sábado, 29 de setembro de 2012

Seis passos para a procura


1. Um cada vez mais barricado e desorientado Passos Coelho afirmou anteontem que muitos empresários não passam de uns cobardolas, por supostamente temerem represálias de trabalhadores, furiosos com o facto de o governo ter tentado efectuar uma redistribuição do trabalho para o capital por via da TSU. Incrível. De facto, para que é que anda o governo, com a preciosa ajuda da troika, a reforçar todos os mecanismos disciplinares, fazendo com que o medo seja só de quem trabalha por um salário, idealmente cada vez mais baixo, – desemprego de massas, cortes no Estado social, alterações regressivas da legislação laboral?

2. Muitos empresários sabem por experiência, não precisam de conhecer a economia da reciprocidade aplicada à relação laboral, que o corte do salário a um trabalhador é péssima política, passível de ser respondida com menores níveis de empenho, sobretudo ali onde estes são difíceis de controlar, de monitorizar, onde a acção colectiva empenhada conta para a produtividade. A relação laboral, por muito desigual que seja, deixa sempre alguma discricionariedade a quem trabalha para reciprocar numa moeda que se assemelha: cortes de salários desmotivam e podem levar a menores níveis de empenho. Há elementos comportamentais na célebre resistência dos salários à baixa. Os salários muitas vezes baixam através de despedimentos que começam o jogo de novo com pontos de partida salariais mais desfavoráveis. É claro que isto acarreta outros problemas. É claro que há todo um labor regressivo dos poderes públicos, com o sucesso conhecido: rendimento dos portugueses caiu cem euros por mês em dois anos. Uns ingratos, estes empresários. Uns ignorantes, diz hoje Borges, com uma arrogância endinheirada só proporcional à sua brutal ignorância.

3. Muitos empresários criticaram a medida da TSU porque sabem, e respondem ao INE maciçamente nesse sentido, que o que tolhe o investimento é a falta de confiança na capacidade das mercadorias em dar o tal “salto mortal” de que falava Marx, em serem vendidas, um detalhe importante na dinâmica de acumulação. Os salários são bem mais do que um custo, são uma fonte de procura.

4. Para lá da injustiça social, do atrofiamento das capacidades individuais e colectivas, sobretudo de quem mais beneficia com os serviços públicos, como sublinha Manuel Esteves, que ainda são uma das melhores formas de fazer redistribuição, os cortes na despesa pública são a mais eficaz forma de garantir a compressão da procura e por isso devem ser evitados, sobretudo onde se concentra a esmagadora maioria da despesa: salários, provisão pública de bens sociais e investimentos que equipam e qualificam. A mensagem aqui é sempre a mesma, poste a poste: o momento para corrigir défices é a fase ascendente do ciclo que com esta austeridade chegará muitíssimo mais tarde.

5. Os cortes, ao contrário do mito, têm sido “brutais” desde 2010, para usar a expressão de Fernando Ulrich, um banqueiro do regime muito orgulhoso dos mais de 13 mil milhões de euros de cortes que contribuíram para a recessão: dos cortes nos salários da função pública à fragilização do SNS e da escola pública, passando pelos cortes nas prestações sociais ou pela compressão do investimento público, há mesmo muita selvajaria na austeridade realmente existente, para lá do mito das gorduras.

6. Num dos países mais desiguais da Europa, nunca é inoportuno acabar com o Estado predador, com benefícios fiscais à medida ou com parcerias ruinosas, e fazer uma reforma estrutural, como se diz agora, no campo fiscal: aumentar a progressividade do IRS, com taxas marginais mais elevadas, carregando sobre os rendimentos mais altos, os que menos consomem e também não investem, englobando rendimentos de capital em pé de igualdade com os do trabalho para efeitos de cálculo do imposto a pagar, taxando bem mais a riqueza, as transacções financeiras os prémios milionários de gestores bem protegidos, reintroduzindo um imposto bem desenhado sobre a herança, uma das formas mais injustificadas de transmissão intergeracional de grandes vantagens, etc. Há muito para fazer na frente fiscal, transferindo mais para quem também dá mais garantias no campo da procura, seja a socializada, seja a das classes populares. A crise é de procura, de procura e de procura. Parece que há muitos empresários que no fundo sabem isso...

1 comentário:

Anónimo disse...

António Borges é sem dúvida um grande mentiroso, quando diz que 80% da despesa publica é com pessoal.
Só por isso, quanto mais não seja( e há muito e muito mais....), merece a alcunha "O Sinistro Mentiroso.".É que, está provado e reprovado, a despesas com funcionários não representa (anda longe)20% da despesa publica.
Depois, gostava de saber o que é que ele ensina( se é que ensina alguma coisa). Uma coisa sei de certeza, ele não ensina nada de bom.
Provávelmente, e acha que por isso é muito bom, ensina como melhor fazer patifarias e malfeitorias.
Nem percebo como é que o Pingo Doce( Pingo Doce é do C.....!)contratou personagem tão sinistra. Por mim o Pingo Doce já era. Nem mais um tostão meu para o Pingo Doce.