sexta-feira, 3 de abril de 2020

Planos para este novo tempo (ou resposta ao Paulo Pedroso)

Depois deste post, o Paulo Pedroso respondeu na sua página do Facebook.

E ainda bem, porque é bom discutir soluções neste momento de urgência; porque vivemos tempos que irão moldar muita coisa durante anos. Aqui vai uma réplica.

Caro Paulo,
Começo pelo fim. Pede-me que não invoque os socialistas quando debato as suas ideias. Invoco-os porque vivo na esperança de que seja um partido consistemente preocupado com o bem da população e dos trabalhadores. Ser aquele partido que, em Janeiro de 2003, teve - na sua pessoa no Parlamento - um discurso desempoeirado contra a americanização das leis laborais. E não ser o partido que, depois, acentuou essa deriva, na revisão do Código de 2008, e na de 2012 (PSD/CDS), para levar a cabo a ineficaz e recessiva desvalorização interna tão defendida pelas instâncias comunitárias. Pior: que a mantém ainda hoje. Poderia citá-lo amiúde nessa intervenção de 16/1/2003 e aplaudi-lo. De pé. E depois, poderia citar tantos socialistas que o traíram. Quanto a mim, não tenha problemas: pode invocar o partido que achar por bem quando ler os meus textos. Desde que não mude de tabuleiro de discussão. E que nos centremos em ideias que possam ajudar.  

Sobre o seu plano:
Na RTP, aquilo que disse passava por: 1) reforço do subsídio de desemprego; 2) lay-off para as empresas que o quiserem;  3) e esperar pela solidariedade da UE. E tudo isto desde que: 4) haja dinheiro comunitário; 5) haja flexibilidade na gestão orçamental; e que 6) a despesa pública não aumente muito, porque na sua ideia, se 4) e 5) não acontecerem, haverá austeridade por uma década ou mais.

Ontem, o Paulo Pedroso escreveu um artigo no Diário de Notícias que vai bem mais longe do que disse na RTP e da resposta ao que escrevi. Além do que já foi dito, nele defende-se: 1) prestação social extraordinária por perda de emprego, de acesso universal a quem perdeu o emprego pelo menos durante um semestre, ou até que a economia retome um mínimo de condições normais de funcionamento;  2) proibição de despedimento a quem recorra a moratória de pagamento de IRS, IRC e contribuições para a Segurança Social (já adiantara na RTP, mas como não citei, acrescento); 3) repressão de abusos sobre o direitos dos trabalhadores, com intensificação da actuação da ACT ("Precisamos tanto dessa certeza como da segurança policial nas ruas"; 4) Não proibição de todos os despedimentos "enquanto não houver da parte do Estado um nível de apoio à manutenção de postos de trabalho que cubra virtualmente toda a economia".

Já é outra coisa.

Mas pensemos um pouco mais adiante.


Sem a protecção dos postos de trabalho ou outras medidas que protejam a actual estrutura produtiva, o desemprego vai escalar rapidamente, empresas e sectores vão colapsar, o sector financeiro vai ser afectado. Aqui, a sua proposta faz sentido, mas vai pecar por defeito. E vão faltar-lhe recursos. As finanças públicas deterioram-se. Nem o FEFSS irá dar. Cortar salários, criar desemprego e gerar poupança forçada teve maus resultados em 2012: porque teria bons resultados agora? Apenas com aquelas medidas, arrisca-se a propagar o ambiente de insegurança e de desconfiança e a gerar uma depressão a sério, com destruição do tecido produtivo. E aí começam os problemas. Já não é só dinheiro que falta: é quando tiver dinheiro, o que sobrou da economia. Mas pronto: Onde buscar dinheiro? Espera pela UE (Diz no DN: "Sejamos otimistas e esperemos que tudo mude, mas não andemos sem um mínimo de garantias em direção a um abismo que nos esperaria"). O que é ser optimista? O BCE vai financiar os mercados, emitir dívida ou linhas de crédito, mas manterá o registo de dívida e a condicionalidade de políticas. E quando menos esperar - já vimos isso - aperta-se o pescoço do governo. E aqui entra a sua leitura de 2008: não foi a subida da despesa pública que gerou a austeridade; foi a forma como foi gerida a dívida e a política orçamental, em que se deixou cada país com os seus problemas. Mas o Paulo sabe isso - sabe que a dívida é o dispositivo para manter um centro beneficiado com o euro. E por isso o Paulo defende que se gaste pouco. Mas o problema é que vai ter de gastar mais do que isso. E, portanto, resta-lhe esperar pela austeridade, comandada remotamente.

Este arrisca-se a ser o resultado do seu plano: mais austeridade, mais desigualdade, mais pobreza. Mais humilhação. Mais extrema-direita. Isto não faz sentido. 

Outros planos:  
(Quem sabe?, até para se manter melhor no euro, vai ter de aceitar que tudo vai estar em cima da mesa) Ter-se-á de passar por um programa de curto prazo, na linha do que defendeu, mas se calhar mais alargado. Deve apoiar-se os rendimentos salariais e de empresa, durante o período que durasse a pandemia. Isso permitiria manter uma determinada estrutura produtiva e rendimento, impedir despedimentos ilegais, bem como encontrar uma justa repartição dos custos da crise. Ganhar tempo para pensar no que irá acontecer a seguir - no período do despertar da Branca de Neve. Será que voltaremos a ter o mesmo ramo do Turismo, a mesma hotelaria? Não teremos de pensar noutras coisas? Claro que para isso é necessário dinheiro, mas talvez com outras saídas. Pensar em tudo e não apenas nessa sua solução de rede. Olhe-se para o Plano Marshall. Olhe-se para o caso chinês. Olhe-se para o caso japonês ou sul coreano. Leia este post do Paulo Coimbra enquanto vê o documentário que ele sugere. Veja o debate entre o Ricardo Paes Mamede e o Ricardo Cabral. Aborde este artigo sobre uma política monetária soberana escrito pelo Paulo Coimbra e o João Rodrigues. Isso possivelmente obrigará a repensar  o papel do Estado, até por causa do sector financeiro tão fragilizado. Repensar o papel do crédito (criação monetária, sem sair do euro...), olhar para a reposição do sistema produtivo. Reganhar uma capacidade perdida de planeamento de médio prazo. Isso implica toda uma nova geração de quadros. Está a ver o alcance? Acho que está. Já só lhe falo da ideia de construir. E não empobrecer. Isso implica sair do euro? Vejamos o que isso significa.  

Dir-me-á: "Comigo, não alinhe nisso". E até percebo que seja um salto no escuro, temerário. Mas resta-nos o quê?


3 comentários:

Duarte Campos disse...

Boa malha João
Um abraço

PauloRodrigues disse...

A inevitável pasokização de um partido que, tal como os congéneres Grego, Francês, Holandês, Alemão, Húngaro, Bulgaro, Polaco, etc., etc., etc., vai para o caixote do lixo da história, mais tarde ou mais cedo.

Geringonço disse...

"A pasokização do Partido Socialista português não é um cenário credível" - Alguém

Ai é credível é!

Santos amigos de Costa, Pedroso e outros que salvaram o Partido "Socialista" em 2015 ao formarem a "Geringonça"...