sábado, 5 de janeiro de 2008

«Para que não seja o capitalismo a matar o capitalismo»

«Apesar das dificuldades da economia, as remunerações dos administradores têm crescido sistematicamente acima das dos funcionários (. . .) Dizer que este alerta [Cavaco sobre as desigualdades salariais] é populismo e demagogia é de quem não anda na rua e não percebe o pulsar da sociedade. É preferível serem as empresas a tomarem medidas do que deixar a porta aberta para uma intervenção dos políticos, que já esteve mais longe. Para que não seja o capitalismo a matar o capitalismo». Uma das principais características do jornalismo económico de «qualidade» - estou a pensar no Financial Times ou na The Economist - é aliar uma linha editorial impecavelmente neoliberal com uma atenção quase sem rival aos movimentos intelectuais, sociais e políticos que desafiam o status quo, procurando ir gerindo as concessões que por vezes há que fazer para salvar o essencial. Em Portugal, a coisa ainda passa muito por uma defesa sem quartel das prerrogativas de quem faz dinheiro, muito dinheiro. O que o artigo de Luísa Bessa, acima citado, tem de interessante é que foge aos entediantes lugares comuns dos editoriais dos jornais económicos portugueses. Uma jornalista atenta. Mas há que ir mais longe. E começar a discutir, na linha de muita investigação económica e sociológica recente, se as abissais desigualdades salariais não são precisamente uma das causas dos nossos problemas económicos recentes. Quanto «à intervenção dos políticos» ela é inevitável qualquer que seja a situação. Quem, senão certos «políticos», em aliança com poderosos interesses económicos, criou os arranjos que geraram estas desigualdades?

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem.

F. Penim Redondo disse...

Ou muito me engano ou as motivações de Cavaco, no seu discurso de fim de ano, são "apenas" de tipo moral e profissional. Ele não disse que o excesso ganho pelos gestores deveria ser distribuído pelos restantes trabalhadores e, por isso, parece-me que se equivoca quem vê nele uma "preocupação social".

Cavaco acha que é imoral a diferença entre os salários dos gestores e os dos meros trabalhadores, talvez porque pode criar mau ambiente de trabalho. Ele também pensa provavelmente que muitos gestores são incompetentes e que por isso não justificam o seu vencimento. Em qualquer dos casos está preocupado com a rentabilidade das empresas.
Cavaco nada disse sobre os lucros dos accionistas. Os gestores, pelo menos em teoria, contribuem para o sucesso da empresa. Até são, em muitos casos, também trabalhadores assalariados.
Para equilibrar os salários dos gestores com os dos trabalhadores comuns Cavaco podia, em alternativa, ter proposto a diminuição dos lucros com aumento dos vencimentos mais baixos.

Cavaco não tocou nos lucros dos proprietários, que nos últimos anos têm crescido em muitos sectores.
Apenas tentou reduzir os salários de uma parte, a mais bem paga e mais invejada, dos trabalhadores.
Mais uma medida de "proletarização das camadas médias" ?
dotecome.blogspot.com