domingo, 26 de julho de 2009

Incentivo às actividades financeiras - uma das rupturas necessárias

O Público de hoje tem um texto sobre a recente divulgação dos resultados ao Inquérito ao Potencial Científico por parte do Ministério da Ciência e Ensino Superior (MCES). Nele ficamos a saber que é cada vez maior o peso dos bancos portugueses nas despesas empresariais em investigação e desenvolvimento (I&D). Das duas uma: ou temos um sistema bancário com uma dinâmica inovadora sem par, ou temos razões para nos preocuparmos.

De acordo com os dados apresentados, em 2007 havia 3 bancos entre as 5 empresas com mais gastos em I&D em Portugal (em 2005 havia apenas 1). O sistema financeiro representa hoje 14% dos gastos em I&D empresarial (apenas 5% em 2005), quase tanto como o total da indústria transformadora. Como explicá-lo?

É relativamente simples: primeiro, o governo reintroduziu o sistema de incentivos à I&D empresarial (SIFIDE), um dispositivo fiscal que permite às empresas deduzir aquele tipo de despesas no imposto a pagar (se isto levou a que muitas empresas passassem a declarar despesas de I&D que já realizavam, levou a que muitas outras se esforçassem por mascarar de I&D despesas com pouco de inovador - e é sabido que os bancos são bons em gestão fiscal); segundo, o conjunto de despesas qualificáveis enquanto I&D é suficientemente abrangente para incluir «a análise de risco financeiro, os modelos de risco de crédito e seguros e técnicas relativas ao consumidor»; finalmente, a vontade de mostrar resultados sobre a transformação tecnológica do país muito provavelmente terá levado as autoridades fiscais a adoptar critérios pouco exigentes no controlo das declarações de despesas em I&D por parte das empresas.

A reintrodução do SIFIDE - que havida sido abandonado pelo governo de Durão Barroso/Santana Lopes - foi uma medida correcta, que dá um sinal claro aos agentes privados sobre o tipo de investimentos que devem ser socialmente valorizados. O que não se compreende é que o sistema financeiro seja abrangido por este sistema de incentivos fiscais, muito menos tendo em conta o tipo de despesas acima referidas. Por um lado, porque o sistema financeiro não precisa de mais incentivos para se desenvolver em Portugal - o seu peso no emprego nacional é pouco superior a metade da média europeia, enquanto o seu peso no valor acrescentado é superior à média europeia (há quem veja nisto sinal de grande 'produtividade', eu vejo lucros excessivos); para além disso, a taxa de imposto efectiva paga pelas empresas financeiras é tipicamente inferior à do resto da economia; por outras palavras, não faltam sinais de que a actividade financeira já tem incentivos de sobra em Portugal (porque será que ouvimos tão pouco os economistas do regime falarem sobre o assunto?). Por outro lado, sabemos hoje que as técnicas de análise de risco que foram seguidas nos últimos anos foram um ingrediente central no despoletar da presente crise, tornando no mínimo irónico que o desenvolvimento dessas técnicas ande a ser subsidiado por todos nós.

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