É verdade que o gráfico de Carlos Guimarães Pinto, com a redução do número de fogos concluídos entre 2003 e 2021 (-85%), e entre 2011 e 2021 (-28%), é bastante sugestivo. Mas tem, de facto, vários problemas:
a) Desde logo, porque assume que a variação da produção anual de habitações tem um forte impacto no stock de casas existentes. Só que não: entre 1995 e 2021, o peso relativo anual dos fogos concluídos no total de alojamentos existentes nunca superou os 2,3%, rondando, em média, o valor de 1,0%;
b) Depois, porque o rácio de alojamentos por família, que passou de 1,37 para 1,45 entre 2001 e 2011, praticamente manteve o mesmo valor em 2021 (1,44). E desengane-se quem pense que o problema são as áreas metropolitanas e o Algarve. Também aqui, o rácio apenas desce de 1,29 para 1,25 (AML) e de 1,26 para 1,23 (AMP), com o Algarve a exibir um valor acima de 2,0 fogos por família residente (tal como as Beiras e Serra da Estrela, vejam bem).
c) Por último, lembrar que Portugal é o país da OCDE com mais casas por mil habitantes (e onde mais de 700 mil fogos se encontram vazios, cerca de 300 mil dos quais localizados nas áreas metropolitanas e no Algarve). Aliás, como assinalou recentemente John Burn-Murdoch, em artigo no Financial Times (gráfico seguinte), Portugal integra o grupo de países que regista um «aumento estável da oferta» de alojamentos por mil habitantes, na correlação da sua variação nos últimos dez anos com o valor mais recente.
Será difícil, portanto, justificar a atual crise de habitação - que de resto atravessa toda a Europa (onde a variação do número de casas e de famílias também não explica a subida vertiginosa dos preços) - sem ter em conta as novas dinâmicas da procura e, nomeadamente, as de natureza especulativa.
Com efeito, para quem não esteja minimamente interessado em conhecer (e reconhecer) o impacto cumulativo dessas dinâmicas - e sobretudo as que, nacionais ou internacionais, assumem contornos especulativos - é mais fácil agitar a bandeira da «falta de casas», partindo convenientemente de uma leitura simplista da oferta e da procura (que ignora os processos de financeirização, turistificação e internacionalização do investimento imobiliário).
6 comentários:
Aqui está uma informação mais concreta sobre o assunto. Ver ponto c)
c) Por último, lembrar que Portugal é o país da OCDE com mais casas por mil habitantes (e onde mais de 700 mil fogos se encontram vazios, cerca de 300 mil dos quais localizados nas áreas metropolitanas e no Algarve)
Primeiro - Toda a gente se queixa do despovoamento do interior. Aí sobram casas
Segundo - mesmo assim um pouco menos que metade dos fogos vazios estão localizados nas áreas metropolitanas.
Apesar disso a solução, segundo os interessados nisso, é continuar a construir desalmadamente onde há gente a mais!
Falar é fácil mas, se de facto há especulação mostrem, com números, que o Fundo XPTO, a empresa XPTO, o indivíduo XPTO, o está a fazer e quanto isso impacta no "bolo" total da habitação, caso contrário , arriscamos transformar este debate numa caça às bruxas!!
Que há um problema de habitação em Lisboa, há. Há em Lisboa, Paris, Berlim e sabe-se lá em quantas mais capitais europeias. Que pela Europa tem vindo a agravar-se, tem. Que os fundos de investimento americanos dão uma ajuda, dão; que as taxas de juro baixas empolaram os preços, empolaram. Agora que a solução esteja na caça ao senhorio, duvido muito.
Quanto às propostas do governo, não tenho dúvidas, é eleitoralismo e populismo do bom. No final ainda vai ficar pior, mas permite ao governo apresentar-se como sendo ideologicamente de esquerda. Sem gastar um tusto, continuando a poupar; na saúde e educação é que nada ou pouco. Resulta? Logo se verá.
Veja-se a notícia de que o convento da Estrela iria ser convertido em apartamentos: em quanto fica a adaptação? Cozinhas, casas de banho, canalização, eficiência energética e por aí? Se calhar ficava mais caro que derrubar o convento e fazer de novo.
O diagnóstico está feito. E as soluções? Participei num júri organizado pelo governo para eleger equipas de projetistas que iriam reconverter o património do Estado em habitação e residências para estudantes. Passados quase dez anos a montanha nem pariu um rato. E não é por falta de verbas. O maior problema está dentro do próprio Estado. Com a pretensão de tudo acautelar a contratação pública é tão complicada que os seus agentes preferem nada fazer. Ninguém é incomodado por não fazer nada, desde que finja que faz. Já tentar fazer alguma coisa pode trazer dissabores. Em tempos lecionava eu numa escola superior quando um dos meus colegas foi nomeado para um cargo de secretário de Estado. O coordenador da cadeira, que tinha estado durante muitos anos na função pública disse-lhe “ Agora é que vais ver o que é não ter poder. Em tudo o que queiras fazer, aparecerá alguém a invocar uma lei, um despacho , um regulamento que te manietará.”
As manisfestações por todo o País sobre o tema procura e oferta de habitação mostram, claramente, quem está do lado da procura.
Quem procura?. A maioria jóvens, sem capacidade de rendimento para alugar ou sem poder de compra. (Aos filhos de famílias, com poder de compra, o governo já prometeu regalias fiscais!).
Qual é a oferta para ESTE tipo de procura?. Um governo socialista tendencialmente comunista, com maioria na AR, tem o poder de legislar todo o tipo de expropriações para "resolver" esta situação e sobretudo que lhe garanta vitórias eleitoriais.
...
Ou apenas o resultado do famoso "centralismo democrático" vigente vai para meio século?.
O Estado é tudo. Nada se faz sem passar pelo Estado centralizado e assim sucessivamente.
Tal como sucede noutros paises, ha realmente construcao de casas, mas nao ha construcao de novas cidades.
Como tal, e comum cada adulto precisar de um automovel, e ainda assim fica restrito na sua busca de emprego.
Tratando-se de um mercado de casas usadas e privadas, e mais dificil haver regulacao estatal ou contratual por parte de senhorios do sector cooperativo ou not-for-profit para evitar uma constante escalada de precos.
(exemplos:
vender propriedade ou fraccao apenas a quem nao tenha ainda outra casa;
ou apenas a pessoas com idade > x e/ou inferior a y;
ou proporcionar um mercado de trocas entre proprietarios na cooperativa;
ou so vender a quem ja tenha sido inquilino por > x anos)
Acompanho este tema com interesse, e presumindo que com as alteracoes climaticas muitas habitacoes e muitas regioes serao abandonadas. Muita infraestrutura vai ser perdida para o mar, ou para a seca ou para Veroes demasiado quentes. Se nao construirmos nova infraestrutura agora, com calma e no contexto "apenas" de falta de casas em cidades/vilas viaveis, vai ser complicado faze-lo em estado de emergencia.
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