domingo, 19 de abril de 2020

Dividendos proibidos em lay-off... mas pouco?

Choca que diversas grandes empresas planeiem pagar dividendos vultuosos aos seus accionistas, nesta recessão em que milhares de cidadãos caíram no desemprego e centenas de milhar estão com os seus rendimentos cortados. Quase 700 milhões de euros de dividendos distribuídos pela EDP parece uma exaltação provocatória do capitalismo selvagem, egoísta e socialmente irresponsável.

Mas se estas empresas o fazem é porque podem. Nada as impede, na lei, apesar de se ter aprovado um estado de emergência. Parece que a emergência recai sobre uns, mas não impede outros de viver o seu mundo inalterado. 

Mais chocante ainda seria o caso de empresas, recorrendo ao lay-off (como estas, por exemplo), supostamente para fazer face a dificuldades de mercado, estejam a planear pagar dividendos aos seus accionistas. Neste caso, tornava-se evidente que o Estado estaria a financiar - e não é pouco! - os salários de trabalhadores dessas empresas, para essa poupança ser distribuída aos seus accionistas.

Está a acontecer? Não se sabe porque a informação distribuída pelo Ministério do Trabalho - que contém informações úteis - não revela todavia quais foram as empresas que recorreram ao lay-off, qual a sua distribuição por dimensão, qual o número de trabalhadores envolvidos, quais os montantes em questão.

Mas é possível essas empresas distribuírem dividendos? As disposições legais impedem-nas de o fazer, mas parecem pouco eficazes.


O decreto-lei 10-G/2020 - que estabelece uma medida excecional e temporária de proteção dos postos de trabalho, no âmbito da pandemia COVID-19 - estabeceleu condições, embora pouco condicionantes. 

A principal é o artigo 13º. Impede certas formas de despedimento (dos trabalhadores abrangidos pelo lay-off, os despedimento coletivos ou o despedimento por extinção do posto de trabalho, mas não evita todas as outras formas, nomeadamente o dos trabalhadores não abrangidos pelo lay-off, aqueles que estão em trabalho temporário ou cujo prazo de contrato terminou, ou despedimento por mútuo acordo.

Depois, há o artigo 14º que estabelece um conjunto de obrigações a que as empresas estão vinculadas e impedidas. E na sua alínea d) vem:

"Distribuição de lucros durante a vigência das obrigações decorrentes da concessão do incentivo, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta";

Ora, a formulação do artigo sugere várias apreensões:

1) o que quer dizer "durante o período de vigência das obrigações..." ? Quer dizer que depois de aplicado o lay-off, as empresas podem distribuir os seus dividendos? Se for assim, essa obrigação é totalmente ineficaz, já que basta à empresa distribuir os dividendos depois, embora graças à poupança gerada pelo apoio público;

2) mesmo que o empresário seja apanhado a fazer a idiotice de distribuir dividendos durante "o período de vigência", o que é que lhe acontece? "O incumprimento por parte do empregador ou do trabalhador das obrigações relativas aos apoios previstos no presente decreto-lei implica a imediata cessação dos mesmos e a restituição ou pagamento, (...) total ou proporcional, dos montantes já recebidos ou isentados". Ou seja, não há qualquer risco. Se for apanhado, devolve. E ainda pode atrasar-se a pagar, caso em que terá de pagar os "devidos juros de mora à taxa legal em vigor, desde o fim desse prazo, ou aplicável". 

Faz isto sentido?

12 comentários:

Jose disse...

«tornava-se evidente que o Estado estava a financiar - e não é pouco - os salários dessas empresas, …»

Há salários a pagar a quem não trabalha? São férias?

Não serão as empresa a financiar - e não é pouco - 1/3 do salário a quem as circunstâncias impedem de trabalhar?

Anónimo disse...

