quinta-feira, 9 de abril de 2020

Lay-off simpático?

Várias grandes empresas como a Ikea ou a Autoeuropa comunicaram que vão requerer o lay-off, mas que os seus trabalhadores vão continuar a receber os seus salários base por inteiro.

Essa decisão, de alguma forma, atenua o esforço da Segurança Social (neste caso do Covid19, será um esforço do Estado) e reparte os custos. Mas apesar disso, as empresas continuam a beneficiar de uma redução significativa dos custos salariais.

Vamos ver um caso concreto, com um trabalhador que recebe 1000 euros brutos. E vamos comparar essa situação (ANTES), com as duas situações de Lay-off: uma em que a empresa não repõe a totalidade do salário (lay-off) e outra em que repõe (lay-off simpático). Veja-se o quadro acima:

 
ANTES

O trabalhador recebe 1000 euros de salário base, sobre os quais incidem 11% de contribuições sociais. E tem um salário líquido de 890 euros (salário bruto - contribuição social). A empresa paga os 1000 euros mais 23,75% de contribuições sociais, tendo um custo com o trabalhador de 1237,5 euros. Não entramos aqui com o IRS, porque também não entramos com o IRC. E muito menos, qual o valor da produção feita pelo trabalhador, para calcular quem efectivamente paga o quê a quem. E nem se vai entrar sobre o que acontece a toda a parte da retribuição que não é salário base. Estar-se-á apenas a estimar os efeitos sobre esse valor base e, portanto, toda a redução salarial é estimada por defeito. Nessa situação, a Segurança Social tem uma receita de 347,40 euros mensais (110 euros + 237,50 euros).


Com o lay-off simplificado, o trabalhador apenas recebe 660 euros, correspondente a 66% do seu salário. A Segurança Social (no Covid19, o Estado) paga 70% desse montante (462 euros) e a empresa 30% (198 euros). Trabalhador continua a fazer os descontos sobre a totalidade do salário efectivamente recebido, mas a empresa está isenta. Assim, a empresa passa a ter um custo total  de 198 euros, quando antes era de 1237,50 euros, ou seja, tem uma redução de 1039,50 euros (84% dos custos salariais). O salário líquido do trabalhador passa de 890 euros para 587,40. Ou seja, tem uma redução de 302,60 euros (34%). E a Segurança Social, como paga 70% do salário e perde as correspondentes contribuições sociais dessa redução salarial e da contribuição patronal na sua totalidade, acaba por receber menos (de 347,50 euros para 72,60 euros) e ainda tem de pagar 462 euros por trabalhador. Face ao ANTES, sofre um rombo de 736,90 euros por trabalhador.

LAY-OFF SIMPÁTICO  

Agora vejamos a última situação. Neste caso, a empresa compromete-se a não baixar o salário do trabalhador. Ou seja, tem recursos suficientes para cobrir a perda salarial resultante do lay-off. Assim, o trabalhador recebe os mesmos 1000 euros, continua a fazer os descontos sobre esse montante e a empresa continua isenta de descontos sociais. O trabalhador não perde salário líquido. Mas como a Segurança Social continua a pagar os 70% dos 66% do salário, a empresa tem uma redução dessa parte do custo salarial. Ou seja, feitas as contas, a empresa vê esses custos salariais reduzidos em 57%. Já a Segurança Social, como mantém essa comparticipação no pagamento do salário do trabalhador, perde a parte das contribuições da empresa e passa a ter custos. Passa a ter um saldo negativo de 352 euros por trabalhador e, face ao ANTES, um rombo de 699,50 euros.
 
Dir-se-á: o Lay-off simpático é bem mais simpático para todos do que o lay-off puro e duro. Sim, é verdade. Mas é muito provável que essa empresa estivesse em condições de absorver esse custo que, na realidade, foi passado para o Estado. Sobre a AutoEuropa ler aqui. Trata-se de um julgamento do que deve ser o papel social das empresas e do Estado. 

E para quem estará já a afiar o argumento de que, nos bons momentos, as empresas comparticipam já sobejamente (fruto da tal carga fiscal) para poder beneficiar do Estado nos maus momentos, relembra-se que há muito para discutir sobre isso: seja em termos de definição do que é a matéria colectável das empresas - que não é nada comparável aos lucros tributáveis -, como da libertadade concedidas às empresas para reduzir a sua tributação efectiva, ao poderem escolher a zona de tributação mais reduzida (vulgo paraíso fiscal), quando não os fazem sair ilegalmente.

Estarão dispostos a fazer um Excel como este?  

2 comentários:

Jaime Santos disse...

Sim, as empresas utilizam a flexibilidade fiscal, como lhe chamou o João Rodrigues, para pagarem menos impostos. Mas isso é uma questão distinta, até porque a engenharia fiscal só é provavelmente acessível a empresas de grande dimensão e o regime do lay-off é (e deve ser) universal.

O acesso ao lay-off implica que as empresas tenham tido uma baixa significativa na sua actividade durante o período da Covid-19. O que significa que o Estado efectivamente injecta liquidez nas empresas e que o faz porque elas são geradoras de emprego.

Isto é exactamente como a questão do salvamento da banca. Não se salva a banca porque gostamos dos banqueiros e sim porque estes têm a custódia do nosso dinheiro. Há dinheiro para a banca porque de outro modo não haveria dinheiro para nada, como verificaram à custa da economia mundial o Sr. Bush e Cia quando decidiram deixar falir o Lehmann Brothers.

Tome-se outro exemplo. A crise das dívidas soberanas nunca teria atingido a dimensão que atingiu se a Sra Merkel e o Sr. Sarkozy tivessem decidido inundar a Grécia de dinheiro. Era beneficiar o infractor? Pois era, o governo da Nova Democracia usou os bons ofícios da Goldmann Sachs para cozinhar os livros.

Fazer-se julgamentos morais em situações em que o menor custo para todos é obtido por benefício do infractor é francamente míope.

É exactamente aquilo que o lay-off faz neste momento. Provavelmente beneficia algumas empresas (sobretudo as maiores) que poderiam arcar com os custos da manutenção do contrato de trabalho dos seus funcionários. E depois? Protege o emprego e isso é que importa...

Se as empresas falirem (sobretudo as grandes), o Estado perde as receitas dos seus impostos, perde as contribuições para a SS de patrões e empregados e ainda tem que desembolsar o subsídio de desemprego. Gasta-se dinheiro agora para não se ter que gastar depois. Uma espécie de coma induzido da actividade económica...

Parece-me pois que é um no-brainer...

João Ramos de Almeida disse...

Mau caro Jaime,
Tanta palavra para justificar que empresas com músculo financeiro se declarem em crise - porque é disso que se trata no decreto-lei do lay-off - para receber umas massas do Estado. Não parece bem, nem a neoliberal. Mas pronto.