quinta-feira, 2 de abril de 2020

O (in)consciente de um reaccionário

Revista da Legião Portuguesa, Julho 1945
Marcelo Rebelo de Sousa, depois de ouvidas as diversas entidades, renovou  o decreto de estado de emergência. Era mais que previsível.

O que é sempre novidade é a formulação desse decreto. Neste caso, a parte relativa aos direitos dos trabalhadores (alínea c). E ainda mais quando houve uma primeira versão  do decreto do estado de emergência que foi divulgada e que não corresponde já à última.

A diferença entre uma e outra é visível apenas sobre o direito constitucional das associações sindicais participarem na elaboração da legislação laboral. 

Mas antes disso, siga-se passo por passo:
Pode ser determinado pelas autoridades públicas competentes que quaisquer colaboradores...
Trata-se de uma reminiscência do direito corporativo de 1933. Nem na legislação laboral, nem na Constituição se refere aos trabalhadores como colaboradores. Esse é o termo que deve designar os colaboracionistas ou, muito benignamente, os trabalhadores em regime independente. Por isso, parece ser um dois em um: um expediente ideológico de desejar, numa palavra, anular ingloriamente a luta de classes e transformar todos os vínculos contratuais em prestações de serviços à laia da Uber. Era escusado, mas sintomático. 

... de entidades públicas, privadas ou do setor social, independentemente do tipo de vínculo, se apresentem ao serviço e, se necessário, passem a desempenhar funções em local diverso, em entidade diversa e em condições e horários de trabalho diversos dos que correspondem ao vínculo existente, designadamente... 
e segue-se um longo rol de trabalhadores que podem ser envolvidos.
Sempre foi um desejo das entidades patronais prever a possibilidade de deslocar os trabalhadores, a seu bel-prazer, para onde achem mais produtivo ou mais condizente com o fim desejado; em horários para lá dos fixados por lutas seculares pelo horário de trabalho. Estamos em pandemia e todos os trabalhadores darão o máximo de si. Por isso, o que se decreta é a mobilização militar forçada em benefício das entidades públicas, mas igualmente das privadas. É um precedente que se abre. 

Pode ser alargado e simplificado o regime de redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador.
 Assim alarga-se os apoios públicos previstos no actual regime de lay-off simplificado (decreto-lei 10-G/2020), condicionado às consequência do Covid19.

Mas - muito estranhamente! - o mesmo decreto retira um dos direitos constitucionais atribuídos às organizações sindicais (capítulo III - direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores) art 56º 2-a) "Participar na elaboração da legislação do trabalho". E é tão mais interessantemente mau quando aqui é que há duas versões do mesmo decreto.

Na primeira versão, dizia-se: 
Fica suspenso o direito das associações sindicais de participação na elaboração da legislação do trabalho, na medida em que o exercício de tal direito possa representar demora na entrada em vigor de medidas legislativas urgentes para os efeitos previstos neste Decreto.
Na segunda, passou a dizer-se: 
Fica suspenso o direito das comissões de trabalhadores, associações sindicais e associações de empregadores de participação na elaboração da legislação do trabalho, na medida em que o exercício de tal direito possa representar demora na entrada em vigor de medidas legislativas urgentes para os efeitos previstos neste Decreto. “ 
É sintomático que a primeira versão apenas tenha mencionado a componente sindical, deixando de fora as CTs e as associações patronais. Talvez porque era o mais importante, porque  é um direito fundamental, com valor de direito, liberdade e garantia. Mesmo a inscrição, à última hora, das associações patronais não se compara porque não tem o mesmo valor constitucional. Mas camufla bem a verdadeira intenção, com um simulacro de igualdade. Hélas - notou-se...  

Parece que há sempre uma justificação aparentemente legítima para cortar injustificadamente direitos. Alguém discutiu com os sindicatos o decreto-lei 10-G/2020 do lay-off simplificado? Era escusado, parece uma provocação ou a criação de um precedente grave. Mas revela histriónicamente a cabeça de quem acha que a participação sindical é... uma perda de tempo. Quando se criar um regime ditatorial, esta será uma das justificações: a urgência de criar mecanismos de apoio à produtividade.

