quinta-feira, 2 de março de 2023

O neoliberalismo instalado na ciência e tecnologia


Em 2022, a FCT atribuiu 1451 bolsas de doutoramento, sendo 150 destinadas a empresas. Dessas 150 vagas, só 103 foram preenchidas. Em 2023, vai conceder 1450 bolsas de doutoramento, sendo 400 destinadas a empresas. Isto é grave e irracional.

Grave, porque constitui o agudizar da subordinação da investigação aos interesses empresariais. Deixa implícito que investigação em ciências sociais que não sirvam a maximização futura do lucro dos agentes privados deve ser secundarizada. Filosofia, sociologia, antropologia e até economia terão menos doutorandos em virtude desta medida. Mas também porque favorece um viés para aplicações imediatas em vez de investigação  fundamental em áreas de ciências exatas, como a engenharia, a física ou a química.

Irracional, porque no ano passado as vagas destinadas a doutoramentos nas empresas nem preencheram as vagas existentes, o que significa que dificilmente existirá procura adicional por esta modalidade de doutoramentos. Algo pouco surpreendente, dado o perfil médio das empresas portuguesas.

Não se trata de um mero desmando da ministra. O Governo já assumiu que quer aumentar os doutoramentos em contextos empresarial a 50% do total de bolsas até 2027. Nem a direita mais radical da era da Troika ousou fazer isto. É puro fundamentalismo neoliberal. E deve ser tratado e combatido como tal. A direita já está ao leme da ciência e tecnologia em Portugal.

3 comentários:

jvcosta disse...

Como investigador (reformado) no campo da investigação fundamental, em virologia molecular, subscrevo inteiramente. É mais uma manifestação do mercantilismo científico, do mito da empresarialização, e também um exemplo de parolice e de ignorância de estratégia da ciência.

Anónimo disse...

Falta a Portugal crescer na escala de valor internacional. Para isso é necessário capital e muitos cérebros. Esta medida talvez facilite um pouco.

Anónimo disse...

Anónimo 07:54,

Usando uma figuração simplória, para ser mais fácil de entender: você fala como quem quer começar uma casa pelo telhado. Sem noção de encadeamento alguma, sem projeto. É como aquela mágica dos impostos...

Fora isso, o que é que a água tem a ver com o azeite?