Público, 13/3/2013 |
Por segundos, esqueci-me que estava a ler um jornal com 10 anos de atraso e pensei: "Mas está tudo maluco! Então agora caímos no extremo oposto?"
Na verdade, o que se passava há dez anos é que a política de contracção de rendimentos e de criação artificial de uma recessão estava a ter um efeito de tal forma devastador na procura - via aumento do desemprego a um nível brutal de quase 1,5 milhões de pessoas - que os preços acabaram por cair e já se falava do risco de uma deflação. Escrevia o Sérgio Aníbal no Público:
A actual tendência de descida de preços tem características e razões diferentes. Também é o resultado de uma contracção muito forte da economia, mas não é acentuada pelos preços dos combustíveis e alimentos. Aliás, retirando às contas estes tipos de bens, a inflação homóloga até seria menor, de -0,5%. Em contrapartida, os preços estão a ser influenciados pela política de redução de custos (especialmente laborais) que se está a registar por toda a economia. Uma vez que esta política não deverá ser revertida muito brevemente, aumenta a probabilidade de se estar perante um período prolongado e persistente de inflação negativa, aquilo a que se chama deflação. A troika e o Governo não acreditam que se esteja perante o risco de entrada num processo deflacionista (a Comissão aponta para uma taxa média no final do ano positiva), e dizem que esta descida de preços é apenas um sinal da redução de custos registada na economia, que irá trazer ganhos de competitividade face ao exterior.
Mas a devastação criada - como é já hoje consensual - não acarretou benefícios na competitividade face ao exterior. O que fez foi provocar uma imensa transferência de rendimento das classes trabalhadoras para quem detém os meios de produção (os donos das principais empresas). E hoje até a direita - que na altura patrocinou e aplicou esta política - se faz esquecida do que defendeu e alega ser imprescindível uma subida de salários, como forma de evitar que a economia caia na armadilha de um país em permanente empobrecimento.
Defende isso, mas nada defende para que essa realidade mude. Conhece alguma medida proposta pela direita que vá no sentido de uma subida nominal dos salários? Parole, parole...
É aliás sintomático que a política presentemente seguida para combater a inflação seja precisamente aquela que, há dez anos, foi seguida. Ou seja, provocar artificialmente uma recessão como forma de... promover uma nova - e ainda mais acentuada - transferência de rendimentos das classes trabalhadoras para os donos de empresas e do sector financeiro. A direita não se cansa de viver paradoxos que nunca explica (também ninguém a confronta com eles...).
Mas, na realidade, a direita é coerente. Sempre defendeu a mesma política - aquela que promove o roubo do rendimento das classes trabalhadoras, por forma a ter a parte de leão (ver fábula) na repartição do rendimento criado. O que é incoerente e inconsistente é o seu discurso. Nunca quadra com aquilo que diz defender.
É assim porque precisa de votos. Ainda.
Exagero? Lembre-se desta conferência de Yannis Varoufakis sobre uma conversa há dez anos com o então ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schauble.
1 comentário:
A direita mente.
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