quarta-feira, 8 de março de 2023

Querido diário - O homem de ideias erradas cujos filhos teimam vivê-las 2

Público, 8/3/2013

Na sequência do post de ontem sobre o aumento do SMN, eis um desenvolvimento publicado no dia seguinte.  

A oposição e as centrais sindicais insistem na necessidade do aumento do salário mínimo e acusam o Governo de estar a “empobrecer o país”. Mas o primeiro-ministro mantém-se irredutível e ontem voltou a deixar claro que um aumento está fora de questão, contando com o apoio de António Borges, consultor do Governo.
A polémica está lançada. Ontem, em Haia, Pedro Passos Coelho voltou a defender que aumentar o SMN nesta altura seria criar uma “barreira” ao emprego. Em Lisboa, numa entrevista à Rádio Renascença, António Borges acrescentou que a única medida aceitável é “manter o salário mínimo como está”.
No Parlamento, o PS e o Bloco de Esquerda acusaram o Governo de estar a “empobrecer o país”. À noite, numa entrevista ao Porto Canal, o presidente do Conselho Económico e Social, Silva Peneda (um antigo ministro de Cavaco Silva), acrescentou que “diminuir o salário mínimo é um disparate do ponto de vista económico, político e social” e “não é uma forma para criar mais emprego”.
As declarações do primeiro-ministro Passso Coelho têm por detrás a ideia de que aumentar o SMN “seria criar um sobrecusto para as empresas e, portanto, criar mais uma barreira para o emprego”, como sustentou no final de um encontro com Mark Rutte, primeiro-ministro da Holanda — país onde o salário mínimo ultrapassa os 1400 euros mensais.
Passos Coelho reconheceu que o SMN em Portugal é “relativamente baixo” quando comparado com outros países europeus. “Essa foi a razão pela qual decidimos não baixar o salário mínimo. Outros países fizeram isso, a Irlanda por exemplo, mas o salário mínimo na Irlanda é mais do dobro do que em Portugal”, argumentou. 

Entretanto, a mesma agência de notação financeira que, dois anos antes, cortara na notação da dívida pública portuguesa, cotando-a "abaixo de lixo" para pressionar o Governo Sócrates a cortar na despesa públlica (um "efectivo programa de ajustamento"); em 2013, avisava já o Governo de Passos Coelho para os riscos - agora de contestação social! - de cortar mais na despesa pública.

Público, 8/3/2013 

“Apesar da esperada suavização das metas orçamentais [pela troika devido aos maus resultados do programa de ajustamento], consideramos que os riscos ao contrato social continuam a ser significativos, à medida que o Governo continua a aplicar o seu programa de cortes da despesa pública entre 2013 e 2014”, afirma o comunicado da agência, que fala ainda de um cenário em Portugal em que “os rendimentos disponíveis continuam a cair, em conjunto com os salários e os níveis de emprego, a carga fiscal sobe e as condições domésticas difíceis de acesso ao crédito persistem”.    

Até Cavaco Silva dava sinais de impaciência. 

 

E, no entanto, dez anos depois, voltamos a ouvir os mesmos argumentos, ou de jovens sem referências ou de quadros políticos com referências, mas fanáticos; ou de ambos, agindo politicamente no interesse de quem lucra com o fim do Estado Social. 

1 comentário:

Anónimo disse...

O que é espantoso nisto é o peso da ideologia. A ideia era essa: baixar os salários para ganhar competitividade. Na Universidade Católica o que não faltava era quem pensasse assim. Muda o ciclo político, muda a "narrativa" dominante, aumentam o salário mínimo e não foi pouco, e ninguém fala em baixar o salário mínimo nem em perda de competitividade. Excepto, claro, aquela sumidade beata.