Durante muito tempo a teoria económica dominante alimentou a ideia de que o postulado do egoísmo racional e o aparato teórico construído à sua volta, com a ideia associada de que todas as interacções humanas podem ser representadas como se de transacções mercantis se tratassem, serviam para compreender o comportamento humano em todas as esferas da vida social. Isto deu origem a um programa de investigação que promoveu a colonização de outras áreas disciplinares pela teoria económica ortodoxa e pelos seus idealismos mercantis. A isto se chamou, e bem, imperialismo económico. A ciência política, o direito ou a psicologia nunca mais foram as mesmas. No entanto, este movimento de colonização tem levado, por sua vez, a uma contaminação da teoria económica dominante pelos conceitos e problemas de outras disciplinas. A típica dialéctica colonizador-colonizado. O caso da psicologia social e do impressionante desenvolvimento da economia experimental e comportamental são um bom exemplo deste último, e muito estimulante, processo.
A obra de Bruno Frey, prestigiado economista suíço, ilustra, no seu conjunto, estes dois movimentos. É hoje um dos responsáveis pela recuperação de temas que na realidade nunca abandonaram a disciplina (graças às correntes ditas heterodoxas), mas que estavam um pouco «adormecidos». É o caso da importância económica da existência de motivações individuais intrínsecas (a ideia do orgulho no trabalho bem feito, de se retirar satisfação com um processo de trabalho conduzido com autonomia), não redutíveis ao egoísmo ou ao nexo mercantil e, talvez mais importante, da possibilidade deste tipo de motivações poder ser perversamente corroído por uma confiança excessiva, típica de tantos, no poder e na eficácia dos incentivos pecuniários. Daqui Frey parte para interessantes análises das eventuais consequências perversas de vários arranjos que muitos neoliberais hoje veneram (certos mecanismos da corporate governanance, por exemplo) ou das virtudes que a administração pública pode encerrar e até das lições que pode dar à empresa privada. Para ler com os temas do BCP e das desigualdades salariais em mente.
Tal como o imperialismo económico acompanhou e inspirou o movimento intelectual e político neoliberal e o seu sucesso na transformação da paisagem contemporânea, também este movimento contrário pode acompanhar (é o optimismo da vontade) um movimento que reinstitua algum bom senso às falhadas aventuras mercantis. É apenas uma hipótese de trabalho para discussão.
Nota. Abordei a primeira relação num artigo, escrito com Luís Francisco Cravalho, que está prestes a sair em livro. Espero que esta posta seja o início de um esforço regular para ir traçando, de forma mais sistemática, alguns movimentos intelectuais com potenciais repercussões políticas. Tudo numa ciência que tenderá, esperemos, a ser cada vez menos «esquálida» e mais aberta. Uma ciência social, política e moral. De novo uma economia política. Fora ou dentro dos departamentos de economia. Pouco importa.
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3 comentários:
Para quando a discussão sobre o artigo de Anderson?
boa malha!
economia para mim é assim uma ciência um tanto ou quanto esotérica mas estamos cá!somos muitos mais do que os que imaginamos e ou nos deixamos de análises e diagnósticos sobre análises e diagnósticos ou deixaremos aos nossos filhos um país que recuou no tempo ao século XIX numa gloriosa época de multidões de escravos do neoliberofeudalismo.con desta vez, com o capital à solta.um modelo chinês actual à escla global.
gostei do post.
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