A situação já é assustadora.O recurso ao denominado Ly-off ( porque razão se aplica um anglicismo ) de forma indiscriminada poderá provocar resultados catrastóficos.
A autorização para as empresas entraremem em lay-off por falta de encomendas não são verificados os elementos contabilisticos por parte dos serviços do Estado mas sim por um qualquer contabilista certificado o que é de legalidade e constitucionalidade muito duvidosa.É indesmentível que se verifica uma grande desorientação no poder publico.
A nivel da UE a desorientação parece ser ainda maior. Face à situação existente , os Eurocratas respondem com uma mão cheia de nada.
Quanto à situação de distribuição de dividendos aos accionistas em empresas que estão em situacão de Lay-off parece-nos ser extraordinariamente imoral e devia ser tornada ilegal.
E se houver uma explosão social na Europa do SUL?


Anónimo disse...

À choldra denunciada no post prefere um sujeito falar abespinhado em férias. Naquele jeito que faz lembrar um patronato ainda às arrecuas pelo direito a férias pagas ao trabalhador.

Sobre os dividendos assiste-se ao silêncio sepulcral de quem foi apanhado com a mão nos ditos

Tudo isto seria muito estranho se não soubéssemos que este mesmo josé, a propósito dum excelente post de Paulo Coimbra, tivesse revelado a sua profissão de fé, nestes exactos termos:
"Só un ignorante não compreende que a definição de rico pressupõe que, salvo puro confisco ou mau investimento, o destino de um rico é ficar cada vez mais rico."

Percebido.

Jose está apenas a lutar pelo quinhão no saque.

PauloRodrigues disse...

Uma das premissas fundamentais do neoliberalismo é que o estado tenha um sistema judicial forte para o obrigar a cumprir os contratos que antes alguém assinou.
E, claro, forças policiais à altura para fazer cumprir as decisões judiciais.
Isto hoje em dia é uma CONTRADIÇÃO, de quem defende um estado mimímo.
Mas no futuro, a justiça e os órgãos de violência estatal serão usados exclusivamente para proteção da riqueza dos 1%, como acontece nos states.

João Pimentel Ferreira disse...

São empresas privadas, pagam o que quiserem a quem quiserem quando quiserem, dentro do quadro legal. Se não sabem a definição de propriedade privada, queiram por favor consultar uma enciclopédia.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,
Há situações que deveriam ser encaradas com abertura. Não parece normal, nem a um liberal convicto, que alguém se faça passar por uma coisa que não é, só para sacar umas massas ao Estado. Se o Estado paga 70& de 66% do salário, além de perder os descontos sociais sobre 33% da retribuição salarial, não me parece pouca coisa. Mas se me apresentar as contas ao contrário, cá estaremos para lhe dar razão.

Caro João,

A sua resposta é tão ilucidativa que escuso-me de rebater o que quer que seja. Mas convinha que, como sociedade, não voltássemos ao séc XIX. É só porque era andar para trás. E as pessoas vivem mais felizes hoje.

Óscar Pereira disse...

Caro João Pimentel Ferreira,

«São empresas privadas, pagam o que quiserem a quem quiserem quando quiserem, dentro do quadro legal. Se não sabem a definição de propriedade privada, queiram por favor consultar uma enciclopédia.»

Certamente que podemos então concordar que quantos defendem essa ideologia, não estão interessados na liberdade do indivíduo, mas sim na liberdade dos detentores de propriedade, independentemente da extensão desta (e incluindo posse de empresas). Simplificando um pouco (mas não excessivamente), poderá então dizer-se que enquanto os comunistas querem a tirania do proletariado, os capitalistas/neoliberais querem a ditadura dos detentores do capital. Poder-se-ia até ir mais longe e dizer, que é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa :-)

https://twitter.com/KarlreMarks/status/910076298516684801

Já agora, caro JPF, se quiser reflectir mais um pouco, poderia fazer pior do que dar uma olhada a isto:

https://static1.squarespace.com/static/59bc0e610abd04bd1e067ccc/t/5cb6ddc015fcc00dbe496d9d/1555488196539/Hickel+-+Neoliberalism+and+the+End+of+Democracy+%28Chapter+only%29.pdf

Jose disse...

