A ideia de que a evolução do sistema capitalista é marcada pela sucessão de ciclos longos, caracterizados pela alteração de ritmos de crescimento que duram várias décadas, faz parte de uma tradição da ciência económica que tem pouco lugar nos curricula académicos dos dias de hoje. E, no entanto, apesar das muitas polémicas - ou precisamente por causa delas - é um tema que está longe de ter esgotado o seu interesse e o seu potencial de interpretação do mundo em que vivemos.
Na tradição de Schumpeter (um nome demasiado citado por gente que nunca o leu), Carlota Perez publicou em 2002 um livro intitulado Technological Revolutions and Financial Capital: The Dynamics of Bubbles and Golden Ages, onde procura relacionar as grandes alterações tecnológicas e os comportamentos dos mercados financeiros.
A tese de Perez consiste, essencialmente, na noção de que os colapsos financeiros estão associados a uma sequência de fases de desenvolvimento que se iniciam com a introdução de constelações de novas tecnologias e novos materiais, que transformam radicalmente o funcionamento da economia e de toda a sociedade (vapor, caminhos-de-ferro, aço, electricidade, motor de combustão, petróleo, matérias sintéticas, microprocessadores, ...).
Quando tais constelações de inovações radicais surgem, poucos dão conta da sua presença e do seu potencial. A maioria do sistema económico continua a produzir como dantes e são poucos os investimentos atraídos para o desenvolvimento dos novos domínios. Mas à medida que as novas tecnologias se aperfeiçoam, que diminui o seu preço, que são adoptadas por alguns sectores pioneiros e que dão origem a negócios de sucesso, todas as atenções se viram para elas.
E do desdém, a pouco e pouco, nasce a euforia: muitos querem ser os Bill Gates da próxima geração, ainda mais são os que começam a apostar nas acções da próxima Google. Em breve, a especulação atinge proporções nunca vistas e o preço dos activos financeiros distancia-se cada vez mais dos lucros da esfera real da economia. A acumulação de riqueza na esfera financeira gera não só mais instabilidade, mas também uma pressão crescente sobre a esfera produtiva - exigindo-se lucros impraticáveis a todo o custo (o que, tipicamente, inclui despedimentos em massa, adiamento de investimentos com retornos de longo prazo, práticas fraudulentas, etc.). Com os especuladores habituados aos elevados lucros proporcionados pelas apostas certeiras nas tecnologias vencedoras, a espiral do casino não pára, alargando-se as apostas ao preço futuro das casas, das obras de arte, das matérias-primas e de tudo o que for passível de especulação. O resultado é sempre o mesmo (foi assim em 1797, em 1847, em 1893, em 1929, em 2000, ...) - o colapso das bolhas especulativas e as crises financeiras (concentradas num só grande evento - como em 1929 - ou dispersas numa sucessão de episódios - 1987, 1992, 1997, 1998, 2000, 2007, ...), que destroem em poucas horas poupanças de vidas inteiras e produzem efeitos recessivos sobre as economias reais (com aumento do desemprego e da incerteza).
A história mostra que estes períodos de crise são momentos de viragem. As tensões estruturais (desigualdade, instabilidade, incerteza, desemprego) tornam-se insustentáveis, levando o próprio sistema a sentir necessidade de repor as condições político-institucionais para o crescimento económico. O resultado deste processo é essencialmente indeterminado: a forma como as tensões são resolvidas (ou pelo menos atenuadas), e o tempo que demoram a sê-lo, dependerão dos interesses em jogo, da lucidez dos principais actores envolvidos, do seu poder relativo, bem como da eficácia das forças sociais relevantes. A mesma crise pode estar na origem de uma Alemanha hitleriana ou de um ‘New Deal’ americano. Em suma, a história repete-se, mas estranhamente nunca sabemos o fim da mesma.
Se tivesse de apostar, alinharia com Michel Husson (ver este post do João) e diria que o tempo das crises está para durar - por muito que as soluções para as evitar estejam à vista de toda a gente.
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1 comentário:
Nesta altura em que tudo parece correr como aqui se previa que ia correr, talvez seja altura de pensar um pouco na questão do Confirmation bias.
Mais do que nunca, agora, é preciso ter cuidado com a análise que se faz do mundo. O excesso de auto-confiança provocado pelo facto de tudo à volta parecer correr como previsto pode enevoar o raciocínio.
Outra opção, claro é fazer como a esmagadora maioria da direita portuguesa "pensante", ignorar a realidade e ver o mundo apenas pelo olho da ideologia.
É engraçado que os melhores herdeiros da doutrina da cegueira ideológica do Cunhal, seja a direita blasfemista: "O mundo tem que ser feito à medida dos nossos preconceitos".
Era bom evitar esse caminho, agora que o estado do planeta parece dar razão, de uma forma gritante, ao tipo de análise que se faz neste blog.
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