variação do "desemprego registado" e do número dos "novos desempregados, inscritos ao longo de cada mês". Os dados em bruto de quem se inscreve nos centros de emprego nem sempre são reflectidos no "desemprego registado" (sobretudo em 2013 e 2014) e, no entanto, este é o dado seguido pela comunicação social.
O que é interessante verificar é que as estatísticas mensais de desemprego - estimadas inicialmente pelo Eusotat e agora também pelo INE - são construídas com base numa mensualização dos dados trimestrais e com base no "desemprego registado" do IEFP. Ou seja, tudo indica que o nível de desemprego oficial mensal está a ser subavaliado.
A estas limitações, juntam-se outras.
Desde 2011, o novo Inquérito ao Emprego do INE subavalia o desemprego ao considerar como empregados quem esteja em Programas Ocupacionais de Emprego, sem que tenha sido colocada no inquérito alguma pergunta que permita quantificar quem está nessa situação (sabe-se que o número de pessoas tem sido crescente, mas desconhece-se se é reflectida nos valores oficiais).
Além disso, o INE acrescentou mais alterações:
* os trabalhadores sazonais passaram a contrato a prazo;
* o subemprego visível passou por um crivo de disponibilidade para trabalhar mais horas;
* os desempregados que procuram trabalho passaram a ter de estar no intervalo entre 15 e 75 anos, quando antes era 15 e mais anos;
* os inactivos estão sujeitos a esse crivo etário, sendo que entre 5 a 15 anos passam a ser designados por "outros inactivos".
Tal como se pode ver na nota do INE, os novos números reduziram o desemprego e aumentaram o emprego.
A tudo isto, há ainda que juntar "velhas" questões: as estatísticas oficiais do INE seguem de perto as metodologias do Eurostat que, desde sempre, visaram atenuar - politicamente - o fenómeno do desemprego.
É o caso do próprio apertado conceito de desempregado; ou do desemprego de longa duração que passou de seis meses para um ano, à medida que o desemprego se foi alargando na sociedade. Claro que o Inquérito de Emprego recolhe informação complementar para
que se possa completar o retrato (subemprego visível, inactivos
dispostos a trabalhar, desempregados indisponíveis, etc., etc.), mas é
sempre um produto em "segundo grau", nunca reflectido na taxa oficial de
desemprego.
Se o desemprego é o problema maior da sociedade, dever-se-ia construir indicadores mais fiáveis para melhor orientar as políticas públicas.
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