«Há situações que deveriam ser encaradas com abertura»

Caro João,
Caro João,
Abertura é uma coisa, apelo constante ao saque é outra:
1 - Toda a manifestação de oposição à remuneração do capital apela à ilegalidade, à inconstitucionalidade, e à ofensa ao bom senso e bons costumes.
2 - O Estado tendo o poder de tributar, pode diferenciar essa remuneração do capital qualificando-a quanto ao seu grau para efeito da taxa a aplicar; pode ainda definir condições quanto à sua legalidade, admitindo-se os graus de 'especulativo' (falsa valorização das acções) ou 'lesivo' dos interesses da empresa e seus credores; em situações de excepcionalidade (ajudas ou avales do Estado) pode condicionar tais prestações à fixação de uma taxa de remuneração do capital.

Cumprir agendas ideológicas será politica, sociologia… mas não economia.

Anónimo disse...

Apelo constante ao saque?

É o que faz este jose que oscila entre o tom caceteiro e o tom choramingas

Agora lembra-se de falar em "inconstitucionalidade"

Voltemos atrás uns bons anos,ao tempo em que este sujeito berrava por mais austeridade, ao lado e com Passos Coelho

Quererá que se lhe esfregue na cara os seus berros na altura contra o tribunal constitucional e contra a Constituição?

Agora esta espécie de discurso viscoso e piegas

Anónimo disse...

No fundo José serve a sua agenda política. Uma agenda política ao serviço dos seus interesses económicos.

Repare-se o que se passou em 2017 quando as coutadas, perdão as cotadas, se endividaram para pagar mais dividendos, mais remuneração aos accionistas, aos donos do capital. Ou seja, pagaram um volume de dividendos superior aos lucros arrecadados.
Onde aconteceu isso? Com «gestores de topo» e «empresas modelo».

Um aumento dos dividendos superior ao aumento dos lucros! Não queriam esmolas, aumentos indexados à taxa de inflação ou da evolução do IAS. Não! Mais 20% nos dividendos. Por extenso: vinte por cento!

Se isto não é viver, ou melhor, sacar «acima das possibilidades», o que será? Lata! Uma grande lata quando na praça pública despejam tecnocráticos ou moralistas discursos sobre a necessidade da moderação salarial e de acabar com a «rigidez da legislação laboral».

A como respondeu jose a este aumentar da dívida destas empresas?

Assim, agora daquele jeito caceteiro:

"Os accionistas que penaram uns anos não podem recuperar nada!"


E agora vem com este choradinho pegajoso a invocar o bom senso e os bons costumes?

Cheira a beata falsa e hipócrita. Ou, por palavras mais cordatas. A agenda político-ideológica para garantir os direitos do saque

João Pimentel Ferreira disse...

Caro Óscar, na ditadura do proletariado existe confisco da propriedade privada para o alegado bem comum. As empresas privadas ao pagarem dividendos a quem quiserem numa economia de mercado, não estão a retirar capital a ninguém, estão meramente a pagar dividendos resultantes da sua actividade económica.

Óscar Pereira disse...

Caro João Pimentel Ferreira,

«As empresas privadas ao pagarem dividendos a quem quiserem numa economia de mercado, não estão a retirar capital a ninguém, estão meramente a pagar dividendos resultantes da sua actividade económica.»

Num sentido estrito -- muito, *muito* estrito -- tem, é claro, toda a razão. Mas considere o seguinte:

- Do mesmo modo como numa tirania do proletariado, se põe o colectivo acima do indivíduo, também numa economia de mercado cada empresa coloca o colectivo (dos seus accionistas) acima de quaisquer outros interesses. Portanto, como escrevi no meu comentário, "é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa": ambos secundarizam a liberdade individual, em prol de um colectivo; a diferença reside apenas em que colectivo é esse. Já era tempo, por conseguinte, de se abandonar a ideia absurda de que as economias de mercado/os neoliberais protegem a liberdade individual -- não o fazem, tal como também não o fazem comunistas e marxistas.

- E o que me diria o João se esses dividendos fossem originários, não da actividade económica das empresas -- visto o mercado estar praticamente parado -- mas de fundos providenciados pelo Estado?! Certamente podemos concordar que isto é uma grotesca violação dos princípios mais basilares de uma economia de mercado! Então porque o defende?

(Os dividendos das empresas que mesmo em situação de pandemia puderam continuar a actividade é um caso diferente, e não é para óbvio que a respectiva distribuição deva ser proibida -- depende do caso concreto em questão.)