Pior ainda: é repetido e reiterado neste decreto outro grande desejo ideológico de estabelecer por lei um travão ilusório à luta de classes. Num momento em que as entidades patronais estão a aproveitar a pandemia para violar a legislação laboral e despedir livremente - outro grande desejo do empresariado nacional desde que se começou a discutir legislação laboral - o decreto volta a querer conter a populaça e sempre com um argumento lógico:

Fica suspenso o exercício do direito à greve na medida em que possa comprometer o funcionamento de infraestruturas críticas, de unidades de prestação de cuidados de saúde e de serviços públicos essenciais, bem como em setores económicos vitais para a produção, abastecimento e fornecimento de bens e serviços essenciais à população

Aliás, o mais estranho de tudo neste decreto é que, em nenhuma parte, refira os empresários que têm pervertido a legislação laboral, despedido e alterando a relação contratual; e não considere esse oportunismo como um ataque à ordem pública, à eficácia do combate à pandemia ou à estabilidade social. Nem preveja castigos excepcionais que possam ser instaurados aos seus executantes. Parece considerar-se que, se isso acontece é porque se trata do mercado a funcionar e que, se isso acontece, é vantajoso ao país. 

O decreto é, pois, a imagem aproximada - em Estado democrático - daquilo que será um regime ditatorial empresarial. É desproporcionado, escusado, perigoso pela criação de precedentes sob o pretexto de ordem pública. E, no entanto, é tudo tão sintomático do que vai na velha cabeça de Marcelo Rebelo de Sousa e da sua entourage.
 

4 comentários:

Jose disse...

Os processos de intenção devem ser mais abrangentes.
Quando uma central sindical tem a intenção de impedir despedimentos e manter salários, é uma emergência pô-la a falar com quem?

PauloRodrigues disse...

Ora, cá está o governo de salvação nacional de que Rio falava há alguns dias atrás.
O ps julga que o psd vai voltar a dar-lhe o braço, como acontecia antigamente.
Não será certamente com espanto quando sentir a faca enterrada nas costas.
Já devem estar habituados.
Só não sei se o xicão vai ter votos suficientes para repetir 2011.
Se calhar, nem com documentos facilitadores isto lá vai.

Figueiredo disse...

O estado de emergência, o seu prolongamento, e o extremar de medidas inerentes ao mesmo bem como a sua justificação não tem qualquer fundamento, sendo estas medidas amplamente refutadas pela comunidade médica e científica a nível internacional:

- How Dr. Wolfgang Wodarg sees the current Corona pandemic

- CBC Radio cuts off expert when he questions Covid19 narrative

- A fiasco in the making? As the coronavirus pandemic takes hold, we are making decisions without reliable data

- Lockdown lunacy

Ao longo da história nunca se isolou a população saudável para combater uma doença, isso vai contra as leis da medicina, da ciência, da matemática, e da natureza.

Anónimo disse...

Em Almada, a Srª D. Inês de Medeiros usa o estado de emergência para fazer fichas de ideintificação de pessoas e para obrigar à denuncia de ilegalidades que não tem nada a ver com pandemias.

Ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020 decreta-se o encerramento de paraques de campismo com excepção para os que lá residem mas que devem ser identificados detalhadamente. A lei não obriga à identificação das pessoas e muito o menos às camaras municipais. Diz apenas que quem reside lá pode ficar. Mas a CMA depois ainda aproveita para criar um formulário alternativo sem qualquer cobertura legal, para denunciar quem está em ocupação ilegal. É delicioso perceber que existem dois formulários (para os legais e os ilegais).Para os ilegais permite-se a residência mas apenas enquanto durar o estado de emergência...Que beneméritos.
No fim do estado de emergência a câmara de almada tem uma lista detalhada e identificada de todas as situações ilegais. O trabalho fica depois facilitado para sanear uma situação que se arrasta há anos e que não conseguiu resolver pelos meios que o estado de direito põe à sua disposição. É obra!

Podem verificar os dois formularios aqui:

para os legais: http://www.m-almada.pt/ngt_server_acd/attachfileu.jsp?look_parentBoui=654137540&att_display=n&att_download=y

para os ilegais: http://www.m-almada.pt/ngt_server_acd/attachfileu.jsp?look_parentBoui=654137602&att_display=n&att_download=y

Toda a informação foi sacada daqui: http://www.m-almada.pt/xportal/xmain?xpid=cmav2&xpgid=noticias_detalhe&noticia_detalhe_qry=BOUI=654140602&noticia_titulo_qry=BOUI=654140602