sexta-feira, 24 de abril de 2020
De Espanha pelo menos vem um plano
Já passaram quatro dias desde que se tornou pública a proposta de Espanha para financiar o chamado Fundo de Recuperação Europeu, proposta apresentada na cimeira do Conselho Europeu de ontem, 23 de abril.
Em traços muito gerais, o referido fundo, num montante entre 1 e 1,5 biliões de euros (entre 6 e 9% do PIB da União Europeia em 2019), seria financiado através da emissão de dívida perpétua, cujos juros seriam pagos por novos impostos europeus e/ou por lucros do BCE.
Adicionalmente, este fundo seria assumido diretamente pela União Europeia que o utilizaria para subsidiar os estados membros, não com crédito, mas com subvenções a fundo perdido.
Esta proposta de financiamento, assumindo a forma de subsídios e não de empréstimos, vai no sentido do que tem sido defendido um pouco por todo lado e também neste blogue - financiamento que não implique dívida – e acerca dela deixo um par, ou assim, de notas.
Primeiro, loas para a coligação que governa Espanha que, embora tarde, lá decidiu deixar de ignorar o enorme paquiderme que se passeava na sala.
Segundo, embora a proposta tenha um sentido correto, financiar sem sobrecarregar com nova dívida, é ainda assim uma proposta que mantém o tabu. Não há qualquer razão económica, muito pelo contrário, para não ser o banco central a financiar este fundo. Também porque não faz qualquer sentido usar crédito perpétuo de financiadores privados oferecendo-lhes assim uma renda em juros igualmente perpétua. O financiamento deve ser monetarizado pelo banco central.
Terceiro, a União Europeia demorou, mais uma vez, uma eternidade a iniciar a discussão acerca de um assunto que não podia deixar de discutir. Não é ainda totalmente claro qual será o destino da proposta espanhola. O meu palpite é que, na melhor das hipóteses, os países do centro/norte da UE acabem a impor um modelo de financiamento assente sobretudo no crédito, mas incluindo umas migalhas de subvenção. Se o palpite se concretizar, teremos a repetição da tragédia de há uma década: atraso, insuficiência e orientação errada, à luz de certos valores e interesses, da política económica. Com os custos que isto significou, e voltará a significar, para a periferia.
Quarto, de nada nos valeu ter o Ronaldo das finanças a “liderar” o chamado eurogrupo. Enquanto este se mantinha diligentemente no quadro imposto pela Holanda e pela Alemanha, os nossos interesses estavam a ser defendidos pelos espanhóis. Está a valer-nos o facto de, neste assunto, termos interesses convergentes. Contudo, se ao governo faltou coragem política, não lhe falta instinto de sobrevivência.
Quinto, tentar lucrar politicamente com a proposta do governo espanhol, como está a fazer o Bloco, reivindicando para si a paternidade da ideia, pode até trazer dividendos eleitorais, mas a verdade é que a sua proposta incluía mais endividamento. Com juros irrisórios e capital a pagar a oitenta anos, é certo, mas dívida. Um erro que podia ter sido evitado. Custa-me muito porque tenho a minha militância aqui empenhada.
Sexto, se parte da esquerda portuguesa está assim resignada ao que é permitido pelo ordenamento europeu e a direita está ainda e sempre inebriada com a austeridade e alheada do interesse do país, o que esperar?
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14 comentários:
E agora, cenas do episódio anterior...
No BE, já se sabia - através de contactos com o Podemos - que o governo espanhol ia apresentar esta proposta. Vai daí, quem manda no BE achou que era uma boa jogada aparecer publicamente a defender a coisa antes mesmo de o governo espanhol a tornar pública. Este tipo de comportamento não é novo no BE, sempre com uma meticulosa agenda mediática e apostado em convencer o bom povo de que, com ideias "politicamente correctas" apresentadas como suas, lidera alguma coisa; e apostado também em convencer as gentes do PS de que até é um partido responsável e respeitador dos valores europeus.
Não sei se isto dá votos. Talvez dê, mas a verdade é que, por estas e por outras do mesmo cariz, já deixei de votar nesse partido.
Quanto à proposta do governo espanhol, é uma proposta do PSOE, em linha com o que seria de esperar de um partido da "Internacional Socialista" e também do sul da Europa. O Podemos, parceiro subalterno do PSOE no governo espanhol, não estava em posição de negar o apoio ao PSOE nesta matéria, perante a hostilidade de uma direita local pura e dura.
Há que ser um bocado prático nesta altura.
De qualquer forma, falta referir que 1,5 são apenas um bom começo.
'financiar sem sobrecarregar com nova dívida'
1 - antes demais é dívida
2 - os impostos a pagar seguramente definirão um critério de repartição da dívida e juros
3 - do mesmo modo o fará a origem dos lucros do BCE
4 - O critério de distribuição dos subsídios definirão quem beneficia
Que os do Sul se habilitem a um saldo positivo implica que outros estejam disponíveis para lhes pagar o benefício.
Resumindo, o que é proposto: mais impostos para os europeus; mais fundos europeus, repartidos numa óptica de convergência; dispensa de rigor ou austeridade para os endividados; juros mais baixos a pagar na proporção das contribuições e não das repartições.
Muito de esquerda, sacar a quem mais produz e repartir pelos coitadinhos.
