quinta-feira, 30 de março de 2023

Economia: de quem e para quem?

A economia é um dos principais focos do debate público. A forma como é feita a cobertura das principais tendências económicas (ao nível da inflação, dívida, crescimento, impostos ou salários) e das estratégias e opções orçamentais dos governos tem grande probabilidade de marcar os termos em que se desenrola a discussão e de influenciar a opinião pública. Embora isso talvez aconteça menos hoje do que há uns anos, devido à ascensão das redes sociais, a cobertura jornalística continua a desempenhar um papel determinante no debate.

É por isso que é importante ter atenção à forma como esta é feita. Um relatório recentemente publicado sobre o jornalismo económico da BBC (versão completa aqui), que cobriu mais de 11.000 peças transmitidas pela estação britânica em televisão, rádio ou online, contraria algumas ideias comuns: embora possam não ter um viés partidário sistemático, muitos jornalistas têm menos conhecimentos de Economia do que se supõe e a análise que fazem das opções orçamentais é tudo menos objetiva.

De acordo com o relatório, a cobertura jornalística é frequentemente feita com base em hipóteses como "aumentar a dívida pública é mau", "cortar impostos é bom", etc., que são assumidas como se se tratassem de verdades universais. Isso reflete-se na forma como algumas opções são apresentadas como inevitáveis, dando a ideia de que um governo “será obrigado a” tomar certas medidas. Raras vezes se reconhece a natureza contestável de determinadas visões e a incerteza associada à evolução da economia e aos resultados de determinadas políticas.

Além disso, a cobertura deste tipo de assuntos nem sempre é feita com a preocupação de chegar a um público vasto e os jornalistas parecem focar-se demasiado no estrato social em que se inserem. Isso contribui para reforçar a ideia de que o debate económico é demasiado complexo para quem não é formado na área, afastando boa parte das pessoas da discussão e prejudicando especialmente os grupos sociais com menores rendimentos e menos acesso a livros, revistas e outras fontes de informação.

Em Portugal, este tipo de estudo foi feito pelo Observatório das Crises e Alternativas em relação às narrativas prevalecentes no período em que o país esteve sujeito ao programa de ajustamento da Troika. Ideias como a de que “gastamos acima das nossas possibilidades” e “precisamos de cortar despesas para resolver o problema de endividamento”, associadas à ideia de que “não há alternativa” a cumprir o que “os mercados ditam”, foram veiculadas como verdades inquestionáveis apesar de todas serem manifestamente parciais e contestáveis (como foi feito aqui ou aqui).

Este problema está longe de ser exclusivo do jornalismo. O debate económico é feito de hipóteses e estas variam consoante o posicionamento de cada um. No entanto, o ensino de Economia nas faculdades é quase exclusivamente focado na corrente teórica dominante na disciplina – a síntese neoclássica/neo-keynesiana –, apresentada como visão única e definitiva da disciplina, ao mesmo tempo que se omite a existência de perspetivas alternativas. É expectável que isso acabe por se refletir no comentário económico e na cobertura jornalística.

Não é realista esperar que exista imparcialidade na avaliação de políticas que afetam de forma diferente grupos sociais diferentes. As opções orçamentais são isso mesmo – opções –, baseadas nas prioridades de cada governo, pelo que existem argumentos a favor e contra e medidas alternativas disponíveis. E existe incerteza na evolução de boa parte dos indicadores económicos, como o crescimento do PIB, a inflação ou a dívida. Era bom que isso fosse reconhecido mais vezes por quem estuda, ensina, comenta e reporta assuntos económicos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Que grande novidade. Basta olhar para a formação académica dos nossos jorrnalistas económicos para ver que muitos deles nem sequer são de economia mas de coisas como sociologia e comunicação. Fora que o patrão é quem paga e é melhor que pensem bem.

Em todo o caso, com a net basta surfar. Há anos que não dou 1€ para um jornal português, e com os estrangeiros já vou pelo mesmo caminho.

E como quer que DN, Público, Expresso e companhia tenham o que quer que seja de qualidade com o número de assinantes que têm? Basta comparar com o FT, um milhão de assinantes, cada a quase 70€; e é o que é, também a fazer spin.

Por cá os jornais não têm como fim informar mas sim fazer lobbying. Haja patrão, haja interesse e há jornal.