segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
Mirandismos em crise
Os liberais intransigentes têm muito que explicar. Afinal de contas a crise vem pôr em causa as suas crenças mais profundas. Começou o trabalho para salvar a fé. Duas estratégias insustentáveis, bem visíveis nesta posta de João Miranda no blasfémias reconstruído: (1) culpar o poder político (a Reserva Federal); (2) declarar que a crise financeira é inevitável e natural como as estações. A segunda estratégia só pode ser mantida graças ao desconhecimento da história económica. Compare-se o período que vai dos anos quarenta aos anos setenta, caracterizado por controlos de capitais, forte presença pública na banca e regulamentação apertada, e o período de reforma financeira neoliberal, a partir dos anos setenta, e tira-se uma conclusão que tantos estudos sublinham: no primeiro período houve muito menos crises financeiras. Mais: a Índia e a China, por exemplo, puderam evitá-las no segundo período, ao contrário de muitos países em desenvolvimento, porque, apesar de tudo, mantiveram um sistema financeiro e cambial que está muito longe das prescrições dos «fundamentalistas de mercado». A primeira estratégia obscurece as responsabilidades de um sistema financeiro crescentemente liberalizado. Sublinhar apenas que os cortes de taxas de juro que a Reserva teve de efectuar nos primeiros anos do milénio se destinaram a evitar mais uma aguda crise de mercado. Depois é preciso assinalar que a criação de moeda é também um processo endógeno à finança, relacionado com as operações dos bancos nas suas inovadoras actividades de concessão de crédito e com a existência de abundante liquidez na economia mundial em busca de valorização (a Reserva tem limitada influência sobre estes processos). Além disso, estes processos de mercado sempre mereceram o aplauso de Greenspan e Bernanke (economistas com fortes influências dos libertários de direita) e dos neoliberais de todos os partidos. Esta crise é interna ao mercado e mostra as suas limitações. De qualquer forma, quem confia tanto na omnisciência dos agentes de mercado tem de explicar como é que os operadores privados foram «enganados» pelo poder político e participaram em movimentos de «sobre-investimento» (João Miranda) e em processos especulativos que se revelaram tão insustentáveis, perigosos e opacos. Há tanta coisa para rever.
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10 comentários:
Um pormenor, mas um erro crasso: Greenspan e Bernanke não receberam influência dos libertários de direita. Se o quiser comprovar, pesquise em http://www.mises.org/ e veja a animosidade que estes economistas motivam aos tais libertários de direita.
Paulo Vila Maior
PVM, porquê estragar uma boa história??? Os tipos concordam com mecanismos de mercado, logo também só podem concordar com o socialismo monetário. Lógica claríssima.
Pode provocar toda a animosidade, mas Greenspan fez parte da seita libertária de Ayn Rand (era o seu economista preferido e foi escolhido em vez de Rothbard, o fundador do Mises Institute...) e Bernanke diz-se influenciado por Friedman e escolheu o Cato Institute para fazer um dos seus mais importantes discursos como presidente da Fed...
mas Greenspan fez parte da seita libertária de Ayn Rand (era o seu economista preferido e foi escolhido em vez de Rothbard, o fundador do Mises Institute...)
Não fale do que não sabe, João. Ayn Rand não era libertária. E a sua relação com Greenspan não era baseada em qualquer julgamento de "economista oficial" do movimento.
Se quer muito saber, o economista "preferido" de Rand era Von Mises.
Caro João Rodrigues:
Desculpe a minha insistência, para mais num assunto que é acessório no seu texto. É que está a meter no mesmo saco gente que não se entende. O Mises Institute nada tem a ver com o Cato Institute. Nem os libertários de direita não têm em Milton Friedman o seu guru. Acho que a sua confusão terá origem em algum desconhecimento destes movimentos. Seria como se alguém dissesse que o BE e o PCP são a mesma coisa...
Paulo Vila Maior
Sobre as diferenças entre libertários do von mises e do cato institue, este é um excelente artigo. O libertarianismo encerra em si diferentes concepções...
http://www.thenation.com/doc/20071224/hayes
Caro Migas,
Desculpe, mas falar não custa. E era o que mais faltava que a conversa ficasse circunscrita aos convertidos. Além disso tenho no bucho um "estágio" de uma semana inteira no Mises Institute em Auburn, Alabama, numa escola de verão...
Ayn Rand não era libertária? Então tem que me dizer o que era. Em vários manuais e livros aparece nessa vasta categoria. De qualquer forma o Greenspan foi escolhido em vez do Rothbard para a seita.
Caro Paulo,
Por acaso até tem. Acho que o Rothbard fundou os dois. Depois saiu ou foi corrido do Cato. Tenho aqui um inquérito feito a libertários em que o Friedman aparece em terceiro lugar entre os intelectuais favoritos dos ditos (Rand está em primeiro). Fonte: F. Hayek - a biography (por A. Ebenstein), p. 276.
Eu bem sei o que quer dizer (a questão do Estado e do seu fim), mas isso é disputado na nebulosa...
Caro João,
Certamente que falar não custa, mas a prudência aconselha quem não domina determinado assunto a não fazer afirmações contundentes.
Ayn Rand serve de inspiração a muitos libertários, é certo. Mas em vida não foi nada comedida nas críticas ao movimento libertário. Kant, Marx, Nietzsche e muitos outros também servem de inspiração a várias correntes o que não significa que se vivos lhes dessem o seu apoio.
Greenspan tornou-se membro do círculo de pessoas que andava em roda de Rand por ter casado com Joan Mitchell (que julgo era amiga de Barbara e Nathaniel Branden). A sua entrada no grupo foi por isso relativamente acidental. Não houve certamente uma escolha do género "este é o economista oficial do movimento". Mais ainda, essa entrada seguramente não foi em detrimento de Rothbard. A relação de Rand e Rothbard deteriorou-se quando este último (alegadamente) usou ideias que Rand considerava terem sido formuladas por si sem o devido reconhecimento ou menção.
De qualquer modo, Rothbard nunca poderia fazer parte do círculo randiano numa capacidade "oficial". O seu anarco-capitalismo era repudiado veementemente por Rand (que considerava o estado essencial para manutenção da ordem e defesa dos indivíduos).
libertaarios de aqui, libertaarios de ali... tudo seitas ideoloogicas a quem falta a vontade de descobrir a realidade econoomica sem pressupostos ideoloogicos...
Hayek, Mises e outros devem dar voltas na tumba de verem as seitas animadas por ideologia que usam os seus nomes, e que se entitulam seus herdeiros de pensamento...
Acho profundamento triste que se leia estes grandes economistas sem perceber o tempo em que viviam, e as limitacoes de assistirem aos avancos metodoloogicos da economia nas deecadas seguintes.
Como ee possiivel armarem-se em seguidores de Hayek, e desconhecerem as discussoes que se estabeleciam entre Hayek e Keynes.
Palermice preguicosa.
"...limitacoes de NAO assistirem aos avancos metodoloogicos da economia nas deecadas seguintes..."
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