Público, 21/3/2013 |
Há dez anos, a direita estava desorientada.
Vítor Gaspar fora nomeado para o Ministério das Finanças em Junho de 2011 como um "técnico". Um "técnico" que iria colocar o país na ordem, depois dos desvarios económicos do PS que, na narrativa na direita, obrigara à entrada da troika. Uma versão da verdade dos acontecimentos que está longe de corresponder à realidade. Primeiro, porque foi a própria direita a querer chamar o FMI - e o seu programa de austeridade e a declarar que estava preparada para isso; depois, porque, depois da troika, a situação económica do país era bem mais grave do antes da aplicação do seu programa e ninguém pediu uma segunda troika para compensar os resultados gerados pela primeira.
RTP, 27/11/2010 |
As incongruências entre o programa e a realidade estavam bem patentes na desorientação da direita. Maria João Avillez escreveu um artigo no jornal Público que era a imagem clara da confusão política nas hostes da direita. Tudo falhara e o país estava a gritar contra a direita e a direita não percebia o que de mal tinha feito, o que se passara de mal com um programa que parecia tão claro. Se o seu plano tinha falhado, o que iria ser da direita? Era o suicídio?
Vítor Gaspar chamou a atenção da jornalista: “Reparou que eu comecei e acabei a última resposta desta manhã com um ‘não sei’?”
Maria João Avillez estava de cabeça perdida, sacudindo a água do capote do que a direita defendera desde o início - uma redução do peso do Estado:
Sim, Gaspar talvez “não saiba” por saber demasiado bem que as coisas são o que são, que o país é o que sempre foi, que a Alemanha quer o que quer. Talvez ele ache que não haja remédio. Talvez saiba que toda a gente reclama (hipocritamente) que se façam cortes no Estado sabendo que eles quase só podem incidir em salários ou pensões. (...)
O problema era da comunicação oficial. Mas por que razão é que o Governo estava sempre a fazer previsões quando acabava sempre por as falhar?
(...) Não percebo que não exista ninguém a fazer a articulação interpares, que não haja quem se aflija com a crise de linguagem governativa e não a queira substituir pela pré-avaliação de expectativas e estragos ou a pré-medição dos graus de confronto. Evitando por exemplo que o Governo constantemente se enrede em previsões e caia de anúncios sorridentes abaixo. Evitando deixar Gaspar a flutuar em vez de encher de política o vazio do “não sei”. Ou alguém nos quer convencer de que Miguel Relvas — e sozinho? — daria conta da confiança, conteúdo, comunicação, articulação, forma, fundo, narrativa sem os quais a política não respira? Estarei com certeza a ser injusta, houve — há — muito suor por detrás do executivo, muitas preocupações, noites sem sono, muita gente séria (há mais sério que Passos e Gaspar?).
Tudo desmoronava. E afinal de quem era a culpa?
(...) Mas se reconheço o esforço, assusto-me com o preço: está a tornar-se incomportável. E se a “culpa” é da Europa, então vire-se o dente à Europa.
O programa que era tão claro na campanha eleitoral, tornou-se um pesadelo. E tudo porque estávamos a cumprir orientações europeias que - a julgar pelos resultados - eram estúpidas:
(...) Não basta dizer que se faria mais, melhor e sem dor: ninguém acredita. Por alguma razão nunca nos disseram como. Não se “cresce” por decreto, nem se diminui o desemprego por magia. É preciso um pouco mais de responsabilidade e seriedade para talhar um caminho entre a rua que grita o fim da “austeridade” como se ele fosse a chave do paraíso e a própria “receita” da austeridade vigente que tudo seca porque não há contrapartida económica nem política. E há uma “Europa” que começa a assustar mais do que qualquer outra coisa.
Mais uma vez lembre-se: a direita vai prometer milagres de braço dado com os poderes fácticos da União Europeia. Vai ser voluntarista e corajosa, vai propor reformas profundas e uma revolução liberal. Mas quando tudo correr mal, vai descartar-se desse programa e culpar quem realmente manda, para não ser morta nas ruas do país.
Recorde-se. E não deixe que a História se repita. Porque será bem pior do que em 2011.
(Deixo o artigo completo para se perceber melhor o tom do que a direita viveu então.)
Sem comentários:
Enviar um comentário