É sabido que Portugal tem, à escala europeia, uma das mais baixas taxas de promoção pública direta de alojamentos. De acordo com o último censo (2011), o sector público representava apenas 3,1% do parque habitacional, valor que se estima tenha caído para 2,0% em 2015. A habitação é há muito o parente pobre do Estado Social português, com a promoção direta a responder apenas, durante décadas, às carências mais gritantes de alojamento.
A este défice estrutural da promoção junta-se contudo um segundo défice, de gestão do stock: muitos dos fogos promovidos pelo setor público (Estado central, autarquias, empresas e institutos públicos) são alienados ou nem chegam a integrar o parque habitacional público (como sucede nos casos de promoção indireta, financiada pelo Estado mas concretizada pelo privado, visando colocar no mercado casas a preços controlados). Ou seja, o Estado não só tem construído pouco como não tem cuidado de manter na esfera pública toda a habitação que promove com fins sociais.
É isso que se constata ao comparar a evolução do número de alojamentos sociais existentes (censos) com o volume de fogos promovidos pelo Estado nas últimas décadas. Se em 1981 existiam cerca de 122 mil fogos de habitação social, em 2011 esse valor é praticamente o mesmo (123 mil), apesar de se terem construído entretanto mais 56 mil fogos. Ou seja, caso se tivesse mantido toda a promoção pública como propriedade pública, o parque de habitação social teria em 2011 cerca de 178 mil fogos, permitindo falar de um peso do setor público de 3,7% (superior aos 3,1% registados).
Curiosamente, o défice entre fogos construídos e existentes chega mesmo, no caso do setor público, a ser superior ao do setor privado e cooperativo, onde as mudanças de uso (da habitação para comércio ou serviços, por exemplo) são mais expectáveis que a perda de capacidade de resposta do Estado, decorrente da alienação de fogos sociais, às carências de habitação. De facto, em nenhum momento censitário, entre 1981 e 2011, se assiste à redução do parque privado e cooperativo (ao contrário do que sucede com o público), representando os fogos existentes em 2011 cerca de 85% do total de fogos construídos desde 1981 (rácio que é de apenas 69% no caso do parque habitacional público).
A existência de um setor público de alojamento relevante constitui um instrumento incontornável das políticas de habitação social e de regulação do mercado habitacional. No caso português, não só a promoção estatal direta foi sempre deficitária como se descuidou a que existiu, permitindo-se a alienação de um volume significativo de fogos de habitação social. Para que se perceba a dimensão deste segundo défice, bastará dizer que a diferença entre o número de alojamentos promovidos (entre 1981 e 2011) e o número de alojamentos existentes (em 2011), é da ordem dos -56 mil fogos. Ou seja, mais do dobro do necessário para colmatar as mais prementes carências habitacionais recentemente identificadas (cerca de 26 mil famílias a necessitar de habitação ou de acesso a uma habitação digna).
É por isso que fazem todo o sentido, e apenas pecam por tardias, as medidas que integram a Nova Geração de Políticas de Habitação orientadas para o relançamento da promoção pública direta de alojamentos, o reforço do setor público de habitação e a reabilitação e preservação, em quantidade e qualidade, do parque habitacional público existente.
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3 comentários:
«promoção pública direta de alojamentos…»
Todo o esforço é para salários, mordomias e provisões...a habitação está no capítulo de chulice e extorsão de proprietários.
O argumento é claro: falta habitação pública para responder às falhas de mercado e dar resposta às necessidades das famílias que vivem em situação de grave carência habitacional (cerca de 28 mil famílias) e das famílias de baixos rendimentos que não conseguem aceder ao arrendamento nem à compra dado os elevados preços praticado no mercado imobiliário (sobretudo em Lisboa e no Porto).
O motivo porque o stock de habitação pública se reduziu tem que ver com a alienação que muitos municípios fizeram das habitações sociais às famílias que nelas residiam. Isso aconteceu bastante (exemplo: Porto) e parece-me uma medida bastante positiva. Não vejo em que é que isso prejudica a promoção de nova construção. Bem pelo contrário.
Não entendo a relevância dada à questão da propriedade dos fogos. Parece-me totalmente despropositada.
José Neves
1) Demagogia barata, como é habitual. A maioria da alienação da habitação pública é para os próprios residentes, as tais famílias carenciadas. As famílias que habitam em bairros sociais têm a possibilidade de adquirir as habitação a preços muito abaixo do valor de mercado.
2) há pouco tempo surgiu um relatório em que a Gebalis, entidade que gere o parque habitacional público em Lisboa, entre receitas em rendas e despesas com manutenção dos imóveis, o saldo dava praticamente zero no final do ano. Conhecem algum senhorio que gaste todos os anos em manutenção o mesmo que recebe de rendas?
3) aqui na Holanda o acesso a rendas controladas é feito com a promoção de fundos de investimento habitacional, que compram casas e arrendam-nas a custos controlados. Em Portugal adotou-se o modelo soviético do bairro social e os resultados estão à vista.
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