sexta-feira, 7 de novembro de 2014
A senhora Merkel, a Europa e Heinrich von Thünen
As recentes afirmações de Angela Merkel, para quem Portugal e Espanha têm um excesso de licenciados, são apenas mais um exemplo da visão preconceituosa, distorcida e desinformada sobre as economias da periferia europeia, que se soma a considerações na mesma linha (como as relativas à preguiça e indolência dos povos do Sul ou ao défice de produtividade da economia portuguesa, resultante de um suposto excesso de feriados).
Em matéria de diplomados, basta a percepção de senso comum para contrariar a chanceler alemã, tratando os dados oficiais de confirmar os factos. De acordo com o Eurostat, em 2013 apenas 17,6% da população portuguesa em idade activa tinha completado estudos superiores, enquanto na Alemanha esse valor rondava os 25,1% (em consonância com a média europeia, de 25,3%). E, nem de propósito, as declarações de Angela Merkel surgiram apenas um dia depois de se saber - a partir de um estudo recente da OIT - que mais de metade (52,3%) dos trabalhadores portugueses têm qualificações a menos face às funções que exercem (40,1% no caso da população jovem), situação que certamente em nada é favorecida pela estimativa de que a emigração possa ter levado nos últimos anos, para fora do país, cerca de um quinto da sua força de trabalho mais qualificada.
As afirmações da chanceler alemã inscrevem-se contudo numa dimensão com contornos mais amplos: a de um certo imaginário da Europa, que é simultaneamente uma perspectiva sobre o que existe e a antevisão do projecto que se pretende para o seu futuro. De forma simples (porque ele próprio é muito simples), esse imaginário prospectivo realça os contrastes entre o espaço do centro e o da periferia europeia. Como se se tratasse de fazer cumprir, relativamente a um e a outro, uma espécie de «vocação natural» de desenvolvimento desigual. Isto é, se aos países do centro europeu correspondem os desígnios de uma economia moderna e avançada, dos países da periferia não deve esperar-se nada que vá além dos patamares inerentes a uma economia tradicional e subdesenvolvida. Ou seja, como se a Europa não fosse mais que a réplica - em grande escala - de uma cidade e do campo que a envolve, como sugere o modelo dos círculos concêntricos que Heinrich von Thünen formulou em 1826, a propósito da organização dos espaços de economia agrícola em redor de uma área urbana.
Nada neste imaginário, que as palavras da senhora Merkel sugerem, é propriamente novo ou surpreendente. É ou não isto que se pretende com o «ajustamento», o «empobrecimento» e a «mudança estrutural» da economia portuguesa? É ou não disto que se trata quando a aposta na competitividade do país assenta no fomento dos baixos salários, no estilhaçar da legislação laboral, nas transferências de recursos do trabalho para o capital e na criação de todas as «zonas de conforto» possíveis para uma iniciativa privada medíocre e sem visão estratégica? É ou não disto que se trata quando o desinvestimento deliberado na educação, no ensino superior e na ciência, tecnologia e inovação atingiu os níveis que conhecemos nos últimos anos? Para que precisa uma economia assim de qualificar a sua mão-de-obra? E como não ajustar os níveis de bem-estar e os serviços públicos de saúde, educação e protecção social aos patamares mínimos que correspondem a esse modelo de subdesenvolvimento económico e social que se pretende estabelecer e consolidar?
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5 comentários:
Para complementar este texto:
To be the workshop of the world suited them. Nothing seem more "natural" than that the less advanced should produce food and perhaps minerals, exchanging the non-competitive goods for British (or others West-European) manufactures. "The sun," Richard Cobden told the Italians, "is your coal". (...) Frederick List, the German economist (...) rejected an internacional enconomy which in effect made Britain the chief or only industrial power and demanded proteccionism;
All this assumed that an economy was politically independent and strong enough to accept or reject the role for which the pioneer industrialization of one small sector of the world cast it. Where it was not independent, as in colonies, it had no choice."
"Age of Revolution 1789-1848", Eric Hobsbawm (http://365forte.blogs.sapo.pt/o-sol-e-o-nosso-carvao-277496)
A Sr. Merkel tem alguma razão há licenciados a mais em Portugal!
O que ela devia ter dito era 'Há Doutores a mais em Portugal, e Engenheiros a menos' (Exceptuado Civil, Ambiente e Química)
Área de estudo - Desempregados/Diplomados (%)
Informação e jornalismo 10.6
Serviços sociais 10.6
Artes 9.1
Arquitectura e construção 9.1
Protecção do ambiente 8.4
Ciências sociais e do comportamento 7.8
Indústrias transformadoras 7.7
Serviços pessoais 7.3
Humanidades 6.9
Professores/ciências da educação 6.7
Ciências veterinárias 6.6
Ciências empresariais 6.0
http://www.dgeec.mec.pt/np4/136.html
Tambem ajuda equacionar o facto de bastantes licenciados pelas univ portuguesa só arranjam emprego compativel na Alemanha, Holanda, Inglaterra.. mas os custos da formação...?
Talvez haja realismo a mais quem culpa a Merkl de não haver empregos para os licenciados, nem os doutores(75% no estado)nas empresa portuguesas.
Com o seu comentário completamente descabido e insultuoso a Madame Merkel apenas demonstrou a sua lamentável, para não dizer outra coisa, falta de respeito e de vergonha. É que, aqueles paises que ela maliciosa e preconceituosamente- dali claro, em boa verdade, nada de melhor se podia esperar - diz terem licenciados a mais mais não estão (estavam porque com este governo de serventuários a coisa alterou-se para pior) a fazer do que cuidar do seu futuro.É o que qualquer país tem o dever e a obrigação de fazer. É claro que na Alemanha assim não é desde há alguns anos e a prova disso é que se trata de um país altamente deficitário em licenciados de quase todas as áreas.
De tal forma que hoje mais não é do que um país parasita, que se aproveita do esforço daqueles mesmos países a que a tal Madame se referiu colhendo os frutos da actividade dos tais licenciados ( por sinal e em geral muitissimo apreciados na Alemanha e não só) e que nos seus países alegadamente são de mais. Pudera, com a devastação promovida pela Madame e seus capangas por essa europa fora, não admira que assim seja. Pena é que hajam sempre os tais serventuários (Passos Coelho e Cª) e convertidos da extrema-esquerda (Durão Barroso) que sempre estejam prontos a beijar as oedras da calçada por onde a Madame passa.
Caro Cristóvão,
Nem é tanto a questão de só arranjar emprego compatível em local x, mas aquilo que se oferece. A regra para licenciados em Portugal é coisas como ordenado quase mínimo donde tem de se retirar deslicações. No caso de outros países o ordenado para o licenciado começa em dois ordenados mínimos e as empresas por vezes têm protocolos em que acabam por ressarcir o funcionário pelas deslocações. Isto apenas a título de exemplo e para ilustrar que nem sempre é a questão do "só haver la fora".
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