Gostei bastante,sobretudo das notas de Paulo Coimbra
(Não vale a pena perder tempo com o tergiversar de RodriguesPimentelFerreira)
Há que fazer tudo para romper com o ordenamento europeu habitual,com os seus procedimentos mais uma vez habituais, com a cosmética mais uma vez ao serviço dos senhores habituais
Mais artigos como este precisam-se
Percebo o Paulo Coimbra quando diz que lhe custa muito que o BE tenha apresentado uma proposta que no atual contexto, implicava carregar os países com mais dívida. Durante a maior parte da minha vida votei no PSR e no BE. E custou-me muito ver o Bloco, depois de 2010, continuar a apoiar o euro e a UE que existe, que se tornaram mecanismos imperiais de subjugação dos países menos desenvolvidos da UE aos mais desenvolvidos e maiores — em primeiro lugar, a Alemanha. Consequentemente, tive de deixar de votar no Bloco. O que agora me custa é que a esquerda, a portuguesa e da generalidade dos países europeus, se tenha tornado num enorme vazio. Faltou a um encontro com a história em vários momentos decisivos na última década.
Qualquer coisa de descaradamente balofo e repetitivo este comentário de José
Tem como predestinado essa dos ricos ficarem cada vez mais ricos
E agora faz estas fitas de guardião do saque em processo de choraminguice hipocrita e repelente
Muito de colaboracionista com.
"1 - antes demais é dívida"
Correcções :
-"Antes de mais". E não antes demais. A menos que estejamos perante um cultor ao estilo de.
- "É divida". Talvez uma segunda ou uma terceira leitura para se perceber o que se escreve?
Claro que é inútil apelar a que se compreenda esta exigência de rasgar estas regras disfuncionais que nos condicionam. Mas exige-se mais do que estas idiotices sobre o "muito de esquerda".
Quem saca o que produzem os que trabalham e acumula esse saque, sabemos nós quem são. São aqueles que se julgam também predestinados ao roubo
Caro José,
Não obstante, como apontou o comentador anterior, por vezes serem precisas várias leituras para (tentar) perceber a sua escrita, permita-me uma questão:
«Que os do Sul se habilitem a um saldo positivo implica que outros estejam disponíveis para lhes pagar o benefício.»
Um pouco à semelhança, portanto, de como os países do norte Europeu tiveram (e continuam a ter) o benefício de saldos positivos, à custa do endividamento dos países do sul? :-)
Caro Óscar
«...benefício de saldos positivos, à custa do endividamento dos países do sul»
«endividamento dos países do sul» tem duas leituras: dívida privada e dívida pública.
- Quanto à dívida privada, cada um com a sua.
- Quanto à dívida pública, estou certo que ela se processa segundo as leis e as práticas livremente estabelecidas e praticadas pelos governos dos países do sul. E se daí resultam saldos positivos para os países fornecedores de bens e serviços, não é legítimo ambicionar que se lhes aplique o que neste país acontece plácida, legal e recorrentemente aos fornecedores nos processos de falência: o custo de reclamar créditos excede a expectativa de recuperação de créditos.
Mas é sempre numa aproximação a essa nossa indígena e abstrusa realidade (35º do CSC), que vejo o assunto a ser tratado!
Pelas 14 e 17 um objecto voador já nosso conhecido
Uma aproximação à indigência de um artigo qualquer, brandido como um purgante ao destino dos ricos?
Não. Apenas a insistência nos mesmos mantras, nos mesmos roubos,na perpetuação do saque
Para que o destino dos ricos se cumpra e se tornem cada vez mais ricos, na voz baboseira de quem nos anda a impingir o credo evangélico dos credores
Caro José,
«- Quanto à dívida privada, cada um com a sua.»
Concordo, só existe um "pequeno" problema: isso não é o que acontece na zona euro! (ver abaixo)
«- Quanto à dívida pública, estou certo que ela se processa segundo as leis e as práticas livremente estabelecidas e praticadas pelos governos dos países do sul.»
https://www.pordata.pt/Portugal/Administra%C3%A7%C3%B5es+P%C3%BAblicas+d%C3%ADvida+bruta+em+percentagem+do+PIB-2786
Certo, excepto quando a banca se meteu em sarilhos, os governos do sul, despossados de bancos centrais, foram obrigados a assumir as perdas! Por isso é que, de 2007 a 2010, a dívida *pública* portuguesa passou de 72% do PIB para 100%! Quando nos três anos anteriores, de 2005 a 2007, ela manteve-se praticamente constante!!
E depois a Europa "esqueceu-se" de que isso era dívida bancária privada que tinha sido nacionalizada (que na prática é o que se faz quando se nacionaliza um banco), e portanto veio dizer que era preciso a idiotice da austeridade, o que ao causar diminuição do PIB, fez com que o rácio dívida/PIB aumentasse ainda mais!
Porque continua a propalar mentiras, como a afirmação de que a dívida pública dos países do sul se gere de acordo com critérios que estes escolheram? Certamente que se a saga do Syriza na Grécia em 2015 mostra *alguma coisa*, de todo, é que esta frase:
«estou certo que [a gestão da divida pública dos países do sul] se processa segundo as leis e as práticas livremente estabelecidas e praticadas pelos governos dos países do sul.»
é total e completamente falsa! Será realmente possível que o Jose ache que uma chantagem oriunda de Bruxelas, da forma "façam o que nós vos dizemos, ou fechamos os vossos bancos", são um produto de imaginação da esquerda? Ou estará a ignorar esta realidade propositadamente?
Quanto ao destino dos fornecedores, nos processos de falência, eu acho que qualquer fornecedor *adoraria* ter uma instituição como a troika a zelar pelos seus interesses, i.e. a garantir que nunca sofre qualquer perda, independentemente das circunstâncias. Só há um pequeno problema: isto é incompatível com o capitalismo! É necessário explicar porquê?
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