terça-feira, 7 de abril de 2020

Imprimir dinheiro é resposta válida à crise do coronavírus

Enquanto Centeno, o homem que, entusiasmado, nos deu um orçamento público equilibrado servido com o investimento público mais baixo das, pelo menos, últimas duas décadas e meia, e acompanhado de um sector privado desprovido de poupança líquida, está embrulhado - como este parágrafo - num simulacro de negociação que, tendo sucesso, ou seja, quando todos aceitarem o que ‘propõe’ o governo alemão, o mais que pode produzir é condicionalidade light associada a ainda mais dívida para onerar Estados já altamente endividados, endividamento que, em grande medida, é resultado da gestão desastrosa que, na sequência da crise financeira de 2007/8, a zona euro impôs aos seus Estados membros, enquanto esta triste encenação decorre, dizia, o editorial de ontem do Financial Times apresentava o seguinte título: “imprimir dinheiro é resposta válida à crise do coronavírus”.


Repetindo-me: com níveis de endividamento público e privado sem precedentes e confrontados com uma adversidade económica potencial talvez sem rival na História, não precisamos de mais dívida, mas de financiamento: é tão simples que a mente bloqueia. Até os economistas convencionais começam a percebê-lo e nem o pai da 'austeridade expansionista' quis perder o comboio. 

Não está mais que chegada a hora de Centeno, o Ronaldo das finanças, abordar esta questão no eurogrupo?

7 comentários:

Jaime Santos disse...

Ah, essa mania de assumir que os outros são todos estúpidos... Varoufakis começou a pensar assim e foi o que se viu. Se a estratégia é tão boa já se deveria ter fartado de ganhar eleições. Estranhamente, as pessoas não acreditam nela. Será que se deve igualmente a bloqueio mental? Será que a Esquerda também sofre do complexo descrito por aquele autor que sugeria ironicamente que os políticos elegessem outro povo?

Sabe perfeitamente a resposta à sua pergunta. Os alemães, que em face de juros muito baixos apresentam níveis de poupança recorde (se o bolo não cresce pelo lado do juros cresce porque eu lhe junto um dinheirinho), vivem cheios de medo da inflação... Que é exatamente a mesma razão pela qual as classes médias defenderão o Euro com unhas e dentes. Para elas, a principal função do Estado não é o fornecimento de serviços sociais, é a defesa das suas poupanças. Foi também por isso aliás que se salvaram os bancos.

E como sem as classes médias, a Esquerda nunca mais ganha uma eleição, sugeria a todos quanto exultam com esta crise que deixassem ao menos de pensar que somos todos estúpidos. É que se continuarem a agir da maneira presente são capaz de ter uma surpresa amarga em eleições futuras...

Paulo Coimbra disse...

Mania de quem? Minha, dos editores do Financial Times, do Paul De Grauwe ou do Giavazzi? Ou sua?

Carlos disse...

É sempre a mesma história: ou se é preso por ter cão, ou por não ter cão. Ou seja, quando não é possível esconder que a esquerda tem razão (i.é, tem razão), então, ai Jesus, cuidado esquerda, olha que assim não ganhas eleições! Quando acham que as melhores alternativas são as de direita (i.é, quando temos uma esquerda sem cão, ou, neste caso em apreço, sem classe média), então, ai Jesus, oh esquerda, não vês?!, se continuares da esquerda é que não ganhas eleições! Resumindo e concluindo, na sua douta opinião a melhor esquerda é mesmo aquela que é tudo, menos esquerda...

Anónimo disse...

Mais uma achega, desta vez de Sony Kapoor

https://braveneweurope.com/sony-kapoor-willem-buiter-to-fight-the-covid-pandemic-policymakers-must-move-fast-and-break-taboos

Paulo Marques disse...

Uma poupança clarríssima e inquestionável...

https://www.ceicdata.com/en/indicator/germany/credit-to-households

... desde que se aceite que também só merecem ser donos de dívida.

Óscar Pereira disse...

É de facto tão óbvio que até dói... mas vou tentar (mais uma vez) explicar do modo mais simples possível: está a acontecer, graças à pandemia, um colapso na procura, o que está/vai levar a uma queda generalizada de preços (deflação), que se pode caracterizar como "too little money chasing too many goods." Num mundo em que criar dinheiro é tão fácil como criar bits, a solução é mesmo tão óbvia que até dói.

Contra-argumento #1: "Mas ah tal, inflação!" Certamente que se se imprimir dinheiro para o infinito e mais além, chegar-se-á a uma espiral inflacionária. Mas preocupar-se com isso *nesta fase*, é -- e esta frase nunca se aplicou tão bem -- colocar a carroça uma larga milha à frente dos bois.

Contra-argumento #2: "Ah e tal, isso significa mais mais dívida!" Se o estado tiver que se endividar junto da banca, certamente. Mas se os estados -- principalmente os da zona euro -- se lembrarem de como funciona esta coisa da política monetária, podem exigir -- e dadas as circunstâncias, a palavra deve ser mesmo esta, *exigir* -- que o BCE, "dê numa de Bernanke": https://www.youtube.com/watch?v=U_bjDAZazWU

Contra-argumento #3: "Mas ah e tal, isso é contra os tratados!" Creio que foi Saramago que algures escreveu que "o homem inventou Deus, e depois escravizou-se a Ele". Dependendo das crenças de cada um, pode-se ou não concordar com isto (eu não concordo), mas há uma variação desta frase que parece aplicar-se à UE actual: a UE inventou os tratados (em particular o tratado orçamental), e depois escravizou-se a eles. Resta-nos esperar que se consiga emancipar antes que seja tarde de mais.

Frederico Pinheiro disse...

Paulo Coimbra sempre em grande forma, um dos grandes economistas nacionais. Muito bom.