segunda-feira, 13 de abril de 2020

Crise ambiental e economia em tempos de pandemia


1. Metabolismo e pandemia. Num livro de 2005 intitulado The Monster at our Door, o escritor e ativista norte-americano Mike Davis anteviu com notável presciência o cenário de pandemia que estamos atualmente a viver, da impreparação dos sistemas de saúde à rapidez com que alastraria pelo globo. Não acertou no microorganismo (trata-se de um coronavírus e não de uma estirpe do vírus da gripe), mas acertou, entre muitas outras coisas, na possível origem geográfica. Essa previsão assentava na constatação das transformações ecológicas em curso em certas regiões da China contemporânea, caracterizadas pela concentração em grande proximidade de muitos milhões de seres humanos e muitos milhões de outros animais em instalações de pecuária industrial e nos chamados ‘mercados vivos’, criando condições favoráveis para que os vírus se recombinem e saltem a barreira das espécies com mais frequência.

Todos os principais surtos com potencial pandémico com que nos temos confrontado nas últimas décadas, do HIV ao ébola às várias estirpes da gripe e síndromes respiratórios agudos, têm sido em zoonoses – doenças que saltam de outras espécies para os seres humanos. E em praticamente todos eles é possível identificar algum tipo de nexo causal entre a ocorrência da pandemia e perturbações do equilíbrio ecológico com origem humana: projetos de rizicultura na Índia colonial britânica na origem das epidemias de cólera que viriam a vitimar dezenas de milhões de pessoas nos últimos dois séculos; a penetração colonial da floresta equatorial africana na origem do salto do HIV para a espécie humana; a destruição acelerada de habitats florestais em vários partes do continente africano nas últimas décadas na origem da cada vez maior frequência de surtos de ébola e outras febres hemorrágicas[2]. As pandemias não são um castigo divino nem são provocadas pelo 5G, mas são propiciadas diretamente pela ação humana sobre o ambiente, da desflorestação à produção animal intensiva.

(Excerto de um texto que escrevi para o site da Greve Climática Estudantil. O resto pode ser lido aqui.)

2 comentários:

A.R.A disse...

Concordo plenamente com escrito e este só peca por ser redutor pois nos oceanos a existência de vírus na água e infinitamente superior pelo que na impossibilidade do Homem esterelizar o planeta já é tarde o uso quotidiano de energias renováveis e acabar de uma vez por todas com os lobbys das grandes corporações a ditarem as leis dos países.

Jaime Santos disse...

Deveria acrescentar que isso é provavelmente inevitável num cenário de crescimento demográfico e de aumento da qualidade de vida das populações dessas áreas, propiciada pelo processo de desenvolvimento e posteriormente de globalização.

Uma solução para um tal problema não passará seguramente por pedir às pessoas que passem fome ou morram com as sucessivas ondas pandémicas, mas ilustra até que o ponto o desenvolvimento e a preservação de ecossistemas são dois valores positivos em conflito.

O que isso quer dizer é que, muito provavelmente teremos que regular o desenvolvimento e caminhar para o denominado crescimento zero (o crescimento populacional está a estagnar, de qualquer maneira).

E para isso é necessário fazer sacrifícios. Seguramente que um modelo de economia de guerra permanente não é solução. As ideias lançadas pelo Prof. José Reis de uma Economia de Cuidado parecem-me particularmente pertinentes neste